Flynn
Alguém tinha quebrado a câmera de segurança da Samantha no portão da frente. Percebi assim que cheguei. Ela balançava pendurada por um punhado de fios soltos. Estendi a mão e a arranquei do suporte. Digitei o código que o London me mandou e esperei enquanto o portão se abria devagar.
A entrada da garagem serpenteava até a casa. Estacionei ao lado da caminhonete dele. Já estava escuro, e a residência parecia ainda mais antiga e sombria sob a luz fraca. A fachada implorava por janelas Tiffany e um toque de Art Déco. Algo digno da velha Hollywood.
Dei uma volta pelo perímetro da propriedade, observando com atenção. Vi pelo menos uma dúzia de pontos por onde um intruso poderia ter passado. As cercas vivas tinham clareiras, partes desgastadas. O ferro forjado, em alguns trechos, estava enferrujado. Fui fazendo uma lista mental de tudo que precisava ser consertado ou reforçado. Fotografei cada detalhe para mostrar à Samantha e ao Dylan depois.
O primeiro passo seria instalar um sistema de segurança decente — com um monitor que não morasse do outro lado do mundo. Ela precisava de alguém local, em tempo real, acompanhando cada alerta. Adicionei isso à minha lista.
Depois de inspecionar os fundos, fui até a porta da frente. E lá estava o motivo da ligação de London: o vidro estava estilhaçado. Através do buraco, dava para ver um tijolo.
Ainda bem que ele teve o bom senso de não tocar em nada, pensei, tirando mais fotos antes de ligar para ele.
— Wilson — atendeu no primeiro toque.
— London. Já cheguei. Como quer que eu entre?
— Pelos fundos. Tem um caminho até o quintal.
— Nenhuma cerca interna?
— Nenhuma.
Revirei os olhos.
— Então, a única privacidade aqui é a cerca viva?
— Flynn.
Cerrei os dentes.
— Me dá dois minutos.
Ele desligou. Dei a volta na casa, passando por uma piscina, um spa e uma cozinha externa sob a varanda. Havia um conjunto de móveis ali, tudo bonito, tudo sofisticado. A parte de trás era toda envidraçada — um exemplo perfeito da vida californiana, dentro e fora de casa. Mas, para mim, aquilo era só uma vulnerabilidade exposta. Samantha teve sorte de o tijolo ter sido atirado na frente. Ali atrás, o estrago teria sido bem pior.
London abriu o primeiro painel da porta sanfonada e fez sinal para eu entrar. Deu um tapinha no meu ombro quando passei. Samantha estava sentada no balcão, mordiscando uma fatia de pizza.
— Com fome? — perguntou London. — Temos bastante.
Na pia, uma panela esquecida — os restos do que ela tentou cozinhar antes da confusão
. — Tudo certo — falei. — Vamos ver o hall.
London assentiu. Antes de se mover, olhou para Samantha. E sua expressão mudou.
Ele a encarou como se ela fosse preciosa. Como se estivesse pronto para enfrentar o mundo por ela.
Droga, London. Dylan vai matar ele.
— Você quer ficar aqui? — ele perguntou.
Ela balançou a cabeça.
— Por favor, não me deixa sozinha.
London tocou o ombro dela, e ela se inclinou em sua direção, confiante, relaxada — completamente diferente de mais cedo.
— Claro que não — respondeu ele.
Esperei o desconforto de ser a terceira pessoa no ambiente. Mas, mesmo aninhada a London, Samantha me olhou.
— Você está segura agora, Sra. Sands — eu disse.
Ela sorriu, e algo no meu peito se soltou.
— Me chama de Samantha, Flynn. Por favor. Não sou muito fã de formalidades.
London riu.
— Flynn praticamente inventou as formalidades.
Deixei escapar um meio sorriso, mesmo tentando manter o rosto neutro. Os olhos dela, da cor de mel aquecido, me examinaram com curiosidade.
— Não acho que você seja tão certinho quanto quer parecer — disse ela.
Não foi uma provocação. Soou... calculado. Direto. Como se estivesse tentando me decifrar.
Um arrepio subiu pela minha nuca — e não consegui decidir se gostei.
— Podemos focar? — perguntei. — Ainda tem um buraco na porta que precisamos resolver.
A expressão dela se fechou. Droga. Eu só queria colocar todos de volta nos trilhos, mas odiei ver aquele medo retornar ao rosto dela.
— Muito bem — murmurou London, enquanto atravessávamos a sala e entrávamos no hall de entrada.
Havia vidro espalhado por todo lado. Levantei o braço, impedindo que Samantha se aproximasse demais.
— Cuidado. Vidro.
Ela sorriu com leveza.
— Eu sei.
Mas, ao olhar novamente para a bagunça, o sorriso sumiu.
— O que você vai fazer?
— Tirar fotos de tudo. Depois vamos pegar esse tijolo com cuidado e descobrir o que ele diz.
— Você fala como um policial.
London riu baixinho.
— Ele quase foi. Estava na academia de polícia quando Dylan apareceu e ofereceu uma vaga na empresa de segurança.
Samantha cantarolou, pensativa.
— Achei que todos vocês tivessem saído do exército juntos para começar a empresa...
O ar foi sugado para fora da sala.
— Não — disse London cuidadosamente. Eu podia sentir os olhos dele em mim, mas me recusei a retribuir o olhar. Até onde ele iria com aquilo?
— Todos nós saímos por motivos diferentes — continuou ele, buscando a resposta mais diplomática possível.
Impressionante, vindo de alguém como London.
Ele sempre teve o péssimo hábito de falar demais quando o assunto era nossa vida pessoal.
— Dylan nos reuniu de novo — finalizou.
Samantha estava obviamente curiosa — qualquer um perceberia isso —, mas não insistiu. Ela não era do tipo que forçava respostas.
— Devemos chamar a polícia? — perguntou, encerrando o assunto como se tivesse fechado uma gaveta. — Sobre tudo isso?
London assentiu.
— Vamos chamar, sim. Mas queríamos avaliar primeiro. Eu queria que Flynn visse com os próprios olhos.
— Por quê?
— Ele é bom em ler situações — respondeu London. — Dylan faz os planos, mas Flynn é quem reúne as informações.
Enquanto ele explicava a dinâmica do nosso grupo, meu foco estava nos danos. O tijolo tinha sido atirado com força — o suficiente para estilhaçar praticamente toda a janela.
— Chegaram perto da casa — comentei. — Perto demais.
London concordou com a expressão carregada.
— O sistema de segurança não mandou alerta para o celular dela.
— Porque foi arrancado — completei.
O rosto de Samantha ficou pálido.
— Foi... arrancado?
Quis tranquilizá-la, mas sem mentir — coisa que nunca fui bom em fazer.
— Sistemas que não contam com monitoramento presencial servem mais para dar uma falsa sensação de segurança do que proteção real. São ótimos se você mora num condomínio, mas...
— Mas eu devia ter contratado um guarda-costas desde o começo, né? — A raiva na voz dela não era direcionada a nós. Era o tipo de raiva que nasce da decepção consigo mesma. Ela sabia que tinha sido ingênua. E era difícil encarar isso.
Eu já tinha trabalhado com celebridades o suficiente pra esperar uma reação mimada, algum escândalo, gritaria... Mas ela não era assim. Até agora, nada disso.
Talvez eu devesse parar de esperar o pior dela. Só... observar.
Tirei um par de luvas do bolso e calcei uma. Com cuidado, me abaixei e peguei o tijolo, tocando o mínimo possível. Havia um papel amassado ao redor dele. Descolei com cuidado. A mensagem era curta, mas cada palavra carregava veneno: por mais “incrível” que fosse a beleza de Samantha, ela deveria se manter “digna” do papel da Dra. Leone.
Samantha abraçou o próprio corpo, tremendo. Não parecia frio, mas seu corpo reagia como se fosse. London e eu nos aproximamos ao mesmo tempo.
Ele a envolveu pelos ombros. Eu, pela cintura. Ficamos ali, apoiando-a juntos, enquanto ela tremia.
— Eu nem comecei a filmar ainda — disse ela, esfregando os olhos com as palmas. — O que acontece quando o filme estrear e essa pessoa odiar? Vão me perseguir? Me punir? — Ela soltou um riso trêmulo, nervoso, quase histérico. — Ou se eles adorarem? E depois?
Acariciei suas costas com movimentos lentos.
— Não entre nesse jogo de “e se” com você mesma — falei. — Não temos como saber o que vai acontecer.
Ela me olhou. Seus olhos, dourados como mel líquido, estavam cheios de medo — mas também de algo mais. Algo que parecia... esperança.
— Então, o que eu posso fazer?
— Viva sua vida — respondi. — Deixe que a gente se preocupe com o resto. — Apontei para o vidro. — Vamos te manter segura.
— Gosto de saber o que está acontecendo — disse ela. — Não gosto de ficar no escuro.
— Claro. Mas saber não pode roubar sua paz. Informação é poder, não um peso.
London beijou o topo da cabeça dela.
— Por que você não vai tomar um banho? Flynn e eu damos conta daqui.
Ela hesitou, pronta para protestar, mas London foi mais rápido:
— As filmagens começam amanhã. Você precisa descansar.
A resistência sumiu do rosto dela, e um sorriso se formou. Primeiro para ele. Depois, para mim.
— Obrigada aos dois — disse ela, com um brilho nos olhos que fez meu estômago se contorcer. Ela era bonita demais. Bonita de um jeito que complicava tudo.
Assim que ela desapareceu pelo corredor, estendi a mão e bati na nuca do London.
Ele se virou, indignado.
— Que merda foi essa?
— Você transou com ela — falei. Não era uma pergunta. E ele não tentou negar.
Ele apenas me lançou um olhar duro. Avaliando.
— Você quer ela — disse. Também não era uma pergunta.
— Eu não teria encostado nela — retruquei. E nós dois sabíamos que era verdade. O código do Dylan sobre clientes era rígido. Mesmo que eu quisesse, eu não tocaria.
— O Boss também quer — disse London, me ignorando. — Percebemos no momento em que ele a viu no escritório.
— E?
— E se ela quiser todos nós?
Aquilo me pegou de surpresa. Fazia dois anos desde que tínhamos dividido uma mulher. Dois anos desde Laura. Balancei a cabeça. Não importa. Ela tem limites.
— Mesmo que quisesse... ainda é uma cliente. Dylan nunca permitiria.
London bufou.
— Você dá crédito demais a ele. Dylan não é nenhum santo.
— Meninos?
Nos viramos ao mesmo tempo.
Samantha estava parada no corredor, agora vestindo um robe curto de seda que parecia mais provocação do que roupa. Minhas mãos coçaram. Eu queria arrancá-lo com os dentes. Ficamos em silêncio, completamente hipnotizados.
— O aspirador e a vassoura estão naquele armário — ela disse, indicando uma porta atrás de mim.
— Vamos lá — disse London, firme. — Vamos limpar isso.
— Obrigada — respondeu ela. — Você vai ficar aqui esta noite, certo, Flynn?
— Vou — respondi, sustentando o olhar dela. — Não vou a lugar nenhum.
Ela se virou e desapareceu. Seguimos com os olhos o farfalhar daquele robe como se fosse hipnose.
— Quando o Dylan te matar, eu vou apagar tudo do seu celular pra não envergonhar seus pais.
London me empurrou.
— Gosto mais de você calado — rosnou. — Vamos limpar esse maldito vidro. Amanhã vai ser um longo dia.
— Sim, sim.