Marília Narrando
Tempos Depois....
No começo, desconfiei. Luís não era um homem qualquer no Rio de Janeiro. As pessoas o respeitavam. Mas havia algo nele que despertava curiosidade e, de certa forma, conforto.
Ele começou a cruzar meu caminho com frequência, sempre atento, sempre disposto a ajudar. Um dia, enquanto eu tentava consertar uma bicicleta da Ludmila quebrada, ele apareceu novamente.
Luiz — está com semblante tão cansado. Não gosto de ver assim Cadê aquele sorriso que você colocava no rosto? Mesmo com as dificuldades? – sorriu sem graça e ele arqueiou uma sobrancelha.
— Eu só quero cuidar da minha filha, Luís. Não sei mais o que fazer.
Ele ficou em silêncio por um momento, me olhando de um jeito que parecia enxergar além das palavras.
Luiz — Eu te entendo. Aqui no morro, a gente aprende a se virar junto. Se precisar de alguma coisa, é só falar. – um sorriso tímido eu só concordei acenando com a cabeça.
Agora foi a primeira vez que senti um pouco de alívio desde que havia chegado aqui. Luís não é só um homem carismático; ele foi a primeira pessoa que parecia realmente se importar comigo.
Já não eram mais apenas esbarrões, beijos na bochecha ou ajuda com as sacolas. Agora era uma mão praticamente presa na outra e aqueles beijos de tirar o fôlego.
Quando me dei conta, já estava na cama dele, sentindo-me a mulher mais amada da face da terra.
Tudo parecia um sonho: ele era o pai que eu sempre sonhei para Ludmila e o companheiro perfeito para mim.
Luís parecia ser um homem bom, daqueles que surgem na vida de uma mulher quando ela já perdeu a esperança. Foi ele quem me ajudou a conseguir meu primeiro emprego fixo, algo que eu nunca imaginaria que fosse possível. A cada gesto, ele me mostrava que havia mais em sua natureza do que eu poderia ter visto a princípio. Luís era, funcionário de um prédio ao lado do condomínio onde fui trabalhar como cuidadora.
Eu me apaixonei por ele de forma cegamente, sem resistir. Ele já havia me mostrado ser o tipo de homem perfeito para mim, com seu jeito atencioso e preocupado, e a forma como, sempre que me encontrava pela comunidade, fazia questão de me ajudar. Às vezes parecia que o simples fato de ele estar por perto fazia o mundo parecer mais suportável. Ele era uma constante nos meus dias, uma presença que me dava conforto e confiança.
Mas, mesmo com todo esse apoio, havia algo que me fazia questionar: ele era o homem perfeito, ou ele apenas estava me fazendo acreditar que tudo o que eu precisava estava finalmente ao meu alcance? Eu não sabia se estava me entregando por necessidade ou se realmente ele era a resposta para os meus sonhos e angústias.
Parecia um relacionamento dos sonhos. Quando eu conheci Luiz, minha vida era uma correria sem fim. Eu saía para trabalhar de madrugada e voltava tarde da noite. Ludmila, com apenas 10 anos na época, era uma criança cheia de energia, curiosa com o mundo, mas que já tinha aprendido cedo sobre a realidade e das dificuldades da vida.
Eu não tinha ninguém para deixá-la. A família estava longe, e os vizinhos, mesmo simpáticos, tinham suas próprias lutas. Foi aí que Luiz entrou nas nossas vidas. Ele apareceu como um sopro de alívio, alguém que parecia entender meu cansaço e as responsabilidades que eu carregava sozinha. Então revisar vamos entre nossos horários.
No começo, ele era só o namorado da mãe dela. Um homem gentil que trazia chocolates pra ela e flores pra mim. Mas com o tempo, ele se tornou mais do que isso. Ludmila o acolheu de um jeito que eu nunca esperei. Chamava-o de “tio” no início, mas logo esse título mudou. Quando ela começou a chamá-lo de “pai”, meu coração se encheu de gratidão.
— Luiz, você não sabe o quanto me ajuda ficando com ela enquanto eu trabalho, — eu dizia, enquanto ele apenas sorria. — Ela te adora, sabia?
Luiz — E eu adoro ela, — ele respondia, e parecia sincero.
Eu economizava um dinheiro que não tinha para colocar comida na mesa e sonhar com um futuro melhor para nós três. Não precisava pagar creche, não precisava pedir favores. Luiz era minha fortaleza.
Anos se passaram assim. Ele assumiu responsabilidades que não eram dele, e eu acreditava que tínhamos construído uma família sólida. Para Ludmila, ele era o pai que ela nunca teve. Para mim, era o homem que transformava meus dias mais difíceis em noites um pouco mais leves.
As cobranças começaram de forma sutil, quase como um murmúrio que eu tentei ignorar. Talvez fosse o cansaço, o peso de uma rotina que parecia nunca me dar trégua. Ou talvez fosse o fato de que Luiz, com o tempo, deixou a maior parte das responsabilidades nas minhas costas.
O que antes parecia ser um equilíbrio perfeito entre nós começou a desmoronar. Eu saía cedo para trabalhar, voltava tarde, e enquanto ele ainda ajudava aqui e ali, era evidente que a chama que nos uniu já não era a mesma.
Ele dizia que eu estava distante.
Luiz — Você não me olha mais como antes, Marília, — ele comentou uma noite, enquanto lavava os pratos.
Eu quis responder, mas simplesmente suspirei, sem forças para um confronto. Talvez ele estivesse certo. Talvez eu estivesse distante. Mas será que era só isso?
Por outro lado, eu também o via diferente. Não era apenas o peso das responsabilidades ou o cansaço diário. Ele parecia ausente, mesmo estando presente. Algo mudou entre nós, e, no fundo, eu sabia: já não éramos um casal como antes.
O que me incomodava mais era que, mesmo percebendo essas mudanças, eu tentei justificar tudo.
— É normal, não é? Todo casamento passa por fases difíceis. – falei tentando achar uma resposta para tudo aquilo.
Mas o incômodo não passava. Pequenos gestos que antes me confortavam começaram a me irritar. Quando ele ficava com Ludmila para eu poder trabalhar, eu sentia gratidão, mas também algo que eu não conseguia explicar. Era como se ele estivesse ali, presente demais, enquanto eu me afastava cada vez mais.
E então vieram as discussões.
— Você só se preocupa com trabalho! Nem parece que a gente é uma família de verdade, — ele disse uma noite, irritado.
Eu não consegui segurar a resposta.
— E você? O que faz além de apontar o dedo pra mim? Sou eu que carrego tudo nas costas enquanto você joga a culpa no meu cansaço! – Falo já me sentindo cansada
Aquelas palavras cortaram fundo, mas a verdade é que eu também sabia: algo estava errado. Eu me sentia sufocada pela cobrança dele, pela necessidade de manter tudo funcionando. E ele? Ele parecia estar sempre esperando que eu resolvesse tudo, como se eu fosse a única responsável por manter nossa relação de pé.
A distância entre nós crescia, mesmo quando estávamos sob o mesmo teto. Eu queria acreditar que podíamos recuperar o que tínhamos, mas as rachaduras já estavam ali, e cada dia parecia alargar um pouco mais o abismo que nos separava.
E no fundo, eu temia algo que não ousava colocar em palavras: talvez o Luiz que eu conheci nunca tivesse sido real.
Mas agora, olhando para trás, cada memória boa parecia carregar uma sombra que eu nunca tinha percebido. Era possível que todo aquele cuidado, toda aquela proximidade, tivesse sido algo mais?
Eu não queria pensar nisso. Não queria manchar as lembranças que me mantinham de pé durante tantos anos. Mas, ao mesmo tempo, era impossível ignorar as coisas que Ludmila havia jogado na minha cara.
— Isso vem acontecendo há meses... – sei onde tudo começou a mudar, mas o que parecia um conto de fada, se tornou um pesadelo.
Luiz — Marília você sabe que esse relacionamento já era. Você não é mais quem você era no início. – as cobranças começaram, nós brigávamos mais do que o normal.
Essas palavras ecoavam na minha mente como um pesadelo. Será que eu era cega? Será que eu ignorei sinais óbvios por conveniência?
Enquanto caminhava pela sala, sentindo o peso de cada passo, olhei para uma foto antiga nossa. Nós três, sorrindo, abraçados como uma família feliz. Era uma mentira? Ou era uma verdade que se perdeu em algum momento?
Cansada pelo dia exaustivo, pelas acusações e pelos dedos apontados por ele, simplesmente entrei no meu quarto, fechei a porta e fui direto para o banheiro. Tomei banho, escovei os dentes e só pensava em cair na cama, porque amanhã seria outro dia.
"Eu não tinha para onde ir. Mesmo trabalhando, agora não era só e Ludmila que estava ali, eu carregando a barriga de quase 6 meses. Mesmo que quisesse sair ele não iria deixar por causa da filha dele , que eu carregava em meu ventre. O jeito era ficar e aguentar tudo."