Irmão... cap...05

615 Words
Caterina Martinelli Antes de sair para a empresa, sigo meu ritual silencioso: entro no quarto do meu irmão. Aproximo-me da cama, como faço todas as manhãs, e deposito um beijo leve em sua testa. A pele continua fria, o semblante sereno — e, ironicamente, bonito como sempre. Rodolfo Martinelli. O homem que um dia foi temido, reverenciado, odiado e respeitado em igual medida. O "tubarão" do mundo dos negócios. Hoje… está há quatro anos preso em um corpo que não responde. Estado vegetativo. Irreversível, segundo os médicos. Uma contagem regressiva silenciosa. Nunca imaginei que ele terminaria seus dias assim. Nunca desejei isso. Ele não merecia isso. — Como eu sinto sua falta, maninho… até dos seus gritos e ordens. — murmuro, acariciando seus cabelos. — Mas o que mais me faz falta… é o seu sorriso. Aquele sorriso raro, que só aparecia de vez em quando. Volta pra mim. Só mais uma vez. Respiro fundo. O peito pesa. Tudo desabou desde o acidente. Eu assumi a empresa. Faço o que posso. Luto, negocio, cobro. Mas não sou como ele. Nunca fui. Rodolfo lidava com tubarões como quem alimenta peixes num aquário. Eu… me canso. E tudo isso poderia ter sido diferente… se ela não tivesse partido. Não foi culpa sua, Rodolfo. Foi o destino. Uma tragédia. Uma fatalidade. Me recomponho, ajeito a roupa e saio. Tenho uma reunião séria agora. E o mundo não para por causa da nossa dor. (***) Na empresa, tudo segue milimetricamente cronometrado. Célia, minha assistente, entra com uma pasta repleta de documentos. — Senhora Martinelli, aqui estão os nomes dos empresários que ainda devem ao seu irmão. — Obrigada, Célia. Preciso de mais alguns minutos sozinha. — Claro. Estou à disposição. Ela se retira. Abro a pasta e analiso cada nome. Todos devem quantias significativas. Muitos já ultrapassaram os prazos. E só porque Rodolfo não está mais no comando… acham que podem deixar tudo em aberto. Estão enganados. Eu não sou ele — mas também não sou fraca. Meus olhos param num nome em especial: Marcelo Watson. Valor da dívida: dez milhões de reais. Prazo vencido: há mais de um ano. Segundo o contrato, os juros acumulados ultrapassam os dez por cento. Para o patrimônio do meu irmão, isso é troco. Mas para mim, é princípio. Palavra dada. Se Rodolfo estivesse aqui, teria exigido pagamento imediato — ou mandado um dos seus seguranças "conversar" com o devedor. Pego o telefone e ligo para Célia. — Célia, entre em contato com Marcelo Watson. Quando conseguir, transfira a ligação para mim. — Perfeitamente. Alguns minutos depois, falo com ele. A voz de Marcelo está cansada. Humilde. Quebrada. Ele não tem como pagar. A empresa ainda está em ruínas. m*l consegue manter os funcionários. Pede mais tempo. Eu respiro fundo. Já sabia que ouviria isso. Mas não posso ceder. Não mais. — O prazo expirou há mais de um ano, senhor Watson. O contrato foi claro. O pagamento não foi feito. A consequência, infelizmente, é a perda de seus bens. A ligação fica em silêncio por alguns segundos. Antes de desligar, ele diz algo que me acende uma ideia… absurda. Mas funcional. — Gostaria de conversar pessoalmente. Tenho algo em mente que talvez lhe interesse. — Algo em mente? — repito, curiosa. — Uma proposta que pode resolver a dívida… sem precisar tomar nada de ninguém. Penso por alguns segundos. — Estarei em sua casa esta noite. Após minha reunião com os chineses. Prepare-se. Desligo. Fico olhando para o telefone ainda por alguns instantes. O que estou prestes a propor vai contra tudo o que sempre defendi. Mas… é temporário. Só até Rodolfo partir. E nesse tempo… o império Martinelli seguirá intacto.
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