Samantha
London se afastou por uma pequena eternidade que, na prática, durou menos de cinco minutos. Mas esses minutos se estenderam como se fossem horas para mim. Continuei tocando meus lábios, ainda incrédula. Ele me beijou. Eu precisava continuar repetindo isso mentalmente, como um mantra, para lembrar que não era uma fantasia criada pela minha mente solitária.
Quando as travas da caminhonete abriram, levei um susto e precisei conter um grito. O som seco me arrancou da névoa do beijo. Em seguida, London abriu minha porta e estendeu a mão para me ajudar a descer.
Ele evitava me encarar. Seus olhos estavam fixos na cerca viva no final da entrada da garagem, como se qualquer coisa fosse mais interessante do que eu.
— Está tudo certo? — perguntei, segurando sua mão e saindo do veículo.
Ele assentiu com a cabeça, mas manteve o olhar desviado.
— Todos os cômodos estão limpos — disse ele, com a voz tensa, quase profissional. Fria demais para alguém que havia acabado de beijar minha boca.
Assim que meus pés tocaram o chão, bati levemente no braço dele, forçando-o a me encarar.
— Você me beijou — falei, encarando-o. — Nós nos beijamos. Pare de agir como se isso fosse estranho.
London ficou boquiaberto.
— Eu não...
— Você está sendo esquisito — interrompi. — E pare com isso. Não é grande coisa.
Mas era. As palavras que saíram da minha boca não condiziam com o nó em meu peito. Não combinavam com o desejo que ainda vibrava sob minha pele. Não refletiam o calor que me percorreu pela manhã, no escritório do Dylan, ou o arrepio que o sorriso do Flynn provocou. Eu não desejava homens assim — muito menos três, de forma tão intensa e tão rápida. Talvez nunca tivesse desejado alguém assim antes.
— Não é? — A decepção estampada no rosto de London me desarmou. Fiquei confusa. Ele é quem havia agido estranho, não eu.
— Não precisa ser — corrigi, mesmo sentindo as palavras secarem minha garganta como poeira. — Se você não quiser.
London engoliu em seco, claramente à beira de dizer algo importante, mas a hesitação venceu.
— Por que não entramos? — sugeriu, desviando o olhar.
Assenti. Peguei sua mochila e caminhamos juntos pelas lajes até a porta da frente.
— Eu poderia te mostrar o lugar — comentei —, mas tenho quase certeza de que você já passou por todos os cômodos agora há pouco.
London esboçou um sorriso irônico.
— Sim, mas um tour pessoal seria mais apreciado. — Ele levantou a bolsa. — Assim você pode me dizer onde se sente confortável com a minha presença.
Fomos andando pela casa e tentei explicar a bagunça de cada cômodo pelo qual passávamos. Ele parou diante de uma prateleira e passou os dedos por um pote de vidro rosa com um gatinho estampado.
— Quando comprei esta casa, minha intenção era restaurar o charme vintage... mas acabei comprando um monte de coisas kitsch.
A casa foi construída nos anos 1920, reformada em algum momento, e, por enquanto, seguia funcional. Eu adorava o clima aconchegante e os detalhes em madeira, mesmo que muitos a vissem apenas como um espaço sem bancadas de granito e com uma aparência “vivida” demais — especialmente considerando que, às vezes, eu passava meses fora daqui.
— Eu gosto — disse London enquanto subíamos a escada até o corredor dos quartos. — Já estive em muitas casas que mais pareciam museus. Esta não.
— Isso é exatamente o que me incomoda na arquitetura moderna — respondi, irritada. — É fria.
Abri a porta de um dos quartos de hóspedes. Era o mais “masculino” que eu tinha — uma colcha azul-marinho estendida sobre a cama, cortinas translúcidas, móveis de madeira clara, num tom mel reconfortante.
— Me avise se precisar de algo — falei. — Mais travesseiros ou cobertores, sei lá.
— Eu juro — disse ele, sorrindo —, já dormi em lugares muito piores. Este aqui parece o paraíso.
Deixou a mochila cair suavemente no chão e se virou para mim.
— Onde é o seu quarto?
Suas palavras me pegaram desprevenida, tirando o ar dos meus pulmões.
— O quê?
London pareceu perceber como aquilo soou e logo se recompôs, visivelmente constrangido.
— Preciso saber onde você vai estar — explicou —, só para o caso de acontecer alguma coisa. Para saber onde te encontrar.
— Ah. — Senti meu rosto queimar. Se ficasse mais quente, daria para fritar um ovo nas minhas bochechas. — Tecnicamente, a suíte máster fica lá embaixo.
Ele ergueu uma sobrancelha, desconfiado.
— Tecnicamente?
— É que... é bom ter um quarto com banheiro próprio e tudo mais, mas eu nunca tive um quarto enorme. Dormir lá embaixo me dá uma sensação estranha. Não sei. Desconfortável. — Fiz um gesto para que ele me seguisse pelo corredor e abri a porta do meu quarto.
Era do mesmo tamanho que o dele, talvez um pouco menor, mas tinha móveis brancos e uma colcha com vários tons de amarelo. Eu chamava esse lugar de “meu cantinho ensolarado”, meu refúgio sempre que voltava de uma locação difícil.
— Minha mãe diz que, quando eu finalmente crescer, vou me mudar para o quarto lá de baixo — comentei com um meio sorriso. — Já moro aqui há quase um ano... e ainda não me mudei.
Os olhos de London ainda estavam fixos na minha cama.
— Parece aconchegante — disse ele, mas havia algo diferente em seu tom. Seus olhos estavam mais escuros, quase ardentes, como se escondessem um desejo m*l disfarçado.
Pigarreei, tentando quebrar a tensão.
— Está com fome? Podemos jantar, e você pode revisar o contrato comigo. Eu ia cozinhar hoje em vez de pedir comida, mas, se preferir, posso pedir o que quiser.
— Faça o que estava planejando — insistiu ele, com um meio sorriso. — Seja lá o que for, prometo que vou adorar.
Soltei uma risadinha.
— Você parece alguém que tem pavor de preparar a própria comida.
Ele deu de ombros, claramente tentando parecer indiferente, o que só me fez rir mais. — Não é como se eu incendiasse a cozinha — protestou, enquanto eu ria. — Só não é uma experiência divertida para mim, só isso.
Levando-o de volta à cozinha, tirei os p****s de frango e os legumes da geladeira.
— Arroz frito com frango, pode ser?
— Você é uma deusa — gemeu ele exageradamente, sentando-se no banquinho da península. Seus olhos se fixaram em mim de um jeito que me fez estremecer. Eu os sentia em cada movimento que fazia enquanto cortava o frango e os legumes.
Normalmente, ter alguém me observando tão de perto me deixaria desconfortável. Mas com London... aquela dor quente e insistente entre minhas coxas voltou. Conforme me movia pela cozinha, fechei as pernas discretamente, tentando, em vão, obter algum tipo de alívio.
Joguei os pedaços de frango em uma frigideira já quente, esperando ouvir o chiado familiar. Mas, em vez disso, ouvi um estalo seco. E então tudo mudou.
Algo grande e quente me atingiu, e caí no chão da cozinha com um baque forte.
Tentei empurrar o peso que me esmagava, sem entender o que estava acontecendo — não conseguia ver nada. Será que o teto tinha desabado? O peso sobre mim me impedia de respirar direito, me prendendo contra os ladrilhos frios.
Entrei em pânico.
— Samantha! Fica no chão! — London praticamente gritou na minha cara. Só então percebi que era ele quem estava por cima de mim, me protegendo.
Congelei, tentando acompanhar a respiração ofegante dele.
— Que diabos está acontecendo? — sussurrei, sem fôlego.
— Não tenho certeza — respondeu. — Pode ter sido um tiro. Fique abaixada até eu dizer o contrário.
O peso dele começou a se afastar e entrei em pânico outra vez. Me agarrei à camisa dele com força.
— Aonde você vai? Você não pode me deixar aqui!
London me silenciou com gentileza.
— Preciso verificar o que foi aquilo, mas volto já. Prometo.
Balancei a cabeça em negação, mas ele já estava se afastando. O peso desapareceu, e eu me encolhi no chão, tomada por uma sensação de impotência. O coração martelava em meu peito, e cada fibra do meu corpo gritava para que eu fizesse alguma coisa — qualquer coisa.
Alguns minutos depois, ele reapareceu. Abaixou-se ao meu lado e estendeu a mão para me ajudar a levantar.
— Alarme falso?
A expressão dele destruiu qualquer esperança.
— A boa notícia é que não foi um tiro.
— E a má notícia? — perguntei com a voz trêmula, sentindo um arrepio subir pela espinha.
London me guiou até o saguão, mas me impediu de ir muito além. O chão estava coberto de cacos de vidro da porta da frente. No meio deles, havia um tijolo com algo amarrado em volta.
— Você leu? — perguntei, assustada.
— Ainda não — respondeu ele. — Não quis tocar em nada antes de falar com Dylan e Flynn. Quem quer que esteja atrás de você está escalando rápido demais, e eu não quero cometer erros.
Concordei com um aceno pesaroso, mas detestei a ideia de deixar o buraco na minha porta e o vidro espalhado pelo chão. Virei-me, decidida a limpar aquilo. Se ficasse mais um minuto ali, pegaria aquele tijolo com as próprias mãos.
London me seguiu como uma sombra silenciosa.
— Droga! — gritei ao voltar para a cozinha, correndo para tirar a panela do fogão. O frango tinha queimado. Joguei a frigideira na pia, frustrada.
— Você está bem?
Virei para ele, os olhos ardendo.
— Não, eu não estou bem — rebati com a voz cortante. Minha pele formigava, apertada, como se estivesse sendo esticada de dentro para fora. O ar não parecia suficiente. Meus pulmões falhavam. Eu estava desmoronando.
— Samantha...
Senti London se aproximar e levantei a mão, sem saber se queria afastá-lo ou trazê-lo para mais perto. Ele parou, ergueu as mãos com calma.
— Acho que você está tendo um ataque de pânico — disse, tentando manter a voz firme e tranquila. — Me deixa te ajudar. Por favor.
Mas como ele poderia me ajudar, se nem eu conseguia entender o que estava sentindo? Algo dentro de mim implodia, como uma onda prestes a engolir tudo.
Mesmo assim, ele atravessou a cozinha e me envolveu por trás, puxando-me suavemente contra seu peito.
— Sinta minha respiração — murmurou. — Inspira... e expira comigo.
Ele respirou fundo, e eu tentei acompanhar. Cada inspiração dele era uma âncora, me puxando de volta do caos.
Pelos minutos seguintes, respiramos juntos. Seu peito subia e descia contra minhas costas, firme e constante, e suas palavras se infiltravam no meu ouvido como bálsamo.
— Você está indo muito bem, olha só. Mais uma respiração profunda... isso... já está quase.
E, aos poucos, meu corpo cedeu. Não porque a ansiedade tivesse ido embora, mas porque ele estava ali — firme, presente. Como se, por algum milagre, nada de r**m pudesse me atingir enquanto estivesse nos braços dele.