Epílogo
Me movo como se fosse a última dança da minha vida.
E de fato, pode ser que seja. Desde que a conversa sobre o casamento começou eu soube que qualquer chance de concluir a faculdade de artes estava condenada.
Assim como eu.
Subo os braços, pronta para o movimento final, assim que a música inicia os atos finais e executo meu último relevé, com o corpo alongado, os braços elevados em quinta posição e paro.
Ainda estou encarando minha imagem no espelho da sala de ensaio quando a música para completamente e vejo a imagem do desespero refletida nas minhas feições.
Por fora estou tão desesperada quanto por dentro.
Respiro fundo e olho o relógio, porque sinto que passei do horário para a próxima aula.
Uma palestra chata sobre inovação, que eu não posso faltar.
“Pode dançar o quanto quiser, desde que se forme em administração para assumir os negócios quando a hora chegar.”
O acordo com o meu pai é um lembrete constante na minha cabeça, e ainda sinto as feridas das palavras dele me rasgando enquanto me troco às pressas para chegar a tempo da palestra.
A Faculdade de Boston é enorme e o prédio de artes é o último do campus, por isso começo a correr assim que saio debaixo da garoa fina, sentindo o meu casaco voar nas minhas costas, enquanto solto o cabelo do coque de balé. Passo por alunos que correm também, mas não me apego a nenhum deles, porque tenho apenas dois minutos e sei que se eu tiver qualquer falta nas aulas, vou decepcionar o meu pai.
Me obrigo a respirar, enquanto subo pelas escadas em direção ao auditório e diminuo um pouco a velocidade, enquanto arrumo o cabelo e seco de qualquer jeito meu rosto da chuva.
Abro um sorriso enorme quando paro na porta da sala e vejo o auditório lotado, mas com o palco vazio, indicando que o evento ainda não começou.
Depois de assinar a minha presença, sento em uma fileira vazia ao fundo e organizo os meus cadernos para poder fazer anotações.
Estudar sempre foi uma das minhas paixões. Sou curiosa, entusiasmada e não perco qualquer oportunidade de descobrir coisas novas.
Menos, quando se trata, desse curso insuportável.
- Esse lugar está ocupado? - Todos os meus nervos congelam quando são atingidos por uma voz profunda e forte. Levanto o olhar devagar, e o homem que está parado diante de mim me obriga a engolir em seco. - Moça? - Ele chama e eu já sinto as minhas bochechas queimando de vergonha.
- Está vazio. - A minha voz sai mais forte do que eu esperava e ele assente, com uma expressão séria, antes de sentar ao meu lado.
Continuo organizando os meus pensamentos quando o ouço suspirar ao meu lado e o som me atinge em pontos que eu nunca imaginei que poderia sentir.
Olho para ele de relance antes de me concentrar no que eu estava fazendo. Organizo o meu caderno e seguro com força a caneta e quando me dou conta, estou olhando para ele mais uma vez.
O rosto dele é quase familiar, e eu não consigo não olhar.
O tom da pele dele é quase dourada, com os cabelos perfeitamente penteados para trás e escuros, a barba é perfeitamente desenhada e ele está com o nariz enrugado, enquanto lê algo no celular, sem se dar conta que eu o observo.
Ele lambe os próprios lábios, que são carnudos e por um segundo inteiro me pergunto se a boca dele é tão gostosa quanto parece.
Esse pensamento me obriga a olhar para frente, porque o meu rosto está queimando de vergonha e eu não deveria estar pensando coisas do gênero, visto que sou uma mulher comprometida.
Noiva.
Essa palavras ecoa nos meus pensamentos, e eu preciso desesperadamente parar de pensar nisso.
Respiro fundo e começo a ficar impaciente quanto ao inicio da palestra, que já está 5 minutos atrasada.
Mas, logo descubro que respirar fundo foi um erro terrível, porque o homem ao meu lado não é apenas lindo e está extremamente bem vestido em um terno cinza, ele também é cheiroso demais.
Mesmo com uma expressão impenetrável e séria, ele cheira a alegria e decisões deliciosas e mais uma vez me questiono se o sabor da boca dele combina com o cheiro…
As luzes finalmente se acendem e um dos professores se encaminha até o palco, roubando a minha atenção dos meus pensamentos cheios de pecados. Ele começa com os recados gerais, o que não prendem em nada a minha atenção, porque o calor do corpo ao meu lado parece cada vez maior.
- Está animada com a palestra? - O homem me pergunta, de repente, em tom sério.
- Não. - Respondo sem nem mesmo pensar e me arrependo na mesma hora, porque agora ele olha diretamente para mim, com as sobrancelhas levantadas, em uma pergunta clara. - Estou aqui obrigada. - Esclareço ao desconhecido. - Faz parte da grade do curso e meu pai fala dessa palestra há semanas… - Suspiro e dou de ombros, porque estou falando demais, algo que não é da minha natureza.
- Não acredita na teoria da inovação disruptiva? - Seguro a verdade dentro da minha cabeça, porque eu até acredito, mas… - Ou no palestrante? - Ele complementa, parecendo levemente incomodado.
- Entenda… - Começo, sem saber o que explicar. - Eu, honestamente, não sei quem falará sobre essa teoria ou mesmo conheço profundamente o tema, estou aqui apenas porque preciso estar. - Qualquer charme magnético de antes some quando ele sorri, com a expressão cheia de arrogância.
- Espero que tenha uma excelente palestra senhorita… ??? - Ele estende a mão, mas os olhos escuros estão fixos nos meus.
- Guilia. - Respondo, apertando a mão do homem.
Uma carga elétrica corre pelo meu braço e ele ainda segura a minha mão quando se apresenta.
- Sou Pedro. Pedro Carpinetti. - Ele fala, um segundo antes do palestrante ser anunciado.
Ele continua segurando a minha mão quando me dou conta de quem ele é e do que eu acabei de fazer.
- … 7 anos à frente das Corporações Carpinetti, o criador das estratégias de negócios mais conhecidas de todos os tempos e ex aluno da nossa querida faculdade… Pedro Carpinetti. - O professor confirma a minha vergonha.
Aperto os lábios com força, sentindo o meu rosto queimar intensamente, quando ele solta a minha mão e se levanta, pronto para ir até o palco e dar a sua palestra. A palestra que eu acabei de confirmar desinteresse completo.
- Nos veremos de novo, Giulia. - Ele promete e eu passo a próxima hora inteira sem conseguir desviar os olhos dele.