Estou tão solitária naquele lugar que começo a ter vários pensamentos aleatórios, estar presa numa jaula é muito deprimente, nem imagino o que se passa na cabecinha de um passarinho que foi feito para voar.
Depois de mais ou menos trinta minutos eu me desperto dos meus pensamentos no momento em que um jovem árvome, de cabelos e olhos verde-escuros, entra no quarto e vem andando na minha direção com uma tigela de madeira na mão.
Bastante sério, ele abre um compartimento da minha jaula e empurra o objeto cheio de comida para dentro. Antes de ir embora eu peço para ele ficar, e para a minha surpresa ele fica.
— Qual o seu nome, rapaz?
O jovem árvome pensa bem antes de me responder.
— Rocadi.
— Rocadi, que nome bonito.
— Hum! — ele exclama como se não quisesse me dar importância, mas eu vejo em seus olhos, que são lindos, o quanto é jovem e curioso.
— Seus olhos são lindos Rocadi…
— Não adianta me bajular, humana, eu não vou tirar você daí.
— Espera, eu não ia te pedir isto. Estou aqui há três dias, até aprendi a gostar dessas barras de ferro inquebráveis.
Rocadi tenta não rir, volta a ficar super sério como quando chegou.
— O que você quer?
— Conversar. Tô tão solitária aqui.
Rocadi entorta a cabeça levemente para a direita e franze o cenho.
***
Rocadi e eu ficamos por uma hora conversando sentados no chão, ele me disse que todo mundo teve que sair e o escolheram para vir me entregar a minha comida.
Ouço tanto ele falar e descubro estamos na caverna do Grande Devorador. Nem ele mesmo sabe como o mataram, também, não acredita que o Mandante Isiton tenha feito isso sozinho sem que ninguém soubesse.
Mudamos de assunto, enquanto eu como, ele me conta que é filho de um dos súditos mais leais do Mandante Isiton.
— Rocadi, me conte uma coisa: como o Mandante Isiton conseguiu obter a vida eterna?
— Infelizmente, matando árvomes, mas são inimigos, então…
— Não tem "então", pare com isso, vocês podem ser de raças diferentes, mas são da mesma espécie. Você sabia que ele só ataca jovens como você?
— Eu… Eu sei.
— Você nem tem o cabelo da mesma cor que eles. Por quê?
— Mas eu ainda vou me tornar um deles.
— Como ele faz isso?
— Eu já disse.
— Sim, mas o que ele faz depois que mata?
— Não sei se posso te contar.
— Ele já me contou antes, o problema é que eu esqueci depois que tentei fugir e ele me acertou com uma marreta, eu que não perguntei de novo para não parecer uma tonta na frente daquele homenzarrão.
— O que é homenzarrão, e que é marreta? A ferramenta que ele usa é um martelo.
— Tanto faz, me conta logo.
Rocadi suspira antes de falar.
— Quando um árvome faz 63 anos de existência, ele naturalmente produz um líquido chamado de Seiva da Vida que fica dentro de uma pequena bolsa membranosa localizada nas costas. Depois de alguns meses, essa bolsa estoura e a Seiva da Vida se espalha por todo o organismo, ela é responsável por nossa longevidade. Infelizmente, fica num ponto vital, se removê-la, acaba matando o indivíduo. Os Árvos são imortais, e mesmo nós sendo um derivado deles, nós evoluímos muito mais que eles. Os Árvos tentaram nos exterminar como pragas, mas fomos mais fortes.
— Rocadi, você é inteligente, mas você está se ouvindo? Como pode concordar com essa crueldade?
— Nós estamos reivindicando a nossa imortalidade.
— Quantos anos você tem?
— Tenho 61.
— O que te garante que daqui a dois anos eles não vão te m***r para ter o que você vai desenvolver?
— Eles não vão fazer isto, eu sou um deles, o meu pai…
— Você e seu pai são próximos?
Rocadi hesita antes de responder.
— Não, mas porque isso é…
— Por que não te incluíram ainda? Não te deram a tal Seiva da Vida? Por que o seu pai não apressa a sua…
— Você faz muitas perguntas, humana.
— O meu nome é Rosy, e eu só estou curiosa.
— Olha, ainda faltam outras pessoas, não é fácil capturar outros árvomes. A minha hora vai chegar.
— Só se for a sua hora de ser abatido. Acorda! — eu percebo que o meu grito de desespero deixa o Rocadi mais hesitante. — Estão esperando você atingir a idade certa para arrancarem de você aquilo que vai te dar longevidade, sei lá o que é isso. Sinto muito, mas quem sabe, você será o alimento do seu próprio pai — desta vez eu apelo.
Rocadi se afasta de mim com os olhos bem arregalados e lábios comprimidos, depois ele expressa raiva e corre para longe. Não sei se o que falo tem sentido, mas eu preciso sair daqui de qualquer jeito. Também não sei para que o Mandante Isiton me quer viva. Talvez como um troféu ou uma humana de estimação, ou uma guerreira já que tenho muito potencial.
***
Rocadi fica dois dias sem aparecer aqui, já estou na quarta lua cheia e eu permaneço na mesma situação, alguém sempre traz uma peça de roupas para mim, também um pequeno balde com água e — quem diria? — um sabão bem cheiroso para eu me higienizar. Trocam o meu urinol a cada quatro horas. Também, me dão comida a cada cinco horas.
Parece que me acostumei. Sinceramente, não está sendo pior do que poderia ser, fora eu me sentir mesmo como um passarinho na gaiola, está tudo bem. Realmente, eu sou um "bichinho de estimação".
O Mandante Isiton aparece a cada seis horas, é o quarto dele, e fica me admirando, fala poucas coisas, depois vai embora. Ele é tão gato, se não fosse o vilão eu flertaria com ele, mas não posso nem olhar nos seus olhos.
Eu sei, o Príncipe Metrim é um bom partido, mas me parece tão jovem, tão imaturo, e olha que ele é bem mais velho que eu, logicamente. Mas o Mandante Isiton, tão alto, tão parrudo, parece ser tão educado, mas é um assassino… Sexy. Acho que enlouqueci nesta jaula.
***
Depois de ficar horas olhando um livro cuja escrita eu não entendo, mas as gravuras são interessantes de serem analisadas, sorrateiro, na calada da noite, justamente numa hora em que o Mandante sai com toda a sua tropa, Rocadi entra na sala, ele parece bastante assustado, nervoso, atônito.
Parece que viu um fantasma.
— Rocadi? Fiquei com saudades. Sinto muito se eu te… — Rocadi não me deixa terminar a pergunta, ele simplesmente se aproxima da minha jaula com pressa e bastante misterioso, depois retira um molho de chaves da sua roupa e abre a jaula. — Ué? — eu fico extremamente intrigada.
— Por favor — diz Rocadi quase a chorar —, salve a minha vida.
Sem pensar duas vezes eu saio da jaula como se fosse costume sair e entrar a hora que eu quisesse e abraço o árvome que está angustiado.
— O que aconteceu? — pergunto ainda abraçada com o rapaz.
— Você tinha razão, estão me esperando chegar à idade certa para eu servir de alimento para o meu próprio pai.
— Uau! — exclamo por ter achado aquilo absurdo e também por eu ter acertado na minha dedução de desespero. Eu seguro os ombros do rapaz bem firme e digo: — Depois você me conta detalhes, agora, precisamos sair daqui o Mandante Isiton é muito forte, não vou poder lutar contra ele e seu bando de árvomes psicopatas se ele voltar agora. Consegue nos tirar daqui?
Rocadi nem responde, ele simplesmente afirma com a cabeça, os seus olhos estão carregados de lágrimas que lutam para não caírem. Então, ele toma uma atitude, pega na minha mão e saímos daquele lugar sinistro de uma vez por todas.
***
Passamos pela passagem que é fechada com porta de madeira, estamos em um patamar dentro de uma caverna e está vazia. Rocadi me puxa para sairmos dali o mais depressa possível, andamos por um corredor até chegarmos à floresta iluminada pelo luar.
— Para onde foi todo mundo? — pergunto.
— Eu não sei — responde Rocadi. — Rosy, não deixe que o Castelo me rejeite, eu sei que compactuei com o m*l, mas graças a você eu pude ver que…
— Rocadi, me poupe desse discurso fajuto, você ficou com medo de morrer — interrompo o jovem árvome, ele para no meio da floresta e me encara preocupado. — Não se preocupe, menino, eu não vou falar isso para ninguém — tranquilizo o rapaz. — Mas você precisa melhorar, ouviu!?
— Eu só queria ser imortal, como o Mandante e a maioria da sua horda.
— Eu também queria, mas a vida não funciona como a gente quer — digo a arrastar o rapaz para continuarmos a andar. — O Mandante Isiton vai ter o que ele merece.
***
Durante todo o percurso, Rocadi fica me olhando e eu percebo que ele quer me dizer alguma coisa.
— Fala logo — ordeno.
— Você é uma bruxa?
— O quê? Não. Tem mesmo isso aqui? Nunca vi uma.
— Tem, mas elas não se revelam a ninguém. É uma benção e uma maldição ser uma bruxa neste mundo.
— Por quê?
— Primeiro, porque são muito poderosas, segundo, porque são muito cobradas e não são invencíveis. Fora que que fazer magia lhe atrai outras coisas mais. As criaturas magníficas deste mundo sumiram porque as bruxas pararam de fazer magia como antes, não sumiram de verdade…
— Rocadi… — interrompo o garoto e faço ele parar de andar.
— O que foi?
— Está acontecendo alguma coisa. Estamos perto do Castelo?
— Se estou bem situado, estamos na metade.
— Na metade? — sussurro bem alto. — Estamos andando por horas.
— Não sei, posso estar equivocado, está de noite. Por que está sussurrando?
Nós nos assustamos por um som de galho a ser quebrado e olhamos para trás, depois outro som esquisito ressoa e olhamos para frente.
— Pelo amor de Virell — expressa Rocadi.
— O que foi?
— Isso me parece…
Daí, olhamos um para o outro, porém, bem lentamente, vemos a nossa sombra ficar mais nítida e uma luz diferente nos ilumina aos poucos.
Olhamos para cima no mesmo ritmo e um homem de cabelo verde-escuro salta por cima de nós montado num araferro — um escorpião. O inseto gigante lança o seu ferrão contra nós e eu empurro Rocadi para um lado e caio para o outro. O ferrão não consegue nos atingir.
O homem salta do animal com um lampião na mão e uma espada na outra, depois anda para a direção de Rocadi bem devagar.
— Eu adivinhei que você estava tramando escapar, só não imaginei que soltaria a prisioneira do Mandante Isiton, ele vai ficar bastante irritado — fala o homem, é o pai do garoto que se rasteja de costas para fugir.
Eu fico de pé e grito:
— Rocadi.
Mas o árvome assobia e o escorpião sibila para mim depois me ataca, apenas usa as suas duas pinças para me suspender no ar pelas minhas mãos. Eu sei que ele não quer nenhum de nós morto.
— Pai — diz Rocadi —, como você pode me fazer de alimento para você, me m***r para ser imortal?
— Você sempre foi um fraco — responde o pai de Rocadi —, um rejeitado. A sua mãe morreu por sua causa.
— Ela… Ela não estava doente? — Rocadi sabe que o pai dele o quer vivo, senão não terá como obter a Seiva da Vida que ele ainda vai produzir. — Como eu tive culpa?
— Ela ficou doente grávida de você.
— Isso não faz sentido. Por que o senhor sempre foi c***l comigo? Nunca foi assim com os seus outros filhos.
— Eu não sou seu pai.
Aquela revelação fez Rocadi ficar atônito. Mas eu entendo o que tá rolando ali. Isiton me contou uma história de que o Imperador do povo de Kolomna, de onde eles pertencem, estuprou centenas de mulheres bonitas. Justamente Isiton quem o matou, provavelmente por isso o pai de Rocadi se tornou bastante leal a ele.
— Você não queria que ela me tivesse — diz Rocadi já desfalecido.
— O filho bastardo de um homem desonrado.
— Quem ele é? — Rocadi pergunta já sabendo a resposta.
— Isso não importa, Isiton o matou, e você voltará comigo para a base. — O pai de Rocadi o ataca, mas o garoto se levanta e foge. — Volte aqui — grita o homem e corre atrás do menino.
— Rocadi — chamo por ele novamente.
O escorpião sibila para mim de novo, como estou com os pés livres, eu dou um chute na cara do animal e ele me solta a grunhir como se estivesse choramingando. Ele volta para me atacar, mas eu corro, ele é muito rápido também e me atinge com uma das suas pinças a me lançar contra uma árvore.
— Estou cansada de você — falo entre os dentes.
O araferro vem para cima de mim com tudo, desta vez ele vai me ferroar. Eu pego um pedaço bem grosso de galho no chão e o golpeio na calda com tanta força que quebra na hora. O animal recua, nas eu me posiciono ao lado dele e bato na sua cabeça três vezes com a madeira.
Não confiro se o animal morre, então corro diretamente para onde estão os árvomes. Rocadi parece ser tão delicado, se o "pai" dele o pegar, com certeza vai vencê-lo.
Quando chego às pressas para perto deles, eu giro no ar, uma volta completa, e chuto as costas do pai de Rocadi que voa contra uma árvore e desmaia na mesma hora. Ou morre, sei lá.
Não sei onde aprendi isto, só senti que podia fazer. Eu pego o lampião e entrego a espada para o garoto.
— Sabe usar, garoto?
— Sei — assegura o rapaz, ele se apressa em me abraçar.
— Vamos, a noite não acabou.
***
Não demoramos muito para encontrar os guerreiros do Castelo em uma luta travada contra o Mandante Isiton e a sua horda de extremistas.
Nem imagino o que aconteceu antes para que chegasse a este ponto, mas acredito que a Flor deu a localização de onde eu havia ficado para salvá-la e acabaram vindo atrás de mim. Depois de aprender sobre a cultura deles, eu fiquei ótima com deduções.
Pelo que vejo, os guerreiros do Castelo estão perdendo, o Mandante Isiton está lutando contra dez de uma vez só, ele é muito forte. Além de tudo, os gravetanos não são páreos para os araferros que estão sendo o "pivô" da derrota do Castelo. Uma espada só poderá trespassar o exoesqueleto dos escorpiões se usado com muita força. Matá-los não é algo fácil, mas para mim… Eu não teria tanto esforço.
Eu percebo, por entre as árvores, que o Príncipe Metrim está na batalha, ele está lutando com tanta bravura, faz jus ao título que tem.
— Fique aqui — falo com Rocadi e corro para o príncipe que quando me vê, abre o maior sorriso e corre ao meu encontro.
— Rosy de Aster — ele me abraça tão forte que eu penso que ele nunca mais vai me soltar.
— Metrim, ainda estamos no meio de uma batalha — eu o lembro.
Então, ele me solta e me leva para um lugar onde não tem tanta gente.
— Eu pensei que tinha te perdido, temi que estivesse morta. O que aconteceu?
— Olha, não dá para falar agora, precisamos m***r o Mandante Isiton.
— Quem é esse?
— Aquele homem parrudo ali que tá lutando com dez guerreiros do Castelo — aponto para o referido. — Agora são oito.
— Ele é o cabeça de tudo? Pensei que fosse apenas mais um guerreiro mandado.
— Não mesmo, aquele é o líder, tem um poder de influência sobre os homens que o seguem tão forte. Não sei qual o propósito dele para esta terra, mas a morte o acompanha.
— Aquele homem é inatingível.
— Eu posso detê-lo…
— Não, Rosy — Metrim fica bastante preocupado comigo.
— Não se preocupe, se esqueceu do meu poder? — eu aponto para uma árvore. — Olha, naquela direção tem um garoto chamado Rocadi, mantenha ele a salvo.
O Príncipe não me questiona, acata as minhas ordens como se eu fosse sua superior. Por fim, ele me abraça e vai atrás do rapaz.
É um povo que gosta de abraçar.
Eu olho para o Mandante Isiton com raiva, ele e eu temos um assunto inacabado.