O bom velhinho
New York - Ilha de Manhattan , início de dezembro
Júlia :
— O Natal é a época mais mágica do ano , a neve cai branquinha do céu cidade inteira se ilumina , fica repleta de papais noéis e as pessoas até voltam a acreditar na magia do Natal ! — declarei — E é isso que queremos , que elas acreditem que no Natal tudo é possível . No Natal as pessoas ficam loucas atrás de presentes para realizar os sonhos de outras pessoas que eles amam , e é o que fazemos com isso ? — os funcionários me encararam em silêncio sem ousar me responder — Transformamos em dinheiro . Esse é o significado do Natal para a rede de lojas Moore . Estamos iniciando o Natal , eles tem sonhos e vocês tem metas a bater . Sejam gentis , receptivos , cativantes e não se esqueçam dos seus gorros . Entenderam ?
— Sim , senhora ! — disseram em uníssono .
— Podem ir ! — os dispensei .
Mais uma vez o shopping foi decorado de cima a baixo para o Natal , as portas foram abertas e os os salões lotaram em poucos minutos .
Pais trazendo seus filhos , namorados trazendo suas namoradas ou escolhendo o presente perfeito para elas , todos com um mesmo propósito , deixar perfeito e mágico o Natal de alguém .
Bem ao centro do shopping estava uma árvore de Natal de cinco metros de altura , enfeitada com luzes brilhantes , bolas , pinhos e presentes .
Abaixo da árvore estava a grande cadeira vermelha onde o Papai Noel estava sentado , com suas botas pretas bem engraxadas e sua roupa vermelha , para receber as crianças e ouvir seus desejos para o Natal .
Olhei para todos aquele espaço enorme completamente lotado de pessoas comprando compulsivamente e cruzei os braços .
Aquele era o único propósito do Natal para mim , lucros .
Subi para a minha sala e me sentei em minha cadeira soltando um longo suspiro , seguido de um bocejo .
Talvez eu devesse tirar um breve cochilo , já que não havia dormido nada no dia anterior .
Me espreguicei na cadeira acolchoada e fechei os meus olhos .
Passei por um breve cochilo , mas fui acordada em seguida por leves batidas na porta .
— Sim ! — falei abrindo os olhos .
— Senhora Moore , posso entrar ! — era a minha secretária , Anne .
— Entre ! — falei .
A porta se abriu a a jovem de cabelos curtos e escuros passou por ela .
— Algum problema ? — questionei .
— Bem , é que teve um roubo no setor de bonecas ! — ela contou .
— Ele ou ela fugiu ? — questionei .
— Ele , e não , ele não fugiu ! — ela contou — Os seguranças conseguiram pegá-lo .
— Então , é só entregá-lo a polícia ! — falei .
— Mas senhora , ele só roubou uma boneca ! — ela disse — E disse que era para sua filha .
— Anne , eu tenho cara de obra de caridade ? — questionei — Se ele tem forças para roubar , por que não arranja um emprego ?
— A filha dele é deficiente ! — ela contou — Devido a um acidente , ela não pode mais andar , o pai não pode trabalhar porque precisa cuidar da filha , e ...
— E daí ? — a cortei esfregando as têmporas — Fui eu quem a atropelou ?
— Não , mas ...
— Entregue-o a polícia ! — ordenei .
— Ele pediu desculpas ! — ela contou .
— Se desculpas bastassem , então , para que a polícia ? — questionei .
— Certo ! — ela concordou — Vou ligar para a polícia .
Sem dizer mais nada , ela deixou a minha sala .
— Fala sério ! — resmunguei — Eu mereço .
Após um dia estressante de trabalho , me sentei em um banco no centro do shopping e fechei os olhos .
Mesmo que trabalhar fosse a minha única alegria e propósito na vida , ainda assim era cansativo .
— Teve um dia difícil ! — uma voz masculina já bem cansada ecôou do meu lado .
Abri meus olhos e me deparei com um papai Noel a minha frente esboçando um enorme sorriso .
Eu odiava ter que lidar com papais noéis , tudo o que era colorido e extremamente feliz me irritava , e era por isso que o encarregado de contratá-los era sempre o Luke , meu CFO .
— Olha só , eu até acho velhinhos simpáticos ! — comentei desanimada — Mas eu não estou interessada , ok ?
Ele sorriu e se sentou ao meu lado , estendendo uma garrafa de água mineral para mim .
— É sério ! — a empurrei de volta para ele — Não estou mesmo interessada em vovôs , principalmente os vestidos de papai Noel .
— Ah , você é uma daquelas que não gosta do Natal ? — ele questionou .
— Claro que eu gosto ! — afirmei — Natal é lucrativo , por que eu nào gostaria ?
— Pode até ser , mas e quanto a magia do Natal ? — ele perguntou — Você não acredita nela ?
— Talvez já tenha acreditado um dia ! — respondi — Há uns , sei lá , vinte anos atrás ?
— Não acredita mesmo em magia ? — ele questionou — Mesmo se eu dissesse que se você pedir com coração , sonhos podem se realizar ?
— Mesmo se isso fosse possível , o que não é . — falei — Não há nada que eu queira , eu já tenho tudo .
— Tudo mesmo ? — ele arqueou as sobrancelhas brancas e sorriu — Tenho certeza que você tem um pedido bem guardado para o Natal , só esperando para ser realizado . Em uma caixa de madeira , talvez ?
— Olha só , papai Noel , eu já tenho tudo o que eu quero , dinheiro , uma boa casa , conforto e uma cama enorme . — contei — O que mais eu poderia querer ?
— Você tem todos os luxos que o dinheiro pode proporcionar , mas tem o mais importante ? — ele questionou — Você é feliz ?
— Como ? — perguntei confusa .
Ele se levantou e colocou a garrafa de água em minha mão sorrindo começou a caminhar em direção a saída do shopping , então parou e olhou para mim .
— Tenha uma boa noite ! — ele disse — E não deixe de aproveitar os presentes que a vida pode lhe oferecer , amanhã pode ser tarde demais .
Sorrindo , ele voltou a andar até que deixasse aquele espaço .
— Quem contratou esse papai Noel maluco ? — resmunguei me levantando .
Caminhei até o lixeiro para jogar aquela água fora , mas , ao erguer a garrafa , não tive coragem para atirá-la no lixo , então , me limitei a deixar o shopping .
Peguei o carro na garagem e retornei para a minha casa em Hudson Yards .
Tão logo entrei em casa , me joguei sobre o sofá .
Ouvi os passos tão conhecidos da senhora Smith se aproximando da sala .
— Senhorita Moore , posso ter sua atenção alguns instantes ! — ela perguntou .
— O que aconteceu , Davina ? — perguntei desanimada .
— Eu fui limpar o porão hoje e encontrei essa caixa de madeira ! — ela disse parando a minha frente — Era a caixa que o senhor Moore fez a mão para a senhorita , não é ?
Olhei para a caixa e me lembrei de como eu fiquei feliz ao recebê-la de presente do meu pai .
De como fiquei eufórica ao ver os pequenos papais noéis e arvorezinhas de natal entalhadas na madeira .
— O que eu devo fazer com ela ? — ela questionou .
— Só livre-se dela ! — pedi .
Davina olhou para mim por alguns segundos , incrédula sobre o que eu havia falado .
Eu levei aquela caixa para o porão justamente para não me lembrar do meu pai toda vez que olhasse para ela . Mas , por que ela me olhou como se eu tivesse cometido um crime pior do que um homicídio ?
— Tudo bem , senhorita ! — ela concordou se virando para sair .
Talvez eu não devesse me livrar de um presente tão bonito assim e feito com amor pelo meu pai , especialmente para mim .
— Davina ! — a chamei de volta .
Ela estacou no lugar e me olhou confusa .
Me levantei do sofá e caminhei até ela .
— Deixa que eu fico com ela ! — peguei a caixa de sua mão — Pode ir descansar agora .
Ainda me olhando confusa , Davina se virou e saiu .
Levei a caixa para oeu quarto e a abriu .
Dentro haviam brinquedos pequenos , desenhos e uma carta .
Segurei o envelope nas mãos e o abri .
" Querido Papai Noel , para esse ano não quero pedir nada . Mas no futuro peço que me mande um príncipe bom e gentil , que seja bem bonito e educado , para me proteger quando o papai não estiver mais aqui .
Ele tem que ser bom como o papai , bonito como o papai , legal como o papai e que me ame tanto quanto o papai . "
Fechei a carta e a devolvi a caixinha de madeira .
Aquilo tudo era bobagem , não existia essa tal magia de Natal .
Na manhã seguinte , me levantei cedo e tomei banho , me troquei , tomei o café da manhã e peguei o carro na garagem .
Girei a chave na ignição e deixei a minha casa , rumo ao shopping .
Estava há pouquíssimos metros de distância do Shopping , quando uma pessoa atravessou na frente do carro do nada , freei o carro o mais rápido possível , mas ainda assim acabei atropelando a pessoa .
Deixei o carro o mais rápido possível e corri em direção a pessoa .
— Você está bem ? — perguntei preocupada .
Era um homem , de cerca de trinta anos , vestindo um suéter vermelho .
Ele ergueu a cabeça , olhou para mim e sorriu .
— É você ! — foram as duas últimas palavras dele antes de desmaiar em meus braços .
— Aí meu Deus do céu ! — falei desesperada — Eu matei um homem .