Camille
A Rocinha era diferente de tudo que eu já tinha visto. Um emaranhado de construções precárias, uma favela que se estendia por morros íngremes, onde a vida fervilhava, pulsando em cada viela, em cada esquina. Havia uma energia crua ali, quase palpável, algo que me fazia sentir ao mesmo tempo pequena e poderosa. Um caos organizado, dominado por uma figura que eu ainda não havia conhecido, mas de quem já ouvira falar bastante. Draco.
Enquanto caminhava pela favela, com minha mochila leve e passos decididos, percebi os olhares. Olhares desconfiados, curiosos, alguns até hostis. Eu sabia que não era bem-vinda. Uma mulher desconhecida, de fora, que ninguém conhecia. Em um lugar como aquele, cada rosto novo representava uma ameaça em potencial.
Mas eu não era apenas um rosto novo. Eu tinha um propósito. Um que eu mantinha bem guardado, escondido sob camadas de charme e sorrisos cuidadosamente ensaiados. Havia muito em jogo. E tudo começava ali.
O sol já começava a descer, lançando uma luz dourada sobre as casas empilhadas uma sobre as outras. O som dos gritos de crianças, das motos subindo as ladeiras estreitas, e da música alta vindo de algum lugar distante, compunha a trilha sonora da Rocinha. O calor era opressivo, fazendo meu corpo suar por baixo da roupa simples que escolhi para me misturar.
Ao entrar em uma das vielas mais movimentadas, notei um grupo de homens à minha esquerda, sentados em cadeiras de plástico ao lado de um bar improvisado. Eles riam e falavam alto, mas, assim que me aproximei, o riso cessou, e os olhos deles se voltaram para mim. Continuei caminhando, ignorando os olhares, mantendo a cabeça erguida, mas com a postura relaxada. Eu não queria parecer uma ameaça, pelo menos não ainda.
“Quem é ela?” ouvi um dos homens perguntar, com uma risada curta, mas carregada de desconfiança.
“Deve ser mais uma querendo se meter onde não deve,” outro respondeu, e os risos voltaram, abafados.
Não me incomodei. Sabia que esse tipo de reação viria. Em lugares como aquele, os homens tinham o poder, e mulheres que se destacavam ou que andavam sozinhas eram vistas com suspeita ou como presas fáceis. Mas eu não era uma presa.
Depois de mais alguns minutos andando pelas ruelas tortuosas, cheguei ao ponto que me fora indicado. Um pequeno bar, escondido no meio de uma esquina m*l iluminada. Lá dentro, a fumaça de cigarro e o cheiro forte de cachaça dominavam o ambiente. Homens jogavam cartas, bebiam e riam alto. Eu entrei sem hesitar, caminhando direto até o balcão.
— O que vai querer? — o barman me perguntou, sem tirar os olhos da garrafa que ele limpava.
— Uma água — respondi, sorrindo de leve.
Ele levantou os olhos, surpreso, e então olhou ao redor, como se tentasse entender quem eu era e o que estava fazendo ali. A água chegou em poucos segundos, e eu agradeci, pegando o copo gelado nas mãos. Enquanto bebia, pude sentir os olhares discretos em mim, dos homens espalhados pelo bar. Eles estavam curiosos, tentando descobrir quem era aquela mulher que não parecia pertencer àquele lugar.
E foi aí que eu o vi. Draco. Ele entrou no bar como se fosse dono do lugar — e, de certa forma, ele era. Havia algo na maneira como ele caminhava, a confiança fria em cada passo, que imediatamente atraía atenção. Os homens se endireitaram nas cadeiras, alguns até pararam de falar. O ambiente mudou assim que ele entrou, e eu soube naquele instante que aquele era o homem que eu estava procurando.
Ele era alto, com ombros largos e uma presença intimidadora. Seus olhos, escuros e penetrantes, pareciam observar tudo ao mesmo tempo, sem nunca perder um detalhe. Draco tinha uma expressão que misturava autoridade e crueldade, como se o mundo ao seu redor fosse uma ferramenta que ele pudesse manipular à vontade.
Fingi não notar sua entrada, mantendo meu olhar no copo de água, mas cada fibra do meu corpo estava alerta. Eu sabia que ele também me notaria em breve. E foi o que aconteceu. Quando seus olhos pousaram em mim, senti o peso de sua atenção. Um momento de silêncio que parecia esticar o tempo, enquanto ele me avaliava de longe.
— Quem é ela? — ouvi sua voz perguntar ao barman, baixa, mas cheia de comando.
— Não sei, chefe — o barman respondeu, nervoso. — Acabou de chegar.
Eu continuei fingindo não ouvir, mas meu coração acelerou. Esse era o momento que eu esperava. A apresentação inevitável.
Draco se aproximou lentamente, seu olhar ainda fixo em mim. Quando ele parou ao meu lado, a atmosfera ao nosso redor parecia ficar mais pesada.
— Você não é daqui — ele disse, sem rodeios.
Levantei meus olhos para encontrá-lo, e por um segundo, deixei um pequeno sorriso aparecer nos meus lábios.
— Não, não sou — respondi, calmamente. — Estou de passagem.
Ele não sorriu. Na verdade, sua expressão permaneceu a mesma, impenetrável. Mas seus olhos... eles pareciam farejar algo. Desconfiado. Curioso.
— De passagem? — ele repetiu, como se saboreasse as palavras. — Ninguém passa por aqui sem um motivo.
Inclinei a cabeça levemente, sem desviar o olhar.
— Talvez eu tenha mais de um motivo.
O silêncio que se seguiu foi quase sufocante. Eu podia sentir os olhares ao nosso redor, as pessoas esperando para ver o que aconteceria a seguir. Mas Draco não parecia o tipo de homem que se deixava impressionar facilmente. Ele me avaliava, tentando entender se eu era uma ameaça ou uma oportunidade.
— Como se chama? — ele perguntou, finalmente.
— Camille — respondi, mantendo a voz firme.
Ele pareceu considerar por um momento, seu olhar viajando dos meus olhos para o resto do bar, como se já estivesse calculando as possibilidades.
— Camille... — ele repetiu, como se testasse o som do nome em seus lábios. — E o que você quer na Rocinha, Camille?
Eu sabia que essa pergunta viria, mas a resposta? Essa eu não entregaria tão facilmente.
— Por enquanto, só quero conhecer o lugar. — Mantive meu tom leve, quase despreocupado, mas com uma pontada de mistério suficiente para deixá-lo curioso.
Draco franziu a testa, mas antes que pudesse dizer mais alguma coisa, um dos seus homens se aproximou e cochichou algo em seu ouvido. Ele assentiu, dando uma última olhada para mim antes de se afastar.
— Aproveite sua estadia, Camille — ele disse, enquanto se virava para sair.
Observei-o partir, sentindo o ar voltar ao normal, mas com a certeza de que aquele não seria nosso último encontro. Eu havia conseguido o que queria: sua atenção. E agora, o jogo começava.
Quando terminei minha água, levantei-me e saí do bar, sentindo os olhares me seguirem até desaparecer na noite. Eu sabia que Draco me investigaria. Sabia que ele não deixaria meu nome desaparecer sem buscar respostas. E isso fazia parte do plano. O que ele não sabia, porém, é que eu já tinha tudo preparado.
Eu havia entrado no covil do lobo, e agora o lobo estava curioso.