Içando velas ⛵

798 Words
"Dia de luz, festa de sol E o barquinho a deslizar No macio azul do mar Tudo é verão, o amor se faz Num barquinho pelo mar Desliza sem parar Sem intenção, nossa canção Vai saindo desse mar e o sol Vejo o barco e luz Dias tão azuis Volta do mar, desmaia o sol E o barquinho a deslizar E a vontade é de cantar Céu tão azul, ilhas do sul O barquinho é o coração Deslizando na canção" Elis Regina ? Diário de Teresa Plath Dia 03/05 Me incomodo com o fato de não ser essa uma obra bem estruturada, com capítulos que sempre conversarão entre si. Certamente esse incômodo advém da angústia perante a falta de controle. Escrevo essas palavras, talvez sem sentido para quem leia, numa tentativa de me compreender. Como diz Santo Agostinho, só se ama aquilo que se conhece, e para ser bem honesta, não sinto que eu me conheça. Portanto, me amar torna-se tarefa muito árdua quando não há qualquer conhecimento sobre a minha identidade, tendo em vista que ela sempre esteve ancorada naquilo que esperavam de mim, no que era mais adequado ao olhar do outro. Esse outro se modificou muitas vezes, assumiu diferentes formas. Esse outro eram os meus pais mas, frequentemente, esse outro era algum namorado, dos vários que eu tive. Ou só uma paixão, das ainda mais diversas que eu tive. Sempre fui dada ao apaixonamento. Sempre busquei, na realidade, o amor dos outros. Apaixonar-se para então receber o amor de volta. Assim eu estaria protegida. Essa p******o poderia resumir-se no meu anseio em formar uma família o mais cedo possível, como fez a minha mãe. Logo, também é sobre ela. Sobre me ancorar em sua trajetória para saber o que fazer com a minha. Afinal, quando não temos uma identidade, uma falha no nosso olhar sobre nós mesmos, tendemos a nos identificar no outro, para só assim ter um norte. Entretanto, ao longo da minha vida, foram inúmeros os nortes, as identificações com terceiros, os desejos anulados em prol do que era mais apropriado ao olhar desses outro a quem eu dirigia meu amor incondicional. Na verdade, não diria incondicional, visto que a condição era sempre a mesma: eu preciso ser tudo em sua vida, e você será tudo na minha. Nos completaremos, como no famoso mito das almas divididas que encontram sua outra metade. Eu me completaria no amor do outro e sanaria o vazio... Ah, o vazio. Provavelmente ainda teremos uma longa, árdua e cheia de percursos sobre ele. Meu fiel companheiro. Quando penso que fui rejeitada por por todos os namorados, por ser ciumenta demais, intensa demais, louca demais, traída demais ou o que quer que seja, eu me lembro que, no fim, o vazio nunca me abandonou. É, talvez eu devesse fazer as pazes com ele. Gostaria de sair desse devaneio sobre vazios, rejeições e desespero para ser amada, para entrar no que me propus a retratar aqui: içando velas. Tenho uma espiritualidade muito acentuada, sempre acreditei em Deus, em nosso Senhor Jesus Cristo e, embora tenha sido criada em uma igreja evangélica durante toda a minha vida, me descobri católica há mais ou menos 1 ano. De vez em quando me pego em dúvida se essa decisão não foi uma forma de subversão com relação ao apego da minha mãe ao protestantismo e a sua completa ira com essa minha mudança. Também já me questionei se essa mudança não teria a ver com o meu ex namorado, com quem vivi 6 anos e até hoje vivo um luto oscilante da nossa separação (ele é católico). O fato é que a minha psicóloga me questionou porque eu sempre acho que todas as minhas decisões se relacionam ao olhar do outro, a uma resposta ao outro, e não sobre o que eu realmente desejo para a minha vida. Sendo honesta, eu ainda não soube responder. Quem sabe, ao final desses tão sinceros relatos, eu tenha alguma ideia. Por ter uma espiritualidade forte, senti, dia desses, o Espírito Santo conversar comigo sobre como eu era dominada por meus pensamentos, de tal maneira que eu me assemelhava a um barco sem vela. Sem direção. Um barco em que o vento sopra e leva para qualquer lugar. Os ventos são os pensamentos, que vem e vão sem rumo. A vela do barco é necessária pois, só assim, se toma as rédeas da embarcação e nos direcionamos para lugares seguros e objetivos. Tive mesmo a sensação de que eu era um barco sem vela, ou mesmo um marinheiro desacordado, sem forças para içá-las e seguir seu caminho. Esse diário é o começo do processo de içar as velas, tomar as rédeas, segurar firmemente uma bússola, desenhar o meu próprio mapa, e seguir a direção do meu desejo.
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