A música já não era mais o que importava. Nem as luzes, nem a galera suando ao nosso redor. Era só ele. O jeito que me olhava como se enxergasse por dentro. O calor da mão dele na minha cintura. A batida do meu coração fora de compasso.
A dança foi virando algo menos sobre passos e mais sobre espaço. Ou a falta dele.
— Tá ficando quente aqui — ele murmurou, perto do meu ouvido.
— E o problema é meu?
— Pode ser. — Ele sorriu de canto. — Ou pode ser nosso.
Antes que eu respondesse, ele puxou minha mão de novo. Saiu me guiando por entre as pessoas com a naturalidade de quem já nasceu no meio do caos. Atravessamos um corredor lateral, meio escuro, onde a música era só um eco distante. Subimos uma escada apertada, com paredes de tijolo à mostra. Tinha um portão enferrujado, dois moleques sentados fumando, e mais um beco.
Lá em cima, silêncio. Só a cidade respirando lá embaixo.
Ele encostou na parede, acendeu outro cigarro, e me olhou como se já soubesse que eu não ia embora.
— Vai fugir agora? — ele perguntou, soltando a fumaça devagar.
— Eu deveria.
— Então foge.
Mas eu fiquei e ele se aproximou. Devagar. Como se cada passo fosse uma pergunta muda. Quando ele chegou perto o suficiente, encostou o cigarro num tijolo e largou ali, ainda aceso. As mãos tocaram minha cintura com firmeza, mas sem pressa. O rosto quase colado no meu, mas sem encostar.
— Se não quiser, fala agora — ele disse, voz baixa, densa.
Mas eu não disse nada.
Eu beijei ele ou ele me beijou. Não sei. Só sei que, quando aconteceu, foi como abrir uma caixa que devia ter ficado trancada. Beijo quente, urgente, cheio de raiva disfarçada de t***o. Me prensei contra a parede e senti o corpo dele inteiro colado no meu. As mãos firmes, mas respeitosas. A boca dele sabia o que fazia.
Me perdi por um segundo.
Dois.
Quando percebi, minha mão já tava na nuca dele, e a dele subindo pela lateral da minha coxa.
— Cê quer ir pra minha casa? — ele perguntou, entre um beijo e outro. A voz era um sussurro rouco no meu ouvido.
Meu corpo queria. Minha boca também. Mas minha cabeça… minha cabeça gritava.
Você tá ficando louca.
Você nem sabe o nome completo dele.
Ele tem uma arma.
Ele manda em um morro.
E mesmo assim…
— Quero — eu disse baixinho e sem força.
Quase arrependida antes mesmo de terminar de falar. Ele sorriu. Aquele sorriso perigoso, meio satisfeito, meio predador.
— Então vamo.
E foi assim que eu virei estatística e o começo do fim começou.
A moto ronronava como um felino prestes a atacar, e eu tava ali, sentada atrás dele, com as mãos apertando sua cintura como se minha vida dependesse disso. Talvez dependesse.
A rua passava rápido, cheia de curvas estreitas, vielas, subidas inclinadas. O morro parecia um labirinto vivo, com luzes piscando, latidos ao longe, vozes misturadas com o som do motor. A favela não dormia. Ela vigiava.
O vento batia no meu rosto, bagunçava meu cabelo loiro, esfriava o suor que ainda colava na minha pele. Mas o calor dentro de mim era outro. Era dele.
JL pilotava com a mesma calma com que andava como se o mundo inteiro estivesse sob os pés dele. Nem capacete ele usava. Só o cigarro preso nos lábios e aquela postura relaxada de quem já nasceu rei.
A gente parou numa casa afastada, de onde dava pra ver metade da cidade acesa. Ele desligou a moto, desceu primeiro, depois estendeu a mão pra mim. Eu desci trêmula, não de medo, e sim de expectativa.
A casa dele era simples por fora, mas firme, reforçada. Dentro, tudo limpo, organizado. Tinha um sofá de couro, uma TV enorme, piso frio no pé e cheiro de cigarro, maconha e desinfetante no ar. E ali, naquela sala abafada, ele me encarou como se eu fosse dele antes mesmo de entrar.
— Cê ainda pode voltar atrás — ele disse, a voz baixa, como se não quisesse assustar o momento.
— Cala a boca — eu respondi, e puxei ele pelo colar de ouro.
O beijo veio quente. Cru. Sem educação. Boca contra boca, língua contra língua, respiração entrecortada. As mãos dele exploravam meu corpo como se estivessem mapeando um território novo. Apertavam minha cintura, subiam pelas costas, agarravam minha nuca. E eu respondi. Devolvi tudo. Mordi o lábio dele. Segurei o cinto. Rasguei o silêncio.
Ele me prensou contra a parede da sala, e ali mesmo, entre a TV desligada e o ventilador girando devagar, arrancou minha blusa com uma pressa cuidadosa, como quem não quer desperdiçar tempo nem toque.
Minha respiração era barulho alto. A dele também. O sutiã caiu. A camiseta dele foi jogada por cima da cadeira.
Nossos corpos se colaram, pele contra pele, quentes, grudados. A mão dele escorregou pela minha coxa, subindo com firmeza. Eu agarrei o pescoço dele, puxei pra mais perto. Nossos quadris já falavam sozinhos.
— Vem — ele sussurrou, no meu ouvido.
Fomos tropeçando pelo corredor, batendo nas paredes, rindo entre beijos. Minhas pernas quase falhavam a cada toque dele, a cada mordida no pescoço. Ele desceu meu vestido com uma destreza irritante. Metade das roupas ficou pelo chão, calcinha, tênis, cinto, cueca, blusa.
O quarto era escuro, com uma luz fraca vinda de uma lâmpada pendurada torta. A cama era grande, desarrumada, e naquele momento, parecia um santuário profano.
Ele me deitou ali com cuidado, mas os olhos dele diziam outra coisa.
— Tu é doida de vir aqui — ele disse, os olhos fixos nos meus.
— E tu é pior de me deixar entrar — respondi, arfando. E a gente se pegou. De verdade.
Não foi bonito. Foi bruto, intenso, desgovernado. Mãos em tudo, língua em todo canto, suor escorrendo, gemido preso na garganta, pele arranhada, cabelo puxado. Era raiva e desejo e dúvida e t***o, tudo ao mesmo tempo.
Ele sabia o que fazia. O jeito certo de pegar, de pressionar, de provocar. E eu já não pensava mais. Só sentia.
Gritei. Mordi. Arqueei as costas. Ele me segurou como se eu fosse quebrar. Como se soubesse que eu ia cair depois daquilo.
Quando acabou, eu fiquei ali, ofegando, nua, com o corpo tremendo, suada, exausta, e a cabeça cheia de coisa que eu não queria pensar.
Ele me olhou. Passou a mão na minha coxa devagar.
— Dorme aqui.
— Eu nem devia estar viva.
— Mas tá.
E me puxou pra perto, com o braço pesado me cercando. Ali, no quarto do dono do morro, sem roupa, sem rumo, sem desculpa, eu soube:
Minha vida não era mais minha.
E tinha acabado de começar a descer a ladeira.