O Rei do Morro

1277 Words
COROA Eu sou Rodrigo, mas ninguém me chama assim desde que minha mãe bateu as botas lá em 2008. Aqui no morro eu sou Coroa. Só Coroa. Cinquentão, um e oitenta e cinco de pura marra, peito largo, braço coberto de tinta que conta mais história do que qualquer livro santo. Cabelo grisalho curto, barba de três dias que risca a cara, olho azul que já viu gente morrer e gente nascer no mesmo dia. Cicatriz do lado esquerdo do abdômen onde levei bala de um alemão em 2011, outra no ombro onde a bala passou raspando em 2019. Tô sempre de bermuda tactel ou jeans surrado, chinelo ou tênis de marca que os cria compram pra mim no asfalto. Pele bronzeada de sol. Cheiro a baseado e perfume caro que eu passo só pra lembrar que ainda posso ser vaidoso. Moral? A minha moral é simples: quem manda aqui sou eu, quem desobedece morre, quem obedece vive bem. Ponto. Não tenho paciência pra sermão, pra polícia, pra político, pra pastor que vem querer salvar alma de bandido. Minha alma já foi pro beleléu faz tempo, e eu tô de boa com isso. Tava na pracinha, encostado na pilastra, fumando meu baseado de boa, vendo os moleque brincando de pipa e os meus soldado de olho na ladeira. Aí o Uber para lá embaixo. Eu nem ligo, até que a porta abre e desce uma coisa que não pertence a esse planeta. Loira. Cabelo liso, dourado, até a cintura. Pele branca que nunca viu sol de verdade, parece que vai derreter no calor do Rio. Vestidinho branco de algodão, comprido, parece daqueles de crente, mas que gruda no corpo suado e deixa pouco pra imaginação. Magrelinha, mas com curvas onde importa. Olho azul que parece céu, sei lá. E na mão? Bíblia. c*****o, uma Bíblia enorme com marca-texto dentro. Eu solto o riso pelo nariz, a fumaça saindo lenta. Olha essa p***a. Uma Barbie perfeita perdida no meu morro. Aquele tipo de mulher não pisa aqui. E se pisar, não sai. Dou um trago fundo, olho pros lados, pros cria que já tão de olho também. Todo mundo quieto, esperando o que o Coroa vai fazer com a visita ilustre. Eu podia mandar embora. Podia mandar sumir. Podia deixar os moleque brincar de assustar a gringa até ela mijar na calcinha e correr chorando pro asfalto. Mas eu não fiz nada disso. Desci a escada devagar, cigarro na orelha, peito nu brilhando de suor. Quando cheguei perto, ela tava tentando arrastar a mala rosa (rosa, p***a!) escada acima, tropeçando a cada dois degrau. Aí ela me viu. Congelou. Olho arregalado, Bíblia apertada contra o peito como se fosse blindar bala. — Barbie? — eu perguntei, só pra ver a reação. Ela gaguejou um português quebrado que quase me fez rir de novo. — S-sim… quer dizer, não! Eu… chamo Sienna. Eu… ajudar. Vim ajudar na igreja. Ajuda. Igreja. Aqui. Eu senti um negócio estranho no peito. Raiva? Curiosidade? t***o? Tudo junto, sei lá. Aquele sotaque doce, aquele olhar que ainda acreditava que o mundo é bonitinho… me deu vontade de quebrar aquilo tudo. De mostrar pra ela que aqui não tem anjinho, tem só demônio. E o maior deles sou eu. Mas aí veio o estalo. Tiro. Dois, três. Os alemão tentando subir de novo. Eu nem pensei. Pulei em cima dela, joguei a Barbie no chão, cobri com meu corpo. Senti o corpinho dela tremendo embaixo de mim, o cheiro de xampu de baunilha misturado com medo puro. Meu p*u deu sinal de vida na hora, o filho da p**a não escolhe hora. Levantei, saquei a nove milímetros e mandei chumbo. Um caiu, os outro correram. Tiro de raspão no braço, nada que um pano sujo não resolva. Quando olhei pra ela de novo, ajoelhada no chão, olho marejado, boca entreaberta… c*****o. Aquilo ali era lindo demais pra tá num lugar tão podre. — Welcome to my hill, Barbie — eu disse, puxando ela pelo braço. Ela gritou em inglês, tentou se soltar. Linda tentativa. Levei ela pra casa de baixo primeiro, só pra assustar, pra mostrar o cenário: sofá rasgado, cheiro de cerveja, arma em cima da mesa. Mandei sentar. Ela sentou tremendo. Dei água. Ela bebeu como passarinho. — Hope? Esperança? Bonito. Mas inútil aqui — eu falei, só pra ver ela engolir seco. Depois o moleque veio correndo avisar da operação. Eu saí. Deixei ela lá. Sabia que ia tentar fugir. Sabia que ia correr. E sabia que eu ia pegar. E peguei. Carro blindado, ladeira dois, cortei ela na saída dos fundos como se eu tivesse GPS na cabeça daquela loira. Quando ela me viu descer do carro, a carinha de pavor quase me fez rir alto. Mas também me deu um aperto esquisito. Ela tava branca que nem fantasma. — Get in, Barbie. — No! Eu mostrei a arma na cintura. Ela entrou. Quieta. Olho baixo. Mãozinha tremendo no colo. Dirigi até o topo. Minha casa de verdade. A que ninguém entra sem eu querer. Piscina, vista pro mar, parede de vidro, segurança que come na minha mão. Abri a porta do carona, ela desceu abraçando o corpo como se eu fosse estuprar ali na garagem. Não n**o que passou pela cabeça. Mas não hoje. — Welcome to hell, Barbie. Peguei no queixo dela. Dedo calejado, cheio de calo de gatilho. Forcei ela olhar pra mim. — Aqui quem manda sou eu. E você vai me obedecer, tá ligada? Ela assentiu. Lágrima escorrendo. Eu limpei com o polegar sem nem pensar. c*****o, pele macia pra p***a. Levei pro quarto de hóspede. Tranquei a porta por fora. Fui pro meu quarto, tomei banho, lavei o sangue do braço, fumei outro, bebi uísque puro. Tentei esquecer aqueles olhos azuis me encarando como se eu fosse o próprio capeta. Não consegui. De madrugada, duas e meia da manhã, eu tava na sala de monitoramento. Tela ligada. Câmera do quarto. Ela tava lá. Deitada de lado, ainda de vestido branco, agora todo sujo de poeira e medo. Cabelo espalhado no travesseiro. Respiração calma. Dormindo como anjo no meio do inferno. Eu fiquei olhando. Muito tempo. p*u duro de novo, latejando na cueca. Mão coçando pra abrir a porta e ir até lá. Imagina só: tirar aquele vestido devagar, ver se o resto do corpo é tão perfeito quanto o rosto, ouvir ela gemer meu nome em inglês enquanto eu ensino, o que é pecado de verdade. Mas eu não fui. Ainda não. Porque essa aí… essa aí é diferente. Não é só mais uma. Essa aí acredita em Deus. Acredita que pode salvar alguém. Acredita que tem esperança. Eu já desisti faz tempo. Já desisti de salvação. Mas olhar pra ela dormindo… me deu uma vontade i****a de querer acreditar de novo. Nem que seja por uma noite. Apertei o botão do radinho, falei baixo pro chefe da segurança da minha casa: — Ninguém entra nesse quarto. Ninguém toca nela. Se alguém encostar um dedo, eu mato. Desliguei. Apoiei a testa na parede fria. — Rodrigo, tu tá ficando doido, cara. Completamente doido. Mas eu já sabia: amanhã ela vai acordar, vai chorar, vai tentar fugir de novo. E eu vou estar lá. Pra pegar. Pra proteger. Pra decidir o que caralhos eu faço com essa gringa que caiu do céu direto no meu colo. Porque agora ela é minha. E aqui no meu morro, o que é meu ninguém toca. Nem Deus, nem d***o, nem pastor de merda. Só eu. E que Deus me ajude, porque essa Barbie tá prestes a virar minha religião. ADICIONE NA BIBLIOTECA COMENTE VOTE NO BILHETE LUNAR INSTA: @crisfer_autora
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