Gabriela
O carro parou na frente da casa. Os dois homens do Cleiton desceram primeiro, olharam pros lados, viram que tava limpo, e um dos vapores que faziam a segurança da casa abriu o portão pra mim. Desci devagar, o corpo ainda dolorido, a tipoia apertando meu braço, mas o coração batia forte era pelo reencontro com meus filhos.
Alice veio do meu lado, firme, segurando a mochila que a gente tinha levado pro hospital. Meu pé tocou o chão da varanda e só de ver a porta da minha casa já me deu um aperto no peito.
Um dos caras bateu na porta com força.
- Aí, é a mãe das crianças, abre aí.
Foi só ouvir a vozinha do Ravi do outro lado que minhas pernas fraquejaram.
- Mamãe?
A porta se abriu devagar e ali estavam eles: o Ravi e a Rafa. Os dois me olharam sem entender direito, mas quando me viram, mesmo com o rosto machucado, os olhos inchados, o braços preso, correram pra mim sem pensar.
- Mãe! _ os dois gritaram juntos, se jogando no meu colo.
Caí de joelhos no chão com eles, chorando baixo, tentando não apertar muito com o braço machucado. Nem gemer de dor, tudo em mim me doía, mas nada importava naquele momento, só os meus filhos.
- Meus amores, mamãe tá aqui, tá aqui agora...
A babá apareceu atrás, nervosa, já saindo de fininho quando viu os homens do Cleiton ali. Um deles já falou logo:
- Junta tuas coisas e vaza, que a mãe chegou.
Ela nem respondeu. Só pegou o que era dela e saiu calada.
Entrei com os pequenos, os dois pendurados em mim, falando ao mesmo tempo, sem entender por que eu tava machucada daquele jeito. Eu só dizia:
- Foi um tombo, só um tombo, mamãe tá bem.
Alice entrou atrás e foi logo falando:
- Vai subindo e pega o que for importante, Gaby. Vou te ajudar com o resto.
Subi com dificuldade, as pernas doíam, a cabeça latejava, mas comecei a arrumar as coisas das crianças: roupas, documentos, brinquedinhos preferidos. Peguei o que consegui das minhas também, tudo meio jogado, sem conseguir raciocinar muito. Alice foi juntando o que dava.
Parei por um segundo, olhei aquele quarto onde foi cenário de várias agressões, Eu respirei fundo, olhei em volta e só pensei:
“Nunca mais.”
Desci com dificuldade, a tipoia puxando meu ombro, a Rafa no colo da Alice e o Ravi agarrado na minha perna. As malas já estavam ali perto da porta. Meu coração tava apertado, mas firme. Eu ia sair dali.
Quando coloquei o pé no último degrau da escada… ouvi a porta bater.
- QUE PORR@ É ESSA?!
A voz dele fez meu corpo travar. O sangue gelou. Farias entrou pela porta com a expressão tomada de ódio. Os olhos bateram direto nas malas, nas crianças, e depois em mim.
— TÁ INDO PRA ONDE COM ESSAS p***a@, GABRIELA? TA INDO PRA ONDE COM MINHAS CRIAS SUA VADI@.
Fiquei calada. Atrás de mim, os dois homens do Cleiton já estavam em posição, braços cruzados, sérios, olhando tudo. Farias também viu eles, mas nem isso conteve o surto.
- TU ACHA QUE VAI SAIR DAQUI? TU ACHA QUE VAI ME LARGAR, QUE VOU ACEITAR ESSA PORR@?! _ Ele se aproximou num impulso, o peito estufado. - TU NÃO SAI DAQUI NEM FUDEND0, TU É MINHA MULHER, CARALH0!
Dei um passo pra trás. O coração acelerado. Ravi agarrou mais forteP minha perna. Alice se colocou do meu lado na hora.
- Abaixa a bola, Farias _ Alice disse fria. - Já era filhão Tu perdeu.
— PERDI O CARALH0! _ele gritou, e tentou avançar.
Foi aí que um dos homens do Cleiton deu dois passos pra frente, firme, com a mão na cintura.
- Vai devagar aí, Farias. Fica namoral aí.
O outro já completou:
- Tu tá ligado que ela tá saindo com a benção do chefe. Se encostar nela, vai ser tu contra o sistema.
Farias ficou me encarando, o peito subindo e descendo de tanta raiva, os olhos vermelhos de ódio.
- TU ME CUSPIU, ME BATEU E AGORA ACHA QUE VAI SAIR TODA BONITINHA, COM OS PIVETINHOS, FAZENDO MALA? TU VAI SAIR É PRO INFERNO, VAGABUND@!
Ele deu um passo pra frente. Os homens do Cleiton já ficaram em alerta.
- Aí, parceiro. recua. _um deles falou, mão firme no peito do Farias.
Mas ele empurrou com força e tentou passar no meio deles, indo direto na minha direção.
— EU VOU ACABAR COM TU, SUA PUT@!
Alice se colocou na frente, os homens segurando o Farias com dificuldade, ele gritando igual um demônio.
- LARGA ESSA VAGABUND@! ISSO NÃO VAI FICAR ASSIM! ELA É MINHA, CARALH0! MINHA!
Foi quando uma voz grossa, firme, ecoou na sala como um trovão:
— PAROU COM ESSA PORR@, FARIAS!
Todo mundo travou. Até os passarinhos calaram.
Farias estancou no lugar, respirando pesado. Os homens dele olharam pra trás.
E lá estava ele.
Cleiton.
De braços cruzados, olhar afiado, andando firme na direção, o silêncio cortando o ar enquanto ele vinha.
Cleiton parou na frente do portão, olhando pro Farias de cima abaixo.
- Eu sabia que tu podia aparecer, por isso mesmo fiquei na atividade. Tava ali só esperando tu dar esse showzinho. _ falou calmo, mas o tom cortava. Graças a Deus ele apareceu, se o Cleiton não aparece capaz desses homens não conseguirem segurar o Farias e ele acabar me matando.
Farias bufava, olhando pra ele como se tivesse segurando um vulcão dentro do peito.
- A última forma já foi dada, irmão. Ela tá fora do bagulho. Vai sair com os pivete, sem volta.
- COMO É A HISTÓRIA? A ULTIMA FORMA FOI DADA? SEM ME CONSULTAR PRIMEIRO, SEM DESENROLAR COMIGO? ELA TA NO MEU NOME, COMO QUE FAZ UM CARALH0 DESSE PELAS MINHAS COSTAS._ O Farias ainda gritava igual um bicho.
- EU SOU O DONO DESSA PORR@ E NÃO PRECISO DESENROLAR NADA CONTIGO PRA TOMAR UMA DECISÃO, A ULTIMA FORMA FOI DADA TU QUEIRA OU NÃO.
Farias deu um passo à frente, tremendo de ódio.
- Essa put@ pode até sair, Cleiton. Que vaze mesmo! Mas as crias? Minhas cria?! Não, caralh0! Minhas cria não saem daqui, nem fudend0!
Cleiton olhou bem pra ele, com aquele olhar de quem decide vida ou morte com uma piscada.
— Tu vai bater de frente comigo Farias? tem certeza disso?
- Eu só tô falando a real, porr@! Ela me desrespeitou, me tirou na frente dos outros, e agora quer sair como a santa, levando meus filhos? Que porr@ é essa, irmão?
O clima ficou mais pesado do que já tava. Os vapores parados na portão nem respiravam. Alice abraçou a Rafa mais forte, e o Ravi se encolheu atrás de mim.
Cleiton descruzou os braços devagar.
- Aqui é favela. E no meu morro, quem bate em mulher desse jeito perde direito de falar até do próprio nome. Tá de desacato comigo de novo, Farias?
Farias calou. O peito subindo e descendo. Olhos no chão.
- Ela me tirou na frente de todo mundo, bateu na cara de bandido, de sujeito homem, Tu acha que isso é mole?
Cleiton arqueou a sobrancelha, cruzou os braços com calma e respondeu firme:
- Tá falando que ela te desrespeitou porque bateu na tua cara, mas quem desrespeitou ela primeiro foi tu, trazendo piranh@ pra dentro da casa que é dela, que é das tuas cria. A casa que mora tua mulher e teus filhos, sem um pingo de respeito. Não tem moral pra falar nada não.
Farias ficou mudo, o rosto cerrando enquanto tentava engolir o golpe.
Cleiton não deixou espaço pra resposta.
- Aqui é minha lei nesse caralj0, . Se tu não sabe respeitar a tua mulher e tua família, não espera que ninguém vá te respeitar. Quer proteger tua honra? Começa respeitando o que é teu. Quer continuar nessa vida, tem que entender que tem limites que não se ultrapassam.
O silêncio caiu pesado no ar, enquanto Farias encarava o chão, pesado demais pra contestar. Pelo que conheço ele, tava pensando em várias maneiras de me matar ou arrependido por não ter feito isso antes.
Farias abriu a boca, querendo rebater, os olhos ainda ardendo de ódio.
- Não vem aqui querer me ..._
- CALA A BOCA c*****o! _ Cleiton cortou seco, - QUEM MANDA NESSA PORR@ AQUI SOU EU, ENTENDEU? E TEM OUTRA MANE, TA CANTANDO DE g**o DE MAIS, TA ACHANDO QUE TU TEM PODER NESSA PORR@, SÓ QUE NO MEU MORRO O UNICO BANDIDO QUE TEM PODER AQUI SOU EU, TU TÁ REBAIXADO DE CARGO, ATÉ SEGUNDA ORDEM, ATE QUE EU DECIDA SE TU VOLTA PRO TEU POSTO E SE VOLTA._ Aí pronto, fudeu com o Farias, pegou no ponto fraco dele.
- Tu vai ficar na tua, cumprir as ordens, e deixar essa mina sair do morro. Ou quer ver o que acontece quando tu desrespeita a casa do chefe?
Farias ficou imóvel, dominado pela palavra do Cleiton, sem resposta.
Cleiton cruzou os braços, olhando firme.
- É assim que vai ser. Quer continuar no jogo? Se conforma.
(...)
Depois daquela confusão toda consegui sair dali.
***
- Vamo que vamo, Gaby. Aqui não é mais teu lugar _ A Alice falou firme, puxando as malas.
Chegamos na casa dela, tava feliz e aliviada pra caralh0, Mas quando me sentei, o desespero veio com força.
— Alice... eu não sei pra onde eu vou. Não tenho família, não tenho ninguém que me ajude de verdade. E os meninos? Onde eu vou levar eles? Como eu vou fazer? _ as lágrimas vieram de repente, me deixando sem ar.
Ela me olhou, meio sem jeito, mas firme.
- Calma, Gaby. A Jade falou comigo. Ela tem um lugar lá na Penha que pode ajudar a gente. Tu não vai ficar sozinha nessa.
Eu tentei me segurar, mas o medo bateu de novo.
- Eu tô com medo, Alice. Medo de perder eles. Medo de tudo. Eu só queria ter meus filhos, ter uma vida normal, sabe?
Ela puxou meu braço, me abraçou.
- Vai dar certo, Gaby. A gente vai ajeitar essa vida.
Eu sabia que seria tudo diferente, uma nova realidade e eu faria de tudo para fazer os meus filhos felizes, eles felizes eu já estarei realizada.