Capítulo 3 – Estranho

1305 Words
Sicília, Itália Uma semana se passou como uma neblina pesada. Sophie m*l teve tempo de processar. Quando se deu conta, estava em um jatinho particular ao lado de Liam, cruzando o oceano para uma nova vida da qual ela não poderia escapar. Vestia um vestido simples em tom creme, cabelos soltos caindo como seda n***a sobre os ombros, olhos marejados observando as nuvens lá fora. Ao seu lado, Liam não desgrudava os olhos do celular, mas mantinha uma das mãos sobre a dela com firmeza, como se aquilo fosse bastar para protegê-la. — Se ele… se ele te machucar, me avisa. Eu atravesso esse país sozinho e acabo com tudo, Sophie — disse ele em voz baixa. Ela apenas assentiu, sem saber se aquelas palavras eram consolo ou ilusão. --- O carro preto os aguardava na pista do aeroporto particular. O motorista, um brutamontes de terno escuro e expressão impassível, abriu a porta sem dizer uma palavra. Sophie mergulhou em silêncio em um mundo de estradas de pedras, colinas verdes e céu dourado. A beleza da Sicília era c***l, porque contrastava com o medo que corroía seu peito. E então ela viu. A propriedade de Vincenzo Marino. A mansão moderna erguia-se como uma fortaleza de vidro e concreto escuro, cercada por muros altos, câmeras e seguranças armados. A arquitetura era perfeita. Fria. Impessoal. Exatamente como o homem que a habitava. Ao descer do carro, o vento soprou nos cabelos de Sophie, trazendo o cheiro de terra molhada e flores distantes. Ela apertou os dedos na barra do vestido. Então ele apareceu. Vincenzo Marino. Alto, impecável, vestindo uma camisa preta dobrada nos braços e calças de alfaiataria. Olhos verde-escuros como a floresta, intensos e inexpressivos. A mandíbula marcada, o corpo rígido. Um homem que parecia esculpido em mármore — e com a mesma capacidade de sentir calor. Ele caminhou até eles com passos lentos e dominantes. Parou diante de Sophie. Não sorriu. Não estendeu a mão. — Seja bem-vinda — disse, com a voz grave e gelada. — Espero que tenha deixado sua vida antiga nos Estados Unidos. Ela não existe mais aqui. Sophie sentiu o mundo balançar sob os pés. Liam avançou meio passo, irritado. — Ela é só uma garota, Vincenzo. O olhar de Vincenzo cortou o ar como uma lâmina. — Aqui, ela é minha noiva. E será tratada como tal. Nada mais, nada menos. Sem dar espaço para mais palavras, ele se virou e começou a andar em direção à mansão. — Venha, Sophie. As criadas vão mostrar seu quarto. Não o quarto dele. O dela. Separado. Sophie trocou um último olhar com Liam, os olhos implorando por segurança. Ele nada pôde fazer. Apenas observou sua irmã ser levada por aquele homem como se fosse uma oferenda ao abismo. E quando ela cruzou as portas escuras da mansão Marino, soube, no fundo do coração, que nunca mais seria a mesma. --- O quarto era grande. Imenso, na verdade. Janelas altas com cortinas de linho branco deixavam a luz suave filtrar sobre o piso de madeira escura. As paredes em tons de cinza e areia davam um ar moderno, mas frio — como se aquela beleza milimetricamente projetada fosse feita para impressionar, não para acolher. No centro, uma cama de dossel com lençóis impecavelmente alinhados. Um pequeno jardim podia ser visto da varanda, mas as grades discretas no vidro denunciavam o que aquele lugar realmente era: uma prisão dourada. Sophie caminhou com cuidado, como se pisasse em chão sagrado. Os dedos passaram pelos livros de capa dura na estante, pelos frascos caros de perfume sobre a penteadeira. Tudo ali era sofisticado. Tudo ali era estranho. Ela sentou-se na beira da cama, respirando fundo. O quarto estava perfumado. Lavanda e âmbar. E silêncio. Um silêncio que pesava. — Senhora Sophie? — chamou uma voz suave na porta. A garota virou-se rápido. Uma mulher mais velha, de cabelos grisalhos presos em um coque e olhos castanho-claros, entrou com um sorriso gentil. Vestia-se com elegância discreta, com um avental cinza-claro sobre a roupa. — Desculpe a intromissão. Sou Nora, a governanta da casa. Cuido disso tudo desde que Vincenzo era um menino. Vim dar as boas-vindas. Sophie se levantou, um pouco tímida. — Obrigada… Nora. É tudo muito… grande. A mulher sorriu com ternura. — Também achei, quando cheguei aqui há muitos anos. A mansão é bonita, mas não sabe aquecer. Por isso, coloco flores nos quartos e bolo quente na cozinha. O senhor Vincenzo não se importa… contanto que ninguém ultrapasse os limites dele. — E quais são esses limites? — Ele nunca os diz. A gente aprende com o tempo. Nora se aproximou e ajeitou uma mecha de cabelo do rosto de Sophie, como uma mãe faria. — Seu quarto está pronto para o que você precisar. Se não quiser comer com ele esta noite, posso servir aqui. Ele não costuma forçar nada… até que decida forçar. Sophie riu sem graça. Era um consolo estranho, mas ainda assim, um consolo. — Você vai cuidar de mim? — perguntou, quase como uma criança. Nora sorriu, e seus olhos se encheram de algo raro naquele lugar: afeto verdadeiro. — Vou fazer o melhor que puder, minha menina. E Evelyn me escreveu. Disse que você ama chá de camomila com mel. Está na chaleira agora mesmo. Sophie assentiu, com lágrimas discretas se formando. Pela primeira vez desde que chegou, se sentiu um pouco menos sozinha. Mas ainda assim… profundamente perdida. --- A mansão estava em silêncio, como ele gostava. E, ainda assim, tudo parecia errado. Vincenzo caminhava pelos corredores amplos, os passos ecoando sob o mármore polido. Cada obra de arte, cada móvel, cada detalhe daquele lugar tinha sido escolhido por ele. Tudo era meticulosamente controlado. Seu território. Sua fortaleza. Seu reino. Mas agora… havia uma presença nova. Frágil. Doce. Silenciosa. Intrusa. Ele subiu as escadas devagar, as mãos nos bolsos da calça preta. Parou diante da porta do quarto de hóspedes — o quarto dela. O perfume suave de lavanda escapava pela fresta da madeira. Ela estava lá dentro. Dormindo. Respirando. Existindo. E aquilo o incomodava. Não porque Sophie fosse irritante. Mas porque não era. Ela não chorou na frente dele. Não implorou. Não desafiou. Simplesmente… entrou. Com olhos azuis carregados de um medo silencioso. Com a delicadeza de uma flor esquecida no inverno. Ele odiava isso. Odiava como sua mente registrava o som dos passos dela no andar de cima. Como percebeu que ela gostava de deixar a cortina um pouco aberta para ver o jardim. Como sentiu o leve desconforto no jantar que recusou partilhar com ele. — Ela está aqui há menos de doze horas — murmurou para si mesmo, encarando o copo de whisky sobre a bancada da sala de estar. — E já está mudando o ar. Tomou um gole. Olhos fixos no vazio. Não era sobre amor. Vincenzo não acreditava nisso. Não era sobre empatia. Ele não tinha essa capacidade. Era sobre controle. Ela era uma variável nova em uma equação que ele dominava perfeitamente. E isso o deixava alerta. Desconfiado. Irritado. — Vincenzo? — a voz de Lorenzo ecoou da entrada. Ele virou-se, o olhar cortante. — Como foi? — Ela é o oposto de Alessia — respondeu Lorenzo, tirando o paletó. — E provavelmente o oposto de tudo o que você precisa. — Eu não preciso de nada. Preciso que ela cumpra o papel dela. — Então talvez… seja isso que vai te desequilibrar. Vincenzo ficou em silêncio. O gelo tilintou no fundo do copo. Lorenzo se foi, e ele permaneceu ali por mais alguns instantes. Então subiu. Parou mais uma vez diante da porta de Sophie. Não bateu. Não falou. Apenas ouviu o som baixo da respiração dela através da madeira. E, naquele instante, soube: ela estava onde não deveria estar. E, mesmo assim, era tarde demais.
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