Capítulo III – O Sussurro da Terra

276 Words
A primavera chegava tímida em Salem, como se tivesse medo de desabrochar sob os olhos vigilantes da fé. Era uma manhã em que a neblina ainda dançava entre os galhos, e os pássaros se atreviam a cantar em tons baixos, como crianças desobedientes. Madison estava na clareira do bosque, ajoelhada diante de uma raiz de ginseng que se recusava a se soltar da terra. Murmurava em voz baixa uma canção de invocação, uma melodia tão antiga quanto os nomes esquecidos dos deuses que as mulheres guardavam em segredo. Aradita, que buscava musgo para tingir um tecido, aproximou-se sem querer, guiada pelo som. Ficou parada entre as árvores, observando aquela mulher de cabelos escuros, mãos sujas de terra, que tratava a raiz como se fosse viva. Não era medo que sentia, era reconhecimento. –A raiz não quer ir embora ainda– disse Madison, sem olhar para trás. Aradita hesitou, surpresa por ter sido notada. –Talvez ela precise de uma promessa. Algo que a faça confiar. Madison finalmente se virou, e seus olhos encontraram os de Aradita como se o tempo tivesse parado por um instante. Não houve susto, nem julgamento. Apenas curiosidade e uma leve inclinação de cabeça, como quem reconhece um eco da própria alma. –E o que você prometeria?–perguntou Madison. –Que dela sairia cor para contar uma história. Uma que ninguém ousa dizer em voz alta. A raiz se soltou com um estalo súbito. Aradita riu, uma risada breve, surpreendida. Madison sorriu, discreta. Naquele momento, entre uma planta teimosa e palavras ditas com cuidado, nasceu algo que ainda não era amor, mas que já se recusava a ser esquecido.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD