Farias
Assim que todos saíram por aquele portão, meu sangue virou gasolina.
- FILHA DA PUT@! _ Gritei chutando a mesa da sala com tudo. A porr@ do vaso que tava em cima voou na parede e esfarelou. - TÁ ACHANDO QUE VAI SAIR ASSIM, CARALH0? TU VAI PAGAR, GABRIELA! TU VAI PAGAR, VADI@, VAGABUND@ DO CARALH0.
Comecei a andar de um lado pro outro feito bicho preso. Joguei o controle na TV, rasguei a cortina, dei soco no armário.
- LEVOU MEU FILHO, CARALH0! MEUS FILHO, P0RR@! _ gritei socando a geladeira. Eu andava pela aquela casa toda desnorteado de tanto ódio.
Puxei a corrente do pescoço, taquei longe. O peito ardia de raiva, de vontade de matar um.
- BATEU NA MINHA CARA, PORR@! NA CARA DE BANDIDO, DE SUJEITO HOMEM! ME FEZ DE PALHAÇO.
Peguei a garrafa de gin que tava em cima do rack, joguei no chão com força.
- VADI@ INGRATA! EU DAVA TUDO PRA ELA! TUDO, CARALH0! QUEM ELA ERA SEM MIM? NINGUÉM! _ a voz já tava falhando de tanto gritar.
- E O CLEITON? AQUELE FUDID0 ME REBAIXAR NA FRENTE DE TODO MUNDO? FILLHO DE UMA PUT@, CUZÃO DO CARALH0. _ parei no meio da sala, respiração pesada. - Eu vou dar a volta por cima. Anota essa porr@ aí. Ninguém me tira de otari0 assim não. Ninguém me humilha e sai ileso.
Fiquei ali, sozinho, no meio dos cacos de tudo que destruí.
Mas na mente… o bagulho tava só começando.
Depois do estouro, do surto, veio o silêncio.
Só eu, os cacos no chão, e o eco da minha própria respiração. Me sentei no sofá torto, o braço apoiado no joelho, a cabeça baixa. O coração ainda batia acelerado, mas o grito já tinha morrido na garganta. Eu tá pá ódio.
Peguei o isqueiro do bolso, acendi o cigarro com a mão tremendo, puxei o fôlego como se fosse meu último.
Fiquei ali, olhando pro nada, a fumaça subindo devagar.
- Me tirou no Bagulho, Gabriela. _ falei num sussurro rouco. - Acha que vai embora na moral? Que vai levar meus filho e sumir, como se eu fosse ninguém? Tu errou feio vadi@, eu te caço até no inferno filha da put@.
Traguei de novo.
- Eu tava cego de ódio... e tu me tirou na frente da p*****a, na frente dos parceiro, na frente do morro todo metendo o pé daqui, Tu me fez de o****o. Mas isso não vai ficar assim né fudend0 filhona, nem fudend0.
Deitei a cabeça no encosto do sofá, olhos no teto.
- Mas agora é diferente. Agora é silêncio. Agora é mente. Engolir essa porr@ ate o momento certo.
A voz vinha fria, sem peso, sem emoção.
- Tu pode correr pra onde for, mas uma hora a rua devolve. A favela gira, e quando ela girar eu vou tá lá a tua espera.
A cinza do cigarro caiu na calça. Eu nem mexi.
- Tu vai ver, Gabriela. No tempo certo... tu vai ver.
(....)
No dia seguinte, Cheguei na boca com o olhar gelado, mente fervendo. Andei no meio da quebrada como quem não deve nada. Favelado olhava de lado, alguns abaixavam a cabeça, outros só cochichavam. Já entendi o recado. Tava queimado no corre.
Mas f**a-se. Vim resolver o bagulho com o Cleiton.
- E aí, o Cleiton já tá por aí?
O moleque deu uma olhada de cima a baixo e soltou:
- Ele já tá te esperando.
Entrei na boca e segui diretamentepra sala do fudid0, o Cleiton tava no mesmo lugar de sempre: camisa regata, cigarro na boca, braço jogado por cima da cadeira. O olhar dele era o de quem já tinha decidido tudo.
- Fala tu, Farias. Entra aí ._ disse, sem emoção.
Entrei com o peito inflado, mas sentindo que ia tomar mais uma no queixo.
- Seguinte, Cleitão... sobre o que rolou, tá ligado que...
- Senta a porr@ do r**o aí e escuta tu primeiro mané . _ ele cortou, seco, antes de eu completar.
Sentei.
- Tu acha que é quem, Farias? Tu bateu na tua mulher de um jeito que quase matou ela dentro da tua casa. Ainda por cima, foi pego no flagra com uma piranh@ no sofá. Que moral tu acha que tem pra vir falar alguma coisa?
- A mulher me desrespeitou, porr@! _ soltei com raiva. - Cuspiu na minha cara, me deu tapa na frente da outra...
- Cala tua boca, caralh0! _ o Cleiton se levantou de leve, o olhar dele mudou. - Tu tá falando de desrespeito? Tu levou piranh@ pra dentro da tua casa, porr@! A casa onde dormia tua mulher e teus filhos! Desrespeito geral, e ainda quer posar de certo? Nunca me menti nas paradas de vocês, mas tu passou de todo o limite.
- Mulher de bandido tem que tá preparada pra tudo._ Falei.
- Tu já viu eu metendo a mão na minha dona? tu já viu eu quebrando ela pra deixar fudid0, quase morta. Bandido né bicho não fiote, eu sou errado, sou errado pra caralh0, Mas faço meus bagulhos na calada. Minha mulher anda do meu lado, tu é um arrombado isso sim.
Fiquei calado, mas o sangue fervia. Quetendo me dar lição de moral essa porr@. Ele respirou fundo, olhou pros lados e voltou a falar:
- Aqui é o seguinte: a tua moral já era. E como aqui quem manda sou eu, tu vai voltar pro corre, sim... mas como vapor, vai la pra contenção, pra entrada. _ Ah só pode ser o caralh0 mesmo.
- TU TÁ DE BRINCADEIRA, CLEITON! _ bati na mesa, levantei já puto. - EU? VAPOR DE PORTÃO? EU FUI BRAÇO TEU POR ANOS, CARALH0! FIZ CORRE, SEGUREI MORRO, JÁ DEI SANGUE NESSA PORR@!
- E agora vai segurar a entrada, até segunda ordem._ ele falou seco, olhando dentro dos meus olhos. - Vai segurar o fuzil e revistar carro. Quero tu ali no portão de baixo, em pé, meio-dia. Solzão no lombo.
- Tu tá querendo me humilhar, Cleiton. _ falei, com a voz embargada de raiva.
- Tô te botando no teu lugar, Farias. Aqui não tem espaço pra homem que acha que pode fazer o que quiser só porque mete medo. Aqui tem regra. E tu quebrou todas.
Me virei pra sair, put0, coração batendo na boca.
- E leva a porr@ do rádio contigo, que amanhã tu já tá de turno.
Peguei o rádio da mão do vapor que esperava na porta. Saí dali com a honra esfarelada, mas a mente fervendo.
- Isso vai virar, caralh0. isso vai virar _ murmurei pra mim mesmo, com os olhos ardendo de ódio.
(.....)
Meio-dia. Sol no alto, o asfalto fervendo. E eu ali, na p***a do portão de baixo da Rocinha, com o fuzil pendurado no ombro, boné abaixado e o rádio chiando no ouvido.
- Alguém na escuta, alguém do portão de baixo na escuta? _falava o vapor da contenção de cima.
- Da o papo. _ respondi no seco, sem emoção.
Já tinha mais de três horas que eu tava ali. Já vi carro subir, motoca descer, p*****a passar me olhando sem entender nada. Vi cria olhar torto, vi até moradora cochichando com outra e apontando de canto de olho.
"Aquele ali né o Farias, nera sub?..."
É. Era.
E agora tô aqui, feito estatua, tomando sol. Castigo de bandido que perdeu a moral.
Mas o que me matava não era nem o calor, nem a vergonha. Era o ódio.
O Cleiton me jogou aqui pra ser exemplo. Pra geral ver que ninguém tá acima da lei do morro. Que até o braço direito dele pode virar nada. E a filha da put@ da Gabriela conseguiu isso.
Passou um moleque que era do foguete, olhou pra mim e abaixou a cabeça. Nem cumprimentou. Nem disfarçou. O pior não é ser odiado. O pior é ser ignorado.
- Ô Farias._ chamou o vapor do lado. Moleque novo, m*l criado. - Tem um carro subindo ali. Bora parar.
Fiz o sinal com a mão. A viatura falsa subiu, parei. Revistei. Liberei. Mas a mente não saía do mesmo lugar: na porr@ da minha casa. Nas mala. Nas crias. Na Gabriela.
Tudo desandou.
Só que uma hora esse castigo acaba. E quando acabar… o Farias vai cobrar tudo.