Eu cago para a lei da atração

1699 Words
Não são nem dez da manhã e já estou descalço, a meia-calça rasgada, um par de unhas de acrílico quebradas e um pequeno corte no lábio. — Eu cago para a lei da atração. Pode ser que ele fale uma língua diferente da minha, porque eu me lembro que em nenhum momento pensei que a melhor coisa para começar o dia era dar uma surra no ex-namorado abusivo da minha colega de trabalho. O idi*ota ainda está caído no chão, segurando a virilha com uma das mãos e o nariz sangrento com a outra, enquanto uiva por ajuda. Pelo menos ele vai pensar duas vezes se tentar fugir de novo sem esperar a chegada da polícia. Respiro aliviada assim que ouço as sirenes das viaturas passando pelo Paseo de la Castellana. Com a ajuda dos turistas, que vieram passear pelo estádio do Real Madrid, e desses outros curiosos, que se amontoaram à nossa volta, conseguimos impedir que a escória humana, ganindo no chão, pudesse escapar. Nos meus braços, conforto Claudia que está tremendo como gelatina. Cheguei bem a tempo de impedir aquele safado de encostar o dedo nela. A última surra que ele deu nela e os cinco dentes que tiveram que ser implantados ainda são muito recentes. Os policiais abrem caminho entre o grupo de fofoqueiros que não têm nada melhor para fazer e, assim que ouço as vozes de quem lidera o grupo, começo a tremer como Claudia. Luis... Essa voz rouca que faz o chão tremer é a do Luís. Isso só pode significar uma coisa, que o aviso de emergência não foi tratado pela Esquadra de Chamartín como era de esperar, mas sim pelo Quartel da Polícia de Madrid onde trabalha o Luís e, infelizmente, agora também o seu adjunto Pablo. Em outras circunstâncias, se o meu amigo tivesse vindo a este pedido de ajuda, teria sido uma piada, mas se ele vier, corro o risco de que o filho da pu*ta venha também. Eu examino os quatro policiais que estão se aproximando de mim como os cavaleiros do apocalipse. Depois de uma rápida revisão, dou um suspiro de alívio ao ver que Pablo não está se escondendo sob aqueles uniformes indecorosos, aqueles bonés e aqueles óculos escuros. E recuperando o ritmo das batidas do coração, enquanto levam a minha companheira para ser examinada por um médico, recupero a minha essência e começo a cantarolar mentalmente. Força, Maria, força, Maria. Dos quatro policiais que estão com ele, só provei dois. Parece que tem mercadoria nova e o Luis não me avisou. Embora seja difícil para ele me apresentar aos novos membros da unidade se eu o estiver evitando desde que saí da sua festa de aniversário às pressas. Depois do pequeno show que Pablo e eu fizemos, evitei tanto ele quanto a sua esposa. Finalmente tinham dado de cara com o homem a quem tinha dedicado tantas horas de terapia no consultório da Sara e não queria que ela nem o Luis me psicanalisassem sempre que me viam. Mais uma vez, evitei enfrentar os meus problemas. — Eu nem vou perguntar se você é responsável por esse sujeito está se contorcendo no chão. Pela forma como o Luís fala comigo e pelas censuras que vejo nos seus olhos neg*ros como uma noite sem lua, não foi uma vantagem para mim ele estar aqui. — Puf, eu teria preferido aturar o lodo do Fernando, seu outro segundo, do que os sermões do meu amigo.Vamos, Luisito, com o quão bom eu sou e o quão r**m você pensa de mim. Eu respondo piscando para ele. — Inspetor Chefe Linares, Maria, aqui e agora, eu sou o Inspetor Chefe Linares, não se esqueça. — Meu Deus, neste ritmo teria sido melhor se o Pablo tivesse vindo. Calma, Excelência! Respondo com altivez. — Se me permite, inspetor-chefe Linares, gostaria de ir para meu posto de trabalho. E com os sapatos de salto alto nas mãos, aponto a porta que dá acesso à agência de viagens onde trabalho. É então que Luis faz uma boa avaliação da minha aparência desastrosa e uma expressão de preocupação aparece no seu rosto. Olhando nos meus olhos, o policial que foi condecorado em várias ocasiões por seu trabalho em defesa de mulheres agredidas, além do homem que me ofereceu a mão para me ajudar no pior momento da minha vida. — Estou bem. Eu garanto a ele, antes que ele se aproxime de mim e jogue a sua imagem de policial rude e m*al-humorado no chão. Eu também digo isso porque não tenho os meus sentimentos sob controlo ultimamente e não quero que o meu lábio trema mais do que já está. Posso até pensar que estou prestes a fazer beicinho. — Você deveria deixar os médicos verem esse corte. Me virei para olhar a ambulância que Luis me aponta, e nela vejo Claudia. A pobrezinha continua com um colapso nervoso. É difícil desolar o choque do corpo quando você está tão perto do homem que te usou como saco de pancadas em mais de uma ocasião. — Ela precisa deles mais do que eu. Eu garanto a Luis. — Além disso, não tenho nada que uma meia-calça nova e uma boa manicure não resolvam. E a coisa do lábio não é nada, só um pequeno corte. Digo a ele antes que ele insista. — Tudo que eu quero fazer é sentar na frente do computador e deixar as horas passarem. — Tudo bem, mas eu tenho que anotar o seu depoimento, Maria. Me dê o seu documento de identidade. Ele me pede sério, enquanto pega o seu caderno de notas. — Ta brincando né? Não brinque comigo, Luiz. E virando os olhos devido ao seu olhar ameaçador, eu mudo a minha frase. — Não pode ser verdade, que infortúnio, inspetor-chefe Linares, está dizendo isso. Apontei com sarcasmo. — Você escolhe, eu pego o seu depoimento aqui ou vamos até o quartel. Não tem como eu pisar naquele lugar. Então eu decidi encontrar Voldemort, antes de tentar o destino e ver Pablo novamente, eu concordo e dou a ele o meu documento. Luis sorri, balançando a cabeça enquanto anota o meu número de identidade, sabendo de quem estou fugindo. — Garota esperta. Ele brinca pela primeira vez. — Diga-me o que aconteceu. — Ok... Eu concordo respirando fundo. — Quando cheguei na porta da agência vi aquele cara tremendo e gritando com a Claudia. Aponto o dedo para o porco que ainda está caído no chão enquanto algumas enfermeiras o atendem. — O resto passou muito rápido... Tentei fazer com que ele me soltasse, mas ele me impediu, agarrou pelos braços e tive que usar um dos truques de autodefesa que você me ensinou. Dei uma cabeçada nele e acho que quebrei o nariz dele. Eu asseguro com um sorriso orgulhoso no rosto. — Esse assunto não é brincadeira, Maria. Ele pode processá-la por agressão. Luis me avisa para minha surpresa. — Espera... espera... Eu o interrompi, surpresa e irritada. — Você está me dizendo que sou eu quem tem que fazer o seu trabalho porque essa porcaria de tornozeleira que ele está usando funciona pra caramba. Eu digo apontando para o mecanismo que deveria notificar a polícia se uma ordem de restrição for violada. — E isso? E a acusada ainda sou eu? Os olhos negros de Luis escurecem ainda mais quando ele se vira para olhar a tornozeleira saindo da calça jeans do ex-namorado da minha colega de trabalho. — A segunda vez em menos de um mês. Luis sussurra mais para ele do que para mim, enquanto balança a cabeça. — É por isso que você está aqui, não é? Claudia é uma das suas protegidas. — Maria, nem mais uma palavra. Luis me repreende. — Já estou indo, vou falar com o atacante. Não saia daqui. Ele me avisa, apontando-me com a caneta com que anotava tudo o que eu dizia. Agora faz sentido para mim porque eles vieram e não a polícia da delegacia mais próxima. Luis é o inspetor-chefe da Unidade de Atendimento à Família e Mulher (UFAM) da Central de Polícia de Madri, responsável pelo controle das subunidades espalhadas pelo restante da comunidade e que atendem mulheres vítimas de abusos e maus-tratos. Eles são a sede, de onde, entre outras coisas, se encarregam da proteção e vigilância dos casos mais graves e, segundo Luis, Claudia é um daqueles arquivos de alto risco com os quais trabalham. — Maria, ele quer fazer uma denúncia contra você. Luis volta para me dar essa notícia que é no mínimo risível, para não dizer absurda. O mundo de cabeça para baixo. — Não se preocupe, não vai prosperar. Ele me garante diante da minha cara de pânico. — Não quero ter problemas legais. — Com uma reclamação envolvida, você teria que fazer uma declaração formal na sede... — Por favor, Luis, não faça isso comigo... — Deixe-me terminar, impaciente. Ele protesta contra meu comportamento infantil. — Eu puxarei as minhas cordas para que não seja necessário. Esta reclamação nem vai ser admitida para processamento. — Você me promete? Eu pergunto, sabendo que ele nunca volta atrás na sua palavra. — Espere um minuto ...Ele me diz enquanto se afasta para atender uma chamada que esquenta em questão de segundos. Eu o ouço xingar e rosnar insultos, e quando ele olha para cima, procurando os meus olhos, eu sei quem é a outra pessoa sem que ele me diga. Os sons ensurdecedores da sirene de um novo carro da polícia erguem-se acima do murmúrio dos curiosos que continuam a rodear-nos com expectativa. Fecho os olhos assim que vejo como se abre um corredor entre as multidão deixando passar o homem que esmaga o chão com as suas botas de bico de aço. Sem abrir os olhos, sei quem é. O ar começa a vibrar entre nós com aquelas ondas que despertam terminações nervosas que eu pensava estarem mortas. — Por favor, por favor, por favor. Eu sussurro num loop na minha mente para que ela projete qualquer outro homem que não seja ele. Mas a lei da atração é infalível e não pode me afastar... De quem não consigo parar de pensar.
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