O dia estava amanhecendo, quando Lara e Theo desembarcaram em Brasília. A aflição da garota a estava desestruturando, apesar de seu esforço em transparecer tranquilidade e indiferença. Theo fingia não notar sua perturbação. Fosse o que fosse, estava prestes de descobrir - pensou o rapaz.
Eram dez horas da manhã quando os dois chegaram a embaixada inglesa. Alguns gringos aguardavam na sala de espera por atendimento. Theo mostrou a intimação de Lara e explicou no guichê a situação. Uma moça inglesa, de pele muito branca e cabelos naturalmente ruivos, pediu educadamente que eles aguardassem por um momento. De repente, um frio começou a subir e descer pelo estômago de Lara. `` não há o que temer! Pare de ser assim tão nervosa, sem necessidade! `` - falou a si mesma em pensamentos, apertando as mãos para diminuir o frio repentino que sentia nelas.
- Senhorita Leblon – um homem de meia idade, de postura elegante em um terno azul marinho parou diante de Lara e Theo que logo ficaram de pé.
- Sim! – ela o cumprimentou com um breve aceno de cabeça.
- Suponho que este seja seu advogado – o homem olhou para Theo.
- Theodoro Barth – Theo apertou a mão do homem com firmeza.
- Por favor, me acompanhem! – o homem pediu sem se apresentar, os conduzindo para dentro do espaço restrito, passando por alguns corredores até entrarem em uma sala espaçosa com uma mesa grande, cercada por poltronas confortáveis, uma possível sala de reunião.
- Por favor aguardem aqui, o embaixador virá vê-los. – O homem informou se retirando da sala.
- O embaixador? – Theo olhou para Lara arrumando o paletó, sem esconder a surpresa. Lara sentiu a garganta seca, estava tentando controlar o nervosismo e o medo inexplicável que começou a sentir, se perguntando se havia alguma possibilidade de sair dali presa, apesar de ter ciência de que o pensamento era ridículo, fruto de sua imaginação fértil, que sempre lutava para lhe pregar uma peça.
Já haviam se passado quase trinta minutos, quando um homem alto, elegante, de meia idade chegou na sala, acompanhado por um senhor baixo de cabelos brancos, vestido em um uniforme azul escuro, quase preto, com detalhes vermelho.
- Senhores, sou David Nicolas Fleming o embaixador e este é o Coronel Kelvin Lynn adido de defesa, por favor sentem-se. – o embaixador falou em um tom sério e imponente – a senhora deve ser Lara Leblon? – a voz grossa do homem e o olhar firme fizeram as pernas de Lara quase se dissolverem como cera em uma fornalha.
- Sim senhor – Lara respondeu com o fio de voz que encontrou. Logo em seguida os homens dirigiram seus olhares para Theo que prontamente se apresentou como advogado dela.
- Estava em Londres quando recebi a notificação que a senhorita compareceria nesta quinta-feira e visto o caráter delicado e sigiloso da situação, fiz questão de estar presente hoje, assim como o coronel Lynn – Lara olhou para os dois homens tentando não demonstrar o pavor que a afligia.
- Recebi um documento informando que precisava comparecer a embaixada, pois estava sendo acusada de difamação, injuria e outras coisas – ela deu um meio sorriso visivelmente nervosa – mas certamente há algum engano, eu nunca fiz nada que pudesse prejudicar alguém.
- Pedi ao juiz que está conduzindo o caso que nos enviasse uma cópia do processo que foi aberto – o embaixador Fleming entregou os papeis ao advogado da garota – uma investigação minuciosa foi realizada por parte do acusador. Sua caligrafia foi avaliada por peritos, comprovando que o material foi escrito pela senhora – o embaixador falou enquanto Theo foliava os papeis.
- Mas qual o motivo da acusação? – Theo perguntou confuso, com um maço consistente de papeis nas mãos.
- De acordo com a denúncia, a acusada escreveu todos os momentos íntimos que teve com o grão-duque e usou o material para ferir a moral dele, causar escândalos em sites de fofocas e conspirar contra seu noivado.
`` ... seus lábios desceram pela curvatura de minhas costas`` - os olhos de Theo conseguiram ler antes das folhas serem arrancadas de suas mãos. Lara puxou os documentos sem qualquer delicadeza. O rosto da garota assumiu um vermelho latejante. Sua respiração ficou descompassada e as mãos tremulas. Ela folheou os papeis reconhecendo sua letra nas cópias de seu diário.
- Parece que a senhora reconhece o material! – o coronel observou a garota com atenção.
- Onde está o caderno? – Lara perguntou tentando controlar a voz para não gritar.
- As copias foram fornecidas pelos advogados do grão-duque – o Coronel respondeu em seu tom de voz educado – as acusações contra a senhora são muitas. Eu lhe aconselho a arrumar bons advogados.
- Estamos aqui apenas para notificá-la e lembrar que devido a posição social do acusador, o caso deverá se manter sob completo sigilo – o embaixador falou com um semblante duro, de visível reprovação – o grão-duque gostaria que o processo fosse conduzido em Londres, mas devido a demora para encontrá-la, o caso foi conduzido para a União.
Theo ficou dormente diante do rumo que as coisas estavam tomando. Lara por outro lado, apenas tremia com as folhas nas mãos.
A garota saiu da embaixada com o maço de papel nas mãos, Theo ao seu lado tinha o maxilar cerrado, esperando por uma explicação que não lhe foi fornecida. Lara insistia em permanecer em silêncio, apertando os dedos contra as folhas.
- Quem é esse duque? Um ex-namorado? – Theo perguntou tentando manter um tom de voz indiferente, logo após entrarem no quarto do hotel.
- Não. Ele não era nada meu – Lara garantiu abrindo sua mala, enterrando nela os papeis que tinha nas mãos.
- Preciso ler os documentos, preciso entender sobre o que se trata a acusação – Ele suspirou com as mãos nos quadris.
- Não. Eu mesma vou resolver isso, não se preocupe – ela garantiu sem olhar para ele. Theo suspirando deu um sorriso Duchenne, atravessando o quarto em passadas incertas.
- Será que você entendeu o que está acontecendo? – ele perguntou estarrecido – você está sendo acusada até mesmo de conspiração. Não se trata só de uma multa, você pode ser presa Lara – As palavras dele terminaram de roubar o equilíbrio que a garota tentava manter, fazendo com que ela caísse sentada na poltrona com as mãos sobre as pernas.
- Preciso que você abra a sua boca e comece a falar. Preciso entender o que realmente aconteceu, porque na minha cabeça já se passaram mil coisas e não sei mais o que pensar.
- Você não tem que pensar nada. Eu já falei que não existiu nada entre mim e esse cara – a garota berrou irritada.
- Presta atenção Lara, não me importo com os casos que teve em seu passado, não me importo se foi namorada, casada ou sabe-se lá o que no passado. Nossa vida começou quando você chegou aqui, não precisa mentir ou esconder nada de mim, não estou aqui para julgá-la, seu passado em nada interfere na nossa vida, entendeu? – ele falou parando diante dela.
- Eu não quero que conduza este caso! – Ela falou sem fitá-lo.
- Está certo. É um direito seu, mas exijo saber o motivo – a voz dele soou ríspida.
- o motivo, é que não quero falar com você sobre isso, como você mesmo disse, o passado não importa.
- Mas neste caso, você está com um processo na justiça e como seu noivo eu estou preocupado.
- Eu entendo, mas não quero falar sobre isso e por favor não insista, não existe nada que possa falar ou fazer que vá me obrigar a te dizer alguma coisa – a garota garantiu fechando a mala.
- Como devo entender sua atitude? – ele perguntou em um tom frio.
- Eu não sei! – ela deu de ombros evitando olhá-lo.
- Está certo! – Theo deixou o quarto sem dizer para onde ia. O rapaz irritado circulou pelo quarteirão e entrou em um bar-café pouco movimentado para o horário de almoço.
- Um shot de uísque – ele pediu se acomodando na cadeira próxima ao balcão. Somente após a terceira dose ele suspirou fundo e passou a mão nos cabelos, tentando entender o que havia acontecido aquela manhã.
`` um amante, um caso, um ex-namorado... um caso m*l resolvido? `` - ele se pegou imaginando de tudo.
`` não existiu nada entre mim e esse cara`` - ele remoeu as palavras indignado. Que havia existido algo entre os dois era indiscutível, concluiu. Ele só não entendia o motivo que Lara tinha para mentir, para negar. Ele odiava mentiras, odiava ser enganado e Lara estava negando um fato evidente de forma descarada. Irritado ele pegou o celular e enviou um e-mail para a embaixada britânica, pedindo que lhe enviassem uma cópia de todo o processo digitalizada. Se Lara não estava disposta a falar, ele teria que passar por cima de alguns princípios, precisava saber o que diabos estava acontecendo ou enlouqueceria. Ele bebeu mais duas doses de uísque.
O voo de volta para Porto Alegre, cidade mais próxima de Gramado, seria as dez horas da noite. Lara olhou para o relógio pela trigésimo vez, já eram nove da noite e Theo não havia retornado. Apreensiva, a garota foi para a recepção do hotel onde aguardou pelo rapaz impaciente. Alguns minutos depois Theo apareceu na recepção. Os cabelos castanhos despenteados, a camisa social azul de listras brancas estava com as mangas repuxadas em alturas diferentes. Ele tinha uma aparência desarrumada e infeliz. Os dois trocaram olhares que dizia muito e não dizia nada, em silencio pegaram o elevador e retornaram ao quarto. O cheiro de álcool estava forte. Lara jamais vira o noivo naquele estado.
- Você pode chamar o táxi? – Theo pediu procurando a mala, andando de forma mais lenta que o habitual.
- Já arrumei tudo, vamos descer, estamos atrasados! – Ela avisou aflita. Precisava estar no trabalho na manhã seguinte. Sem discutir Theo pegou a pequena mala de mão dele e dela e desceu tentando manter o equilíbrio.
Felizmente os dois conseguiram chegar a tempo de embarcar. Lara suspirou aliviada ao ocupar a poltrona dentro da aeronave.
- Eu sinto muito por hoje! – Theo falou mais alto que o necessário, com dificuldade para controlar o tom de voz.
- Está tudo bem, depois falamos sobre isso! – ela segurou a mão dele tentando acalmá-lo. Theo segurou a mão da noiva, entrelaçando seus dedos nos dela, não a soltando durante as quase duas horas de voou.
Na manhã seguinte a cabeça de Theo latejava com a ressaca, após tomar um banho mais do que necessário, ele seguiu para a cozinha, onde Socorro, a empregada doméstica o cumprimentou com um bom dia.
- Ovos com bacon? – ela perguntou pegando a frigideira.
- Só um analgésico mesmo! – ele fez uma careta.
- Então o senhor andou se embriagando? – ela colocou as mãos na cintura – sabe muito bem que os homens desta casa não podem chegar perto de álcool.
- Não comente isso com o papai! – ele pediu bebendo a medicação que Socorro lhe entregara.
- Aconteceu alguma coisa? – a velha senhora ficou preocupada.
- Eu não sei! – ele se serviu do café – talvez não tenha nascido pra casar!
- Não diga bobagens, tanto o senhor como sua noiva são duas pessoas maravilhosas, não tem como não darem certo – Socorro garantiu.
- Acha que Lara gosta de mim Socorro? – ele perguntou observando a mulher com atenção. Socorro era como uma segunda mãe, quando não gostava das namoradas do garoto falava mesmo quando não lhe perguntavam e não fazia a menor questão de esconder seu desafeto.
- E por que não haveria de gostar? Ela é burra por acaso? Você é o rapaz mais bonito desta cidade!
- Eu não estou brincando.
- Nem eu! – ela enxugou as mãos nas saias.
- O que faz em casa esse horário rapaz? – Luiza, a mãe de Theo, apareceu na cozinha.
- Já estou de saída
- Não pense que não senti o cheiro de álcool ontem – Luíza ergueu as sobrancelhas.
- Não seja tão rígida dona Luiza! – ele apertou a bochecha da mãe antes de sair.
- Ele falou alguma coisa? – Luiza olhou para Socorro desconfiada.
-É melhor a senhora achar um tempinho para visitar sua futura nora, alguma coisa ela deve ter aprontado.
- Por que ela Socorro? – Luiza colocou as mãos na cintura – é por isso que esses meninos são tão mimados!
- Eu os mimo, porque eles merecem! – Socorro levantou os lábios quase formando um bico e saiu da cozinha com uma panela nas mãos.
Chegando ao escritório, Theo foi recebido com vários casos jogados sobre sua mesa e uma cliente vestida em um mini vestido vermelho, sentada já dentro de sua sala, com as pernas malhadas expostas e os s***s quase pulando do decote. Bruno, seu irmão, apenas ergueu as sobrancelhas e deus um sorriso cheio de significado.
- Bom dia Sra. Pamela! – ele a cumprimentou com um aperto de mão, mas a jovem muito decidida, alcançou o rosto dele com um beijo.
- Senhorita! – ela o corrigiu, se sentando novamente.
- Certo, o que a traz aqui hoje? – Theo ligou o notebook, ocupando seu lugar na poltrona. Pamela era uma cliente frequente.
- Quero abrir um processo contra o cirurgião plástico que colocou silicone nos meus s***s.
- Qual o motivo? – ele evitou olhar para os s***s dela.
- Um ficou maior que o outro, olha só! – ela se inclinou para frente deixando os s***s ainda mais expostos, os apoiando com as mãos.
- Certo, a senhora assinou algum papel antes da cirurgia? – ele perguntou abrindo seu e-mail, tentando evitar fitar os s***s da jovem a sua frente, que já estavam quase sobre a mesa.
- Eu não sei – ela pareceu pensar – talvez... – ela continuou falando, mas Theo deixou de escutá-la ao ver na sua caixa de entrada um e-mail da embaixada britânica. Ele o abrindo encontrou o processo anexado em sua página.
- Você acha que tenho como ganhar se entrar com um processo contra ele? - A mulher chamou a atenção dele ao tocá-lo no pulso.
- Preciso que traga uma cópia dos papeis que assinou antes da cirurgia e uma cópia do prontuário – ele respondeu em um tom profissional.
- Mas eu acho que não assinei nada – ela protestou confusa.
- Certamente assinou, ligue para a secretaria do médico e assim que tiver as copias, traga-as que irei analisá-las – ele respondeu dando a consulta por encerrada.
- Está certo! – a garota se levantou e contornando a mesa o alcançou para lhe dar outro beijo de despedidas – retornarei assim que conseguir – ela sorriu.
- Pode mandá-los para o meu e-mail – ele entregou o cartão a ela.
- Eu prefiro vir pessoalmente, sempre tenho dúvidas e adoro como me explica as coisas – ela sorriu maliciosa, deixando a sala.
Theo jogou-se novamente na cadeira e suspirou abrindo e fechando os olhos como se saísse de uma cena surreal.
- Ela marca pesado! – Bruno ocupou a cadeira vazia com um sorriso galante.
- Fez isso de propósito! – Theo reclamou irritado – Já falei que não quero problemas.
- Cara você tem que aproveitar enquanto ainda não casou!
- Já te avisei que o escritório não é motel!
- Ela exigiu você como advogado – Bruno encolheu os ombros deixando a sala. Theo novamente voltou sua atenção para o e-mail. Com os olhos fixos no anexo, ele quase ouviu a voz de Lara ecoar pelo escritório, dizendo que não queria que ele lesse o processo. Theo recostou-se na poltrona pensativo. Ele mais do que qualquer um, sabia que não tinha o direito de abrir aquele anexo e ler o processo sem a permissão da noiva, mas ele sabia que lá continham coisas que Lara insistia em esconder dele. Ele não queria que houvesse segredos entre eles e diante dele pesava um. Um segredo que a noiva insistia em manter debaixo de sete chaves. Ele pegou no mouse para abrir a pasta, estava decidido a ler o processo, nem que precisasse fingir que não havia lido, mas sua mão novamente vacilou. Ele lembrou de sua ex-esposa. Ela o havia levado a loucura, sempre tentando revirar seu celular e e-mails, ouvindo conversas as escondidas. Ele jurara a si mesmo que jamais sairia com uma mulher que não respeitasse sua privacidade novamente, e agora estava ali, a ponto de cometer um crime. Irritado fechou o e-mail decidido a não mexer naquilo sem a permissão de Lara. Mas e se ela ainda tivesse alguma coisa com esse tal duque? Ele precisava saber o que havia acontecido entre eles ou não teria paz – ele sentiu a curiosidade corroer seu estômago como veneno.
O celular tocou roubando a atenção do rapaz.
- Theodoro? – a voz masculina do outro lado da linha perguntou impaciente.
- Sim.
- Estamos na frente do endereço que deixou na loja, mas o apartamento está fechado.
- Droga! – Theo praguejou ao perceber que o pintor novamente havia escapulido da obra.
- é o montador dos armários?
- Isso! – o homem respondeu m*l humorado.