Capítulo 2 – Máscaras

1237 Words
O relógio marcava 06h30 da manhã quando Vincenzo já estava em sua academia privativa. A música baixa ecoava pelas paredes escuras enquanto ele completava mais uma série de exercícios, o corpo suado, os músculos definidos sob a regata preta colada ao peito. Cada movimento era preciso, metódico, controlado — como tudo em sua vida. Às 08h00, ele já estava de terno. Armani sob medida. Gravata escura. Perfume discreto, elegante. A barba feita, o cabelo loiro impecável. Ninguém que o visse sentado à cabeceira da sala de reuniões da Marino Tech imaginaria que aquele CEO visionário, respeitado mundialmente, tinha sangue nos dedos — e não apenas por causa dos negócios. — O senhor tem uma call com os investidores de Tóquio às 9h45 — informou sua assistente, sem nunca o encarar diretamente. — E depois, o conselho aguarda sua aprovação final para o lançamento da nova inteligência artificial. Ele assentiu, sem sequer olhar. Vincenzo não gostava de repetir ordens. Elas simplesmente eram obedecidas. Durante o dia, assinou contratos, intimidou executivos, demitiu um diretor por falta de resultados e fechou uma negociação bilionária com um sorriso cínico nos lábios. Mas às 18h47, trocou de carro. Deixou o motorista e seguiu sozinho em seu Maserati preto até o prédio comercial no centro da cidade — luxuoso, moderno, com fachada de vidro espelhado. Entrou por uma garagem subterrânea com acesso apenas por reconhecimento de retina. No último subsolo, as paredes mudavam. Saíam os vidros... entravam as pedras. Paredes antigas, protegidas por séculos. A verdadeira Sede da Máfia Italiana. Um império invisível sob os pés de turistas e milionários. Lorenzo já o esperava, de camisa preta dobrada nos braços, armas escondidas sob o coldre discreto. — Temos problemas com os romenos na fronteira de Nápoles — começou ele, direto. — Querem invadir território. — Então invada antes. Elimine qualquer sinal de avanço. — E os pagamentos da boate de Milão? — Cuidarei disso pessoalmente. — Alessia estará lá hoje. Vincenzo apenas arqueou uma sobrancelha. — Não me importa. --- Às 20h30, a mansão dos pais estava impecável, como sempre. Katherine, elegante em um vestido Dior, o recebeu com dois beijos no rosto, fingindo que seu filho não era um monstro. Giulia correu até ele com os cachinhos dourados balançando. — Enzo! — gritou, agarrando-o pela cintura. Ele se abaixou, pegando-a no colo com um raro traço de afeto. Só ela tinha esse poder sobre ele. — Comeu os legumes hoje? — Só os verdes. Os laranjas eu escondi atrás da batata. Ele sorriu — um sorrisinho que morreu rápido. Na mesa de jantar, George o observava em silêncio. A presença dele ainda dominava tudo. Um Dom aposentado, mas nunca desarmado. A avó Camilla, ao lado, foi a única que o fez relaxar minimamente. — Estás pálido, tesoro mio. — Ela tocou sua mão com carinho. — Está dormindo? — O necessário. — Ou seja, nada — Lorenzo murmurou com uma taça de vinho, fazendo a avó rir. Mas ao final do jantar, Vincenzo já estava de volta à escuridão. Entrou na boate pela entrada dos fundos, os seguranças abrindo caminho sem precisar de ordem. Luzes vermelhas, música alta, corpos colados. Ele subiu para o camarote privado, cercado por vidro escurecido. Alessia Rossi apareceu pouco depois. Alta, impecável, com um vestido justo que m*l cobria as pernas. Os olhos cheios de desejo e arrogância. — Não me esperou — disse, jogando a bolsa na cadeira. — Você nunca espera. — Eu não espero por ninguém, Alessia. Ela se aproximou, se esfregando nele como uma gata no cio. — Vai me levar hoje? Ele a encarou por um instante, depois bebeu o resto do whisky. — Levante-se. --- O quarto do hotel cinco estrelas era escuro, silencioso e frio. Os lençóis estavam revirados. O corpo de Alessia ainda nu, adormecido, com marcas de mãos nos quadris e o batom borrado pela brutalidade da noite. Vincenzo já estava vestido, ajeitando os punhos da camisa preta diante do espelho. Ele não deixou bilhetes. Não fez carinho. Não olhou para trás. Apenas trancou a porta e desapareceu no corredor silencioso. Como sempre fazia. Porque amor, para ele, era um eco distante. E ele jamais seria homem de pertencer a alguém. Não ainda. --- Boston, EUA O vestido azul que ela usava naquela manhã ainda estava jogado sobre a poltrona do quarto, como se gritasse para ela que tudo aquilo não passava de um pesadelo. Mas não era. Sophie sentava-se na beira da cama, as mãos trêmulas apertando um terço antigo que pertencia à sua avó materna. Os olhos azuis estavam vermelhos de tanto chorar. As malas estavam abertas no chão, prontas para serem preenchidas com roupas que ela nem sabia se teria coragem de vestir. — Dois meses — sussurrou para si mesma, encarando o reflexo no espelho. — Dois meses para me tornar prisioneira de um homem que nunca vi. Ela não conhecia o mundo. Mas agora o mundo viria buscá-la. Na forma de um homem chamado Vincenzo Marino. Seu coração se apertou com o nome. Um nome que mais parecia um feitiço sombrio. Já tinha ouvido sussurros sobre ele nos corredores proibidos da casa — vozes que cessavam quando ela entrava na sala. Agora, esse nome era o destino amarrado ao seu pulso. --- Naquela noite, a sala de jantar dos Miller estava silenciosa. Até mesmo Emma, que sempre monopolizava a conversa, permanecia quieta, desconfortável. Ava tomava vinho, fingindo que nada estava acontecendo. Sebastian, com a postura firme, cortava a carne no prato como se não tivesse acabado de assinar a sentença da filha mais nova. — Você vai amar a Sicília — disse Emma, forçando um sorriso. — É ensolarada. Linda. E… romântica? Sophie apenas assentiu, sem conseguir responder. — Sophie… — Liam murmurou ao seu lado, tocando seu braço com leveza. — Eu vou te visitar, tá? Sempre que puder. Ela tentou sorrir, mas sua expressão era quebrada. — Eu queria… — sua voz falhou. — Só queria ter tido mais tempo. Sebastian ergueu os olhos, rígido. — Você teve tempo demais. Agora é hora de cumprir seu papel. Ela baixou a cabeça. O jantar terminou rápido. Todos fingindo que era apenas mais uma noite. --- De volta ao quarto, Sophie chorou em silêncio. Sentada junto à janela, olhava as luzes distantes de Boston e se perguntava como era possível o mundo continuar igual quando o dela havia desmoronado. — Minha menina… — a voz de Evelyn soou atrás dela. Sophie não se virou, mas Evelyn se aproximou e sentou-se ao seu lado no chão, puxando-a com carinho para seu colo, como fazia quando ela era criança. — Eu estou com medo, Evelyn — sussurrou Sophie, a voz embargada. — Eu não sei ser mulher de máfia. Eu só sei fazer pão de mel e cuidar de flores. — E isso é mais do que muitos sabem fazer, minha flor. Você é luz, Sophie. Mesmo no escuro. — E se ele me odiar? E se me machucar? Evelyn acariciou seus cabelos escuros com ternura. — Então você será forte. Porque eu vi você nascer. E você veio ao mundo com um coração de ouro… mas com uma alma de ferro. Sophie chorou ali, nos braços da única pessoa que a entendia. No fundo, ela sabia que sua vida como conhecia havia terminado. E que a próxima vez que cruzasse aquela porta… Ela não seria mais uma menina. Ela seria a noiva do monstro.
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