O Dono do Jogo

1398 Words
A festa estava em pleno andamento, um organismo pulsante de luxo e influência. As melodias elegantes de uma orquestra de câmara deslizavam pelas imensas paredes da mansão como fios de seda sonora, envolvendo os convidados em uma atmosfera de requinte calculado, de sofisticação que não pedia atenção — a exigia. O som dos violinos, agudos e líricos, entrelaçam-se ao tilintar cristalino das taças de champanhe — cada colisão de cristal é um estalo perfeito, como notas complementares na partitura invisível da noite. Os murmúrios animados das vozes influentes formavam um zumbido de poder disfarçado de conversa fiada, um pano de fundo harmônico, quase hipnótico em sua cadência de segredos e sorrisos estratégicos. A decoração era um espetáculo à parte, uma declaração silenciosa de opulência. Lustres de cristal — monumentais, altos como carvalhos antigos — pendiam do teto abobadado como constelações capturadas, cada pingente uma estrela de luz dourada. Seus reflexos dançavam sobre as superfícies polidas, criando padrões caleidoscópicos que se desenhavam e apagavam com o movimento da multidão. Tapeçarias finas, tecidas com fios de ouro e histórias esquecidas, cobriam as paredes, suas texturas — seda, veludo, brocado — contando narrativas mudas de artesãos anônimos e mecenas ambiciosos. Vasos de porcelana — peças únicas, assinadas por mestres — exibiam arranjos florais que pareciam saídos de um quadro impressionista: jasmins brancos como pérolas, lírios orientais com suas pétalas manchadas de púrpura, tudo perfumando o ar com um aroma que era ao mesmo tempo doce e intoxicante, como um elixir de sedução. O mármore n***o e branco do chão — liso como um lago congelado, cortado por veias douradas — refletia as luzes cintilantes e as silhuetas distorcidas dos convidados, como sombras de um ballet luxuoso. Entre eles, os garçons deslizavam, fantasmas em fraque preto, suas bandejas de prata brilhando como pequenas luas em órbita. Eram eficientes, quase invisíveis, mas essenciais — o sangue silencioso que mantinha o coração da festa batendo. Mas, no meio de toda aquela opulência, uma figura se destacava com um magnetismo inegável. Saymon Ferraz. Ele atravessava o salão como quem pertence ao centro do universo. Cada movimento seu era calculado, uma coreografia de poder e autoconfiança que fazia com que o ambiente ao seu redor parecesse girar em seu eixo. Alto, imponente, dono de uma elegância fria e milimetricamente calculada, sua presença não era apenas notada — era inevitável, como um eclipse que ofusca tudo ao redor. Os cabelos negros, penteados para trás com perfeição quase militar, revelavam um rosto de traços firmes, bem esculpidos, como se tivessem sido talhados a frio por mãos de um artista obsessivo. Mas eram os olhos que realmente chamavam atenção — de um azul cortante, hipnotizante, como gelo sob pressão. Eles não apenas olhavam: decifravam, dissecavam cada detalhe, julgavam com a frieza de um tribunal invisível, escolhiam quem merecia sua atenção e quem seria relegado ao esquecimento. Vestia um terno feito sob medida, a lã escura tão perfeita que parecia uma segunda pele, o corte impecável delineando o porte atlético conquistado por disciplina, não vaidade. Cada costura, cada dobra do tecido obedecia a uma lógica de poder e controle. Os sapatos de couro italiano brilhavam sob as luzes como espelhos polidos, refletindo não apenas a iluminação do salão, mas a própria meticulosidade de seu dono. Seu andar era silencioso, mas certeiro — nenhum passo em falso, nenhum movimento desperdiçado. Cada pisada era um movimento estratégico, como se o chão fosse um tabuleiro de xadrez e ele, o único jogador que conhecia todas as regras, todos os lances possíveis, antes mesmo de serem feitos. Ao seu lado, Chiara Legrand, uma presença que poderia facilmente ser confundida com a materialização de um sonho cinematográfico. Loira, com cabelos soltos que caíam como uma cascata sedosa sobre os ombros, cada fio parecia capturar a luz e devolvê-la em tons de mel e ouro. Seus olhos verdes — grandes, expressivos — pareciam buscar o reflexo de cada lâmpada, cada brilho no ambiente, como se estivessem em constante diálogo com a própria luminosidade. Seu vestido dourado, num tom que quase desafiava a sutileza, mas nunca a perdia, moldava suas curvas com uma precisão que beirava a arte. Ela caminhava com a segurança de quem não apenas conhece o efeito que causa, mas o domina, como uma maestrina que sabe exatamente qual nota tocar para deixar a plateia sem fôlego. Apesar da beleza evidente, era Saymon quem atraía os olhares mais longos, mais atentos. Havia algo nele que transcendia o físico. Um domínio silencioso, uma presença que impunha respeito — até medo. Saymon caminhava entre os convidados com a naturalidade de um rei entre súditos. Apertava as mãos, trocava cumprimentos, mas seus olhos estavam sempre à frente, varrendo o ambiente com precisão cirúrgica. Como se procurasse algo — ou alguém. A festa, ainda que exuberante, era apenas fachada. Um pretexto. Uma jogada no tabuleiro. — Saymon, querido — disse a loira ao seu lado, com um sorriso provocante —, por que está tão sério? Esta noite é para celebrar. Ele a olhou de relance. O canto da boca se curvou em um sorriso quase imperceptível. — Celebrar é para os satisfeitos. E eu nunca estou satisfeito. Ela riu baixo, como se já conhecesse a resposta. Tocou-lhe o braço com delicadeza. — Talvez uma dança alivie sua tensão. Só por alguns minutos? Saymon a observou por um segundo. Mas, antes que pudesse responder, seu olhar cruzou o salão e fixou-se em algo — ou alguém. Um grupo de empresários o aguardava próximo à área de charutos, cada um vestido como se tivesse algo a provar. Saymon reconheceu todos. Homens ambiciosos, interessados em alianças com sua corporação. Homens que sorriam com os lábios, mas escondiam facas por trás das costas. Ele se voltou para a loira com um leve toque nos dedos dela. — Mais tarde. Ela assentiu. Já havia aprendido que Saymon era um homem de prioridades inabaláveis. Ele atravessou o salão com passos felinos. O murmúrio cessava levemente em sua passagem, como se sua presença alterasse a frequência do ambiente. Os empresários se levantaram assim que ele se aproximou, sorrisos prontos, copos erguidos. — Saymon! Que honra tê-lo conosco — disse um deles, cabelos grisalhos e olhos astutos. — O prazer é todo meu — respondeu ele, a voz firme, serena, controlada. A conversa girava em torno de investimentos, fusões e oportunidades. Mas Saymon ouvia além das palavras. Observava gestos sutis, hesitações, olhares desviados. Sabia que cada um ali tinha uma proposta mascarada, uma ambição velada. Ele era um mestre em ler pessoas — e isso o tornava perigoso. Mas então, algo fugiu ao seu controle. Um detalhe mínimo, mas suficiente para arrancá-lo do roteiro cuidadosamente ensaiado. Um olhar. Não era o de um empresário. Era de alguém entre os funcionários. Uma garota de olhos castanhos intensos, curiosos demais para aquele ambiente. Vestia o uniforme do serviço, mas havia algo em sua postura que destoava. Ela não parecia servil. Parecia… atenta. Claire. Saymon ainda não sabia seu nome. Mas seus olhos a seguiram por um instante. Ela se movia com graça involuntária, equilibrando a bandeja de prata polida com elegância. Quando passou por ele, seus olhares se cruzaram. E, naquele breve momento, Saymon sentiu algo raro: interesse genuíno. Desviou o olhar quase imediatamente, retomando a conversa com os empresários. Mas sua mente, sempre analítica, registrou o detalhe. A postura, o olhar, o desconforto cuidadosamente escondido atrás do profissionalismo. Ela não pertencia àquele mundo. E talvez fosse justamente por isso que ele a notara. Mais tarde, após dispensar os empresários com uma promessa vaga de “entrar em contato”, Saymon afastou-se até uma varanda lateral. Dali, podia ver os jardins iluminados, perfeitamente simétricos — uma réplica fiel dos jardins franceses de Versailles. O ar noturno era fresco, e o som da festa parecia distante, como se pertencesse a outro mundo. Ele puxou o celular do bolso e digitou uma mensagem curta. “Descubra quem ela é. A garçonete morena. Quero nome, histórico, tudo. Discretamente.” Enviou a mensagem e guardou o aparelho, voltando o olhar para o céu escuro, onde poucas estrelas se atreviam a brilhar. Sua expressão permaneceu impassível, mas seus pensamentos fervilhavam. Não era comum que algo — ou alguém — escapasse de sua percepção. E Claire, com seu jeito discreto e olhar penetrante, havia conseguido. A noite estava longe de acabar. E Saymon acabara de encontrar sua próxima peça no jogo.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD