Nicole Watson
O dia da decisão.
O despertador toca, insistente. Viro para desligá-lo com a mesma exaustão com que encarei a noite: sem dormir.
Fiquei horas encarando o teto, revivendo cada palavra dita por Samira ontem à noite. Ela entrou no meu quarto como quem trazia um veredito, e não uma conversa. Disse que eu não tinha escolha, que o casamento era a única saída para evitarmos a falência, a perda da casa… a ruína total.
Mas foi o que veio depois que me destruiu por dentro.
Ela contou que meu pai está com câncer. O diagnóstico é recente. Ainda está no início, mas sem dinheiro, sem tratamento... ele não tem chances.
Foi como se o chão se abrisse debaixo de mim.
Já perdi minha mãe em um acidente. Meu pai é tudo o que me resta.
Eu não posso perdê-lo também.
Levanto devagar, tomo um banho, visto a primeira roupa que encontro e desço para o café. Hoje, irei mais tarde para a universidade.
— Bom dia, pai. Samira. — digo com um fio de voz.
— Bom dia, querida. — ele responde, sem esconder a tensão.
Me sento. Rosa logo me serve, mas só consigo tomar um pouco de café. O silêncio na mesa pesa como concreto.
Até que Samira rompe a quietude com sua objetividade de sempre:
— Já tem uma resposta, Nicole?
— Samira, por favor... — meu pai tenta intervir.
— Tudo bem, pai. — interrompo. — Sim. Eu já tenho uma resposta.
Ele se endireita na cadeira, apreensivo.
— Filha...
Não deixo ele continuar. Não posso deixá-lo tentar me proteger agora.
— Tá tudo bem. Eu quero fazer isso. Por você.
— Tem certeza, Nike? — a voz dele falha.
— Tenho. — forço um pequeno sorriso e toco sua mão. — É a minha escolha.
Mas nós dois sabemos que é mentira. É um sacrifício.
Um pacto com o silêncio.
Ele sorri de volta, triste. Quase com culpa nos olhos.
Ele não queria essa resposta. Preferia perder tudo a me ver infeliz.
Mas não se trata mais da minha felicidade.
Se trata da vida dele.
A aula parece eterna. Não escuto uma palavra. Só olho para o relógio, contando os minutos.
Quando finalmente termina, saio da sala como um furacão.
Desço até o estacionamento, entro no carro e piso fundo. O destino: a sede dos Martinelli.
O prédio é gigantesco, imponente, espelhado. Um dos mais luxuosos do centro do Rio de Janeiro.
Estaciono na frente, fecho os olhos por alguns segundos e respiro fundo.
"Isso é pelo meu pai." Repito mentalmente como um mantra.
Depois, saio do carro.
Assim que entro no saguão, sou recebida por uma recepcionista elegante, toda no preto.
— Boa tarde. Em que posso ajudar?
— Preciso falar com Caterina Martinelli. — digo com firmeza.
— A senhorita tem horário marcado?
— Não. Mas diga que é Nicole Watson. Ela vai saber.
A mulher liga para a sala dela. Depois de alguns segundos, assente com a cabeça.
— Pode subir. Ela está te esperando.
— Obrigada.
Subo os andares em silêncio. Ao entrar na sala, vejo Caterina sentada atrás de uma enorme mesa de madeira escura, com vista panorâmica da cidade.
Ela me encara com um leve sorriso — frio, profissional, cheio de dentes brancos demais.
— Sente-se. — aponta para a poltrona em frente.
Obedeço. As mãos tremem, então começo a apertar os dedos, um hábito antigo quando o nervosismo me domina.
— Então, senhorita Watson… já tem uma resposta?
— Tenho.
— E qual seria?
— Eu... aceito. Aceito me casar com seu irmão.
O sorriso dela se alarga.
— Ótimo. Foi uma decisão inteligente.
— Eu não acho. — retruco.
— Não fique assim. Muitas mulheres dariam tudo para estar no seu lugar.
— Então talvez devesse procurar por elas.
— No estado que Rodolfo se encontra, duvido que alguém aceite. Por isso, você é perfeita.
— E por que eu tenho que aceitar esse acordo absurdo?
— Porque seu pai nos deve dez milhões de reais. E o prazo dele já passou.
— E antes que você diga qualquer coisa... — ela continua, com um tom mais suave. — ... saiba que nesse casamento você não será obrigada a tocar no meu irmão.
— Óbvio que não. Eu nunca faria isso.
— Muito bem. Agora, tudo que falta é a assinatura de vocês. O contrato está aqui. Ele explica todos os termos.
Ela empurra uma pasta para mim.
— Para quando é o casamento? — pergunto, com um nó na garganta.
— Próxima semana.
— Tão rápido assim?
— Não sabemos quanto tempo Rodolfo ainda tem. Quero tudo resolvido antes.
Pego a caneta. Nem abro o contrato. Apenas assino.
— Não vai nem ler? — ela pergunta, surpresa.
— Não. Só quero acabar logo com isso.
— Como quiser. Agora falta só a assinatura do seu pai.
Me levanto sem dizer mais nada.
— Nicole. — ela chama, antes que eu saia. — Você está fazendo o que precisa ser feito. E por mais que não pareça agora… vai sobreviver a isso.
Não respondo.
Só saio.
Porque hoje, pela primeira vez, não tenho palavras.