Fachada

1041 Words
Eu cresci num mundo de aparências. Tudo o que a minha família conquistou foi herdado e construído sob a fachada de uma família perfeita. Eu, Giulia Mantovani, sempre busquei ser uma boa menina, e também nunca tive oportunidade de ser algo diferente. Evitava chamar atenção ao meu redor, porque qualquer olhar mais demorado na minha direção me faz ficar vermelha igual a um tomate. Sempre fui muito branca, com os olhos claros e os cabelos castanhos e longos. Sei que a minha aparência chama muita atenção, mas, eu não desejo atenção nenhuma. Muito diferente das meninas ao meu redor, ao longo da vida. Elza Mantovani, a minha mãe, sempre pareceu ser uma pessoa exemplar, assim como o meu pai, Carlos Mantovani, manteve a imagem de chefe da casa. Como filha única, eu era vista como a jóia da família. Aprendi com os meus pais a arte de fingir que tudo estava bem, mesmo quando nada estava, descobri como manipular as feições e usar uma máscara de boa menina, aquela que sempre faz boas escolhas e segue as regras da sociedade. Assim como a minha mãe escondia o alcoolismo e o meu pai o vício em jogos de azar, a nossa família era uma das mais influentes do alto escalão de Boston. Foi nesse ambiente que, aos 15 anos, comecei a namorar o filho mais novo de outra família influente. Fábio Galvão sempre foi um babaca, desde que eu me lembro. Um dia, ele me pediu em namoro na frente de um grupo de investidores, durante um jantar. E pela forma como a minha mãe virou a taça de champanhe de uma vez, soube que não havia outra opção além de aceitar. Namoramos por quase quatro anos. Nos beijamos poucas vezes, mas sempre estávamos juntos, mantendo o quadro perfeito que as nossas famílias tanto prezavam. Sabíamos que não gostávamos um do outro, mas havia um entendimento silencioso de que devíamos manter as aparências. Mas nunca falamos sobre isso de verdade. Bem, nunca falamos sobre nada. Os nossos pais já discutiam sobre casamentos e a união das famílias, e tanto eu quanto ele apenas assentimos. Havia um acordo tácito entre nós: seguiríamos as regras até não aguentarmos mais, mesmo que isso significasse passar a vida toda fingindo. Numa noite de sábado, porém, algo dentro de mim mudou. Estávamos assistindo a um filme de corrida, desses que nunca prendem a atenção, e percebi que ele olhava o celular o tempo todo, como se esperasse uma mensagem. Em certo momento, ele levantou dizendo que precisava ir ao banheiro, e eu aproveitei para buscar mais refrigerante. Sem intenção, acabei ouvindo a sua conversa pelo telefone: – Saio daqui em meia hora, só preciso ficar com essa idiotä por mais um tempo. Voltei para o meu lugar sem terminar de ouvir. Quando ele retornou, eu não esperei que ele se acomodasse. – Fábio, pode ir embora! - Falei com firmeza, sentindo um misto de decepção e raiva. Mesmo sabendo que a nossa relação era uma farsa, eu acreditava que havia algum tipo de respeito entre nós. Ele poderia ter me dito que tinha outros planos, e eu inventaria uma desculpa para os meus pais. – O que houve, bebê? – Ele respondeu com um cinismo que me irritou ainda mais e nem preciso falar sobre o apelido insuportável. – Deixei de ser idiotä e voltei a ser bebê, agora? – A sua surpresa durou apenas um instante. – Está com ciúmes? – Ele perguntou, quase rindo. – Eu nunca teria ciúmes de você. Apenas vá embora, e não precisa voltar. – Você sabe que vou voltar! – Disse ele, tentando manter o controle. Levantei, mantendo a fachada de calma, caminhei até a porta e a abri. – Estou te libertando, Fábio. Pode dizer aos seus pais que fui eu quem terminou. Direi o mesmo aos meus. Ele ficou ali, parado, sem saber o que fazer ou dizer. Continuei a apontar para a porta aberta. – Vai logo! E não precisa voltar, e fique a vontade para me culpar. Eu não suporto mais essa mentira toda. – Ele voltará, Gio. – A voz da minha mãe surgiu das minhas costas. Ótimo, ele ouviu e estava entrando na sala e se metendo no meio do meu primeiro ato de coragem na vida. – Mãe, eu não quero mais nada com ele! – A minha voz parecia a de uma criança mimada dispensando um brinquedo, e me odiei por isso, mas a verdade era que eu realmente queria me livrar daquela situação. – Ele não me respeita. E eu não… o amo. – Um segundo, foi o que a minha mãe se permitiu de surpresa pela minha afirmação, antes de se virar para o meu ex-noivo. – Fábio, por favor, desculpe a falta de postura da minha filha. Ela está confusa. Amanhã, durante o almoço, tenho certeza de que ela terá colocado a cabeça no lugar. Ele suspirou de alívio, sentindo segurança com a intervenção da minha mãe. – Boa noite, Elza. – Ele respondeu a ela, sorrindo, depois veio até mim e beijou o meu rosto com certa cautela. Eu não me desviei; sabia que aquela batalha estava perdida. – Tchau, bebê. Até amanhã! - Ele falou, antes de se virar, quase correndo para fora. Assim que fechei a porta, a minha mãe iniciou um longo discurso sobre como o futuro da nossa família dependia daquele relacionamento. A verdade é que estávamos perto de falir. O meu pai havia gastado tudo em jogos, e agora vivíamos apenas dos poucos lucros da empresa, que também não estava bem. Como sempre, a aparência enganava a todos. Depois de um bom tempo, cheia de argumentos, eu estava pedindo perdão e garantindo que não terminaria com ele. Depois de uma hora inteira acalmando a minha mãe, subi finalmente para o meu quarto e me afundei em uma série qualquer, apenas para distrair os meus pensamentos. A semana tinha sido complexa e cheia de desafios e enquanto eu fizesse dois cursos ao mesmo tempo, cada semestre seria pior que o anterior, por isso eu estava sonhando com as férias de inverno. Peguei no sono em algum momento, com sonhos confusos com olhos escuros e que eu não queria que se tornassem familiares.
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