Capítulo:XIX. Timidez
" É com prazer que me pego preso nessa sua timidez, é com prazer que bebo de ti com tranquilidade. "
Varuna
A noite tinha chegado e, com ela, o meu nervosismo. Eu estava escolhendo qual camisa usar, a dúvida me corroía entre a branca e a azul-marinho.
Foi quando a porta do meu quarto abriu, e por ela passou Dona Anick.
— Vai sair, meu filho?
— Sim. — respondi, entrando no banheiro à procura do escapulário que Camila me presenteou.
— Não é com Everaldo, é?
— É, mãe. Vamos a uma festa, não me espere para dormir.
— Varuna, Everaldo é um caso perdido, meu filho. Seu pai faz vista grossa para os passos errados do seu primo. Eu não, e...
Coloco o escapulário no pescoço.
— Nossa, que lindo! — comenta, ao olhar a peça.
Sorrio feliz. Minha mãe tem olho clínico para joias.
— Gostou?
— Sim, meu filho. É uma peça simples, mas bem delicada. O que está escrito atrás?
— “A alma nunca morre.” — digo, ainda intrigado com a frase, que não parece a mais indicada para estar em um escapulário.
— É uma frase forte, meu filho. Por que escolheu essa?
Putz... como explicar que ganhei e não comprei?
— Não sei, me veio à mente. — escondo, cubro a existência de Camila com o véu da invisibilidade.
— Use a camisa azul, ressalta mais a cor do seu cabelo. — recebo um beijo de Anick, que deixa o meu quarto dizendo em alto e bom som: — Juízo!
Espero o barulho do trinco, corro na direção de onde deixei meu celular carregando, desconecto o aparelho e procuro no app de mensagens o número de Everaldo. Digito rapidamente uma mensagem para o meu primo:
"Everaldo, estou precisando de um grande favor. Se meu pai ou minha mãe procurar por mim, estou em uma festa contigo. Para todos os efeitos, irei dormir na sua casa."
A resposta não demora a chegar:
"P*rra, tu não é brincadeira, hein. Tá parecendo um adolescente. O que vai aprontar, Varuna?"*
Digito a resposta rapidamente:
"Conhecer o céu através dos olhos de um anjo."
Everaldo manda um áudio curto:
"Eita, carai, catou a galeguinha. Vai lá, eu seguro as pontas."
Coloco rapidamente a camisa, pego minha carteira e as chaves do apartamento do meu avô. Deixo o quarto, colocando o celular no bolso. Desço as escadas com uma leveza enorme.
— Alguém parece que viu passarinho verde — ouço a voz do meu avô.
Viro-me e o vejo vindo do corredor. Olho de um lado para o outro.
— Foi mais que isso, vou encontrar a Camila, vô.
— Varuna, isso não está certo, meu neto.
— Quero aquela menina, vô. Quando estou com ela, tudo fica diferente e, ao mesmo tempo, tenho a sensação de que a conheço.
Raul aperta os lábios rapidamente.
— Não faça besteiras para depois não colidir com o arrependimento. Saiba que essa parede é uma pedreira dolorida, meu filho.
Dou-lhe um beijo rápido. Quero viver o agora, o amanhã depois eu resolvo.
— Tchau, vô, até amanhã. — Dou alguns passos na direção da porta.
— Varuna, arrependimentos não mudam maus passos.
Ouço sua voz soar distante. Atravesso o gramado, apertando o alarme do carro.
Entro e, antes de dar partida, pego o celular e envio uma mensagem para Camila:
"Estou a caminho, minha menina."
Deixo a casa do meu pai com destino a Extremoz. O lugar está sendo o ponto do Rio Grande do Norte de que mais gosto.
Acelero ouvindo uma música que me faz recordar dela. Meu coração sacode dentro do peito. A ansiedade aumenta. A saudade grita. Meu desejo é poder tocá-la, beijá-la e sentir o seu cheiro.
Minutos se vão enquanto me afogo nessa suave agonia. Meu pé pesa no acelerador, minhas mãos suam em contato com o volante. Um arrepio frio segue pela minha coluna, atingindo a nuca. Sorrio, apenas sorrio, sentindo uma alegria tremenda, inexplicável.
O caminho todo vou cantando baixinho, pensando nela.
Assim que o carro entra na rua em que está localizada a pousada, respiro fundo.
— Cheguei, Camila, vem pra mim...
Falo sozinho, como se o vento pudesse levar tais palavras aos ouvidos da menina.
Estaciono um pouco à frente da pousada, espero ansioso enquanto envio uma mensagem informando que estou lhe aguardando. Olho pelo espelho retrovisor e nada dela.
— A mensagem chegou, por que não me responde?
Solto o celular e puxo uma respiração profunda. Não entendo a razão de tanto nervosismo. Fecho os olhos por um minuto, tentando manter os nervos sob controle.
Quando os abro, vejo Camila vindo, andando apressada. Minha boca seca, meu peito aquece, o ar parece rarefeito. Sugo o ar entre os dentes, abro a porta para a menina, que entra com seu jeitinho tímido e delicado, que me encanta.
Bebo dela devagar, sem pressa.
— Boa noite, Varuna. — diz, arrumando o cabelo atrás da orelha.
— Não estava boa, agora está. — digo.
— Por quê?...
— Faltava você. — respondo.
A menina sorri, corando as maçãs do rosto.
Meus olhos percorrem o corpo bonito, coberto por um vestido cheio de estampas de flores.
— Você está linda!
— Obrigada. Você também está lindo.
Me aproximo de Camila, puxo o cinto de segurança para mantê-la protegida.
Nossos lábios ficam a centímetros de distância. Rapidamente, dou-lhe um beijo calmo, cheio de um bem-querer sagrado que já está sacramentado em meu coração.
Nossos olhos se encontram. Toco sua face macia.
— Eu me vejo dentro dos seus olhos, por quê? — indago.
— Não sei... — Camila responde baixinho.
Me afasto, querendo ficar. É intenso e estranho esse magnetismo que nos une.
Coloco o carro em movimento, pego a mão da garota e a coloco sobre minha perna. Quero sentir o calor, a presença e o toque dela.
— Onde vamos? — Camila pergunta apreensiva.
— Praia de Areia Preta. — respondo. — Vou te devolver amanhã para o seu pai.
Camila puxa a mão rapidamente, fazendo com que meus dedos se tornem ágeis. Seguro as pontas dos dedos dela, ao mesmo tempo que piso no pedal do freio.
— O que foi isso? — indago, perturbado com a reação que foi inesperada.
— O que vai fazer comigo? — o medo em seus olhos me detona por dentro, é como sofrer um bombardeio em silêncio.
— Nada que você não queira, Camila. Quero um tempo para nós dois. Não pretendo fazer m*l algum. Se não quiser ir, pode voltar para a pousada. — Dou-lhe o direito de escolher.
— Varuna, eu sou virgem, não faço essas coisas de casais. — O rostinho da minha menina fica mais vermelho do que um tomate maduro.
Sorrio, encantado com a timidez e a vergonha que a embaraçam.
— Pensa que estou te levando a algum canto para fazer s*xo? — indago.
Camila balança a cabeça em afirmação.
— Vamos deixar tudo esclarecido entre nós, tudo bem?
— Uhum.
— Não haverá i********e alguma se não for da sua vontade. E se houver, ficarei honrado. Mas não necessariamente isso ocorrerá em todos os encontros. Boas conversas também são ótimas para passarmos um tempo juntos.
Camila me destina um olhar mais calmo, brando e sem o temor de antes.
— Você é... — ela enrubesce até o branco dos olhos.
— Não. — respondo.
Camila balança a cabeça em afirmação, desviando o olhar. Vejo que morde o lábio inferior.
— Quer retornar para a pousada? — pergunto com calma. Por mais que minha vontade seja tê-la por perto, não posso agir de maneira bruta.
— Não, eu vou com você.
— Tem certeza?
— Sim.
Os olhos dela estão em mim.
Balanço a cabeça em afirmação e volto a colocar o carro em movimento. Troco a canção por outra mais calma e melódica. Pego outra vez a mão de Camila.
— Amo essa canção, é linda! — a voz dela soa baixa.
Aumento o volume. A pequena sorri e ganho a noite.
Me espanto ao ouvi-la soltar a voz, ainda que com um pouco de ressalva.
Abaixo o volume só para poder ouví-la cantar.
Se antes eu sofria de um encantamento, hoje sei que ela me atrai como uma sereia com o poder do canto. E em seu mar, eu me afogo.