Os seis meses que se passaram foram benéficos para a antiga Colina dos Perdidos.
Logo após ganhar a guerra, os homens do Coronel se instalaram e espalharam pelas casas do local.
Durante o percurso do tempo eles aumentaram a enfermaria, criaram uma pequena creche para as crianças do grupo, reformaram uma das residências para transformá-la em uma delegacia, onde a lei (criada e imposta pelo Coronel) deveria ser obedecida, senão os infratores ficariam encarcerados no “presídio” (outro local em que reformaram para ficar os detentos). Além desses pontos importantes, o Coronel promoveu a criação de uma escola no condomínio, com pessoas designadas para ensinar as crianças e adolescentes e, por fim, uma academia e uma casa para treinamento militar.
O Coronel podia ser ruim, sombrio e violento, porém uma coisa ninguém podia negar: ele era muito inteligente e organizado.
Só por esses fatos as pessoas o respeitavam e o temiam.
O homem era tão esperto que mesmo depois de criar todas essas “instituições”, planejou buscas pela cidade de Palmares por geradores, conseguindo instalá-los nos pontos mais importantes do condomínio e ligando-os no máximo três horas por noite para fazer a alegria do povo.
Era exatamente por esse motivo que a relação das pessoas daquele grupo com o Coronel eram boas: elas o temiam e o respeitavam ao mesmo tempo.
Temer pelo fato de que ele é muito bruto e violento, e respeitar porque o homem é simplesmente um gênio.
Todas as ideias dele como líder eram para melhorar a vida do seu grupo, e como recompensa, ficava cada vez mais respeitado.
Um grupo de quatro homens e três mulheres ficou responsável pela manutenção emergencial do condomínio. Essas pessoas eram alguns dos construtores de lá, pois sempre que o grupo de busca ia trazer suprimentos, eles achavam sacos de cimento, tijolos etc.
Todo o material de construção ficava guardado em um depósito no próprio condomínio, e somente o grupo de construção tinha acesso ali.
A enfermaria foi totalmente reformada: mudaram para uma casa maior, pintaram as paredes de branco, trouxeram materiais hospitalares do Hospital Regional (que era próximo dali), leitos, remédios e entre outros mantimentos. No fim, tudo ficou bem organizado, e como no grupo existiam dois médicos e uma médica (dois cardiologistas e uma clínico-geral), eles ficaram responsáveis pela enfermaria, recebendo ajuda de duas enfermeiras que também estavam no grupo, sendo cinco pessoas no total.
A creche, outro local de extrema importância, foi uma ideia de Maria Eduarda, a mulher do Coronel (e que fingiu ser aliada dos antigos sobreviventes do condomínio para poder traí-los mais tarde). No total são onze crianças no grupo, na faixa etária de dois a dez anos de idade. O problema era o seguinte: os pais e mães não queriam deixar os filhos sozinhos para poder realizar as tarefas atribuídas, e mesmo recebendo punições severas, nenhum deles queria “abandonar” os filhos para ir ao lado de fora dos muros. Exatamente por isso Maria Eduarda decidiu criar essa creche a qual ela seria a responsável. Junto com mais quatro mulheres (geralmente com idade avançada) Eduarda se uniu e decidiu encontrar uma casa para poder cuidar e olhar as crianças enquanto os pais delas trabalhavam em prol do grupo (do lado de fora ou não). As crianças permaneciam na creche das sete horas da manhã até as cinco horas da tarde, assim desafogando os responsáveis. Para melhorar ainda mais a segurança, o Coronel designou um homem armado para ficar o tempo inteiro na frente da creche, e dessa maneira resolveu outro grande problema.
A delegacia em si não era nada demais e nem fazia jus direito ao nome. Servia para estocar as armas e munição e lá ficava o braço direito do Coronel e também “chefe de segurança” do condomínio: Alexandre, “o Estripador”. Ele ganhou esse apelido por causa do que fazia com as pessoas que se metiam em seu caminho. Alexandre não só matava como também estripava e degolava seus inimigos quando podia, assim chamando a atenção dos demais e fazendo todos terem medo dele. O Coronel, ao ver que Alexandre era barra pesada, decidiu dar esse posto de chefe de segurança para o rapaz, agradando-o com isso. A maior virtude de Alexandre era a fidelidade, nunca que ele teria coragem de trair o Coronel, tanto pelo fato de respeitá-lo quanto por idolatrá-lo. Já o maior defeito de Alexandre era exatamente o de nunca sentir medo e não ser tão inteligente. Ele era praticamente imbatível, além de ter dois metros de altura e ser visivelmente mais musculoso que o Coronel. Fora isso, a “delegacia” servia para reunião de planos de invasão, abordagem de novos grupos, buscas de suprimentos aos arredores etc.
Já sobre o presídio, o seu chefe era ninguém mais, ninguém menos que Cláudio, o antigo membro da Colina dos Perdidos. Ele ganhou esse posto depois de ter sofrido muito para adquirir a confiança do Coronel, precisando realizar vários atos para garantir que o líder acreditasse na sua boa fé. O tempo passou e Cláudio agora tinha aprendido com seus erros do passado: não era mais tão ignorante e nem explosivo. O que também contribuiu para ele mudar foi a questão de ter apanhado muito logo ao encontrar esse novo grupo, daí ele decidiu se adestrar mais. O Coronel ofereceu o “cargo” na tentativa de analisá-lo, pois o líder pensa como o antigo ditado que diz: “dê poder a alguém e descobrirás quem ele é de verdade”, só que pelo visto Cláudio tem se dado muito bem com tudo isso. Na última refeição do dia, o chefe do presídio faz questão de jogar no lixo a comida de Isaac, fazendo o militar assistir aos outros prisioneiros comer enquanto sofre. Para completar, no presídio ainda tem mais seis guardas que ficam perambulando e olhando de cela em cela. As “celas” na verdade são os antigos cômodos do que antes era uma casa normal, porém os construtores retiraram os móveis e as portas, e no local destas, colocaram grades com fechaduras, e as chaves estão vinte e quatro horas com o miserável do Cláudio, tornando-se quase impossível fugir dali.
Por fim, tem o depósito de comida, que é a área mais protegida do condomínio, contando com dez guardas bem armados que circundam o local e se alternam dia e noite. A responsável pelo depósito é Cris Guimarães, a amiga de Maria Eduarda que também traiu os antigos moradores do condomínio, saqueando a maioria dos medicamentos deles.
Dentro do depósito (que também era uma casa, só que sem móveis e contando somente com mantimentos) tinha dos mais diversos tipos de comida e suprimentos, além de freezers e geladeiras para guardar carnes e itens perecíveis. Todas as vezes que a equipe de busca do Coronel saía, eles traziam no mínimo a picape cheia de coisas.
Além de tudo isso, o que mais chamava atenção na organização do condomínio era que tudo se dividia por equipes.
Existia a equipe de segurança, de afazeres, de construção e de buscas.
A primeira equipe (de segurança) era formada por vinte e oito pessoas dentre homens e mulheres e liderados por Alexandre, “o estripador”. O objetivo dessa equipe era bem simples: fazer rondas diurnas e noturnas sobre todo o condomínio (interna e externamente), garantir a segurança do local, defender de invasores e infectados e planejar invasões a outros grupos (sempre oferecendo a opção de se juntarem a eles). O estripador poderia não ser muito inteligente, mas isso era ótimo para o Coronel, pois o brutamontes se transformava em um fantoche fácil de ser manipulado (sendo que quem fazia os planos e toda as ideias por trás das rondas e batalhas era o próprio Coronel).
A segunda equipe (de afazeres e plantio) era composta por trinta e duas pessoas, sendo sua maioria de homens e mulheres mais velhos ou que não tinham muita força física. Esse grupo era liderado por Maria Eduarda e tinha a responsabilidade de manter a limpeza, organização e afazeres domésticos do condomínio, além de plantar produtos hortifrutigranjeiros nos terrenos abandonados perto dali. Aparentemente é algo simples, porém se for analisar de perto, é um dos grupos com a tarefa mais importante de todas: cuidar das casas do condomínio em si e gerar alimentos. Eduarda dividia todos em grupos de quatro pessoas e os espalhava para cuidarem das demais residências ocupadas, assim garantindo a organização das coisas, bem como definindo os grupos que ficariam responsáveis pelas plantações e colheitas.
A terceira e penúltima equipe (de construção) era a responsável por fazer as obras do local. O Coronel formulava as ideias e passava para o engenheiro e também líder da equipe de construção: Matheus Hasselmann. Matheus é muito inteligente e uma pessoa totalmente pacífica. O Coronel se aproveitava do medo que o engenheiro sentia dele e meio que o forçava a trabalhar para si junto com a equipe dos “pedreiros e ajudantes”. Na equipe de construção de Matheus tinham vinte pessoas, trabalhando pesado para poder realizar melhorias e reformas dentro do condomínio com os materiais trazidos pela equipe de busca. Eles são os responsáveis por cuidar das “instituições principais”, dos pequenos reparos nas casas dos outros moradores, de melhorias no condomínio etc. O bom disso tudo é que Matheus é extremamente criativo, sempre solucionando problemas e tocando as obras para frente.
Já a última equipe (de buscas) era definitivamente a mais difícil de encontrar voluntários e também muito importante. Quase ninguém gostava da ideia de sair do condomínio para buscar suprimentos em locais cada vez mais longe, porém era necessário. Essa equipe era liderada por Dado, um homem extremamente estrategista, esperto e também ótimo atirador, mas que pecava por ser nervoso e muito egoísta. Dado foi escolhido pra ser o líder porque ele não temia o Coronel, mas sim o admirava tanto a ponto de dar sua própria vida se isso fosse salvar o líder de tudo. Chegava a ser surreal o tamanho do respeito que ele tinha pelo seu “chefe”, principalmente depois que o líder vingou a morte de seu irmão Miguel na invasão da Colina dos Perdidos. A equipe de Dado era composta por quinze pessoas. Eles sempre saíam juntos e todos em caminhonetes, as quais partiam em fileira, sem se distanciar tanto, pois, segundo eles: “a união faz a força”. Sempre buscavam por suprimentos importantes e só saíam quando necessário (e nunca desarmados).
Além das pessoas dessa equipe, no condomínio ainda tinha trinta pessoas e no total (tirando os prisioneiros) eram mais de cento e cinquenta membros do grupo, chegando a ser um número surreal naquelas condições, e aumentando a cada mês que se passava.
...
Tudo começou quando o pequeno grupo do Coronel (formado por doze membros) encontrou uma caravana abandonada do exército em Caruaru/PE. O governo, ao ver a desgraça acontecendo diante de seus olhos, decidiu colocar o exército com todos os armamentos e munições possíveis nas ruas, porém já era tarde demais e nada pôde ser feito a tempo.
Contudo, essas caravanas contavam com muito armamento pesado e também estoques gigantes de munição, junto com caminhões e roupas militares.
O Coronel, que não era nada burro, aproveitou-se de ter encontrado uma dessas caravanas (que só tinham em cidades grandes ou importantes) e começou a reunir cada vez mais pessoas rumo a cidades menores, pois seria mais fácil de se defender (por ter menos infectados).
Por coincidência ele decidiu vir à Palmares com sua equipe, firmando-se em um dos bairros mais altos da cidade: a Cohab II.
Depois que descobriram o paradeiro do condomínio (e também da sua segurança), o líder pôs em mente que teria que conquistá-lo, assim preparando seus soldados para o combate, em que teve sucesso.
Fora tudo isso, outra mudança importante foi o nome (os novos habitantes queimaram a placa antiga), que mudou de “Colina dos Perdidos” para “Cidadela”. O líder do grupo em pessoa que escolheu, pois achava mais adequado.
Já o último ponto importante a se citar do condomínio reformulado pelo Coronel e seus homens era o muro.
O muro anteriormente ficava cercado por veículos abandonados, que agora foram incrementados com estacas de ferro retorcido com arame farpado, assim criando uma segunda barreira que impediria de qualquer horda atacar, independente do seu tamanho.
A sensação de segurança ali dentro era absurda, e a quantidade de pessoas também, além de ter atiradores fixos nas varandas de certas casas com vistas para o exterior.
Praticamente todas as casas estavam ocupadas por vários sobreviventes e a vida seguia ali, sendo respeitados os princípios e leis criadas pelo Coronel, que podia não parecer, mas era um homem religioso.
Diante de tudo isso, seria quase impossível para Luiz Felipe concretizar sua vingança.
Nenhum grupo, mesmo fortemente armado, conseguiria passar por todas aquelas defesas sem uma grande dificuldade.
O Coronel era extremamente estrategista e inteligente, conseguindo satisfazer as necessidades de seu povo e ao mesmo tempo garantir uma segurança quase inquebrável.
Agora Luiz deveria se mostrar um estrategista ainda maior, e arrumar um bom plano, além de fortes aliados.
Porém, quem?
Qual grupo forte o suficiente para bater de frente com eles ainda existia nesse mundo desolado?
E se tivesse, por qual motivo eles iriam se pôr em risco?
Essa seria a missão mais difícil da vida de Luiz Felipe.
Mas ele não desistiria tão fácil.
Do seu lado só existia uma única vantagem: a surpresa.
Ninguém sabia que ele estava vivo, até mesmo o Coronel acreditava que ele havia morrido.
Isso era algo para se usar a favor.
Agora ele teria que trabalhar pesado para reverter essa desvantagem quase que total.
Poderia demorar anos...
Mas um dia ele tentaria retomar aquele condomínio.
...
O dia mal tinha amanhecido e o condomínio já estava movimentado.
O Coronel estava montado no antigo cavalo de Luiz Felipe, Dinamite.
O próprio Coronel decidiu manter esse nome por ter se agradado e visto que o cavalo respondia bem ao chamá-lo.
Ele também só descobriu como o animal se chamava por causa de um lenço que tinham botado no peitoral dele com essa nomenclatura (que logo depois disso foi retirado e jogado fora).
Ao lado do Coronel estava Maria Eduarda, cavalgando uma das éguas, quem ela apelidou de “Almofada”, por causa dos passos macios do animal.
— Você está lembrando que é hoje, não é? — afirmou Eduarda, fixando o olhar na parte traseira da cabeça do líder.
— Não precisa me relembrar de instante em instante, querida. Eu sei muito bem minha agenda de hoje, e irei cumpri-la com perfeição!
O Coronel deu leves toques com o calcanhar na barriga de Dinamite e apressou a passada do cavalo.
As equipes já estavam se reunindo para começar seus afazeres do dia.
Logo ao dobrar a primeira rua, o líder deu de cara com Matheus Hasselmann, o chefe da equipe de construção.
Matheus tomou um leve susto ao encarar o tenebroso rosto e logo se recompôs.
— Bom dia, senhor! Como vai? — cumprimentou ele, vendo que o homem montado no cavalo estava muito quieto.
— Bom dia. Tudo indo bem. E você? O que vai fazer hoje?
Matheus era um homem franzino e com cabelos curtos, pretos e finos. Sua pele era branca e o rapaz tinha expressões abatidas, geralmente de insatisfação com tudo, porém ele precisava demonstrar que estava tudo bem, senão poderia desagradar o líder, o que não era aconselhável.
— Vamos fazer alguns reparos nas casas do pessoal e depois iremos ser escoltados para o lado de fora até a quadra que o senhor pediu que organizássemos, lembra? Acho que hoje mesmo ela estará totalmente pronta para as festividades! — respondeu ele, visivelmente cansado.
Também não era pra menos: o relógio não tinha passado das seis horas da manhã ainda.
— Ótimo. Quero isso pra ontem, boa sorte e qualquer coisa me diga. Só pra constar... onde está Alexandre?
Matheus franziu as sobrancelhas e olhou ao redor.
Os outros seis construtores que estavam ali se entreolharam e permaneceram em silêncio.
— Não faço ideia, senhor... desculpe!
O Coronel ignorou Matheus e prosseguiu seu caminho.
Eduarda se aproximou um pouco mais do “esposo” e abriu um largo sorriso.
— Estou adorando esse passeio tão cedo junto contigo. Poderíamos fazer isso mais vezes, sabe? — disse ela, satisfeita com o momento.
O homem sorriu maliciosamente e pegou na mão direita da mulher.
Aquele pequeno ato de carinho fez o coração de Eduarda palpitar com mais força.
— Faremos quantas vezes você quiser, mas antes preciso achar Alexandre, aquele brutamonte tinha que estar preparando o julgamento, e eu tenho a leve impressão que se esqueceu...
Eduarda amava-o loucamente, e seria capaz de fazer qualquer coisa para salvar seu “esposo”, já o Coronel gostava de usá-la como um objeto s****l ou somente para ter alguém com quem dormir à noite, pois não a amava de verdade.
Ao ver o casal galopando juntos, um dos soldados acenou e falou bem alto:
— SENHOR! ALEXANDRE ESTÁ À SUA PROCURA NA PRINCIPAL!
A principal que ele se referia era, no caso, a maior rua do condomínio, onde tinha um pequeno palanque em que ocorriam os julgamentos dali.
Isso era meio que um ritual em que o próprio povo decidia o destino de seus infratores.
Não era justo, porém quem tinha a palavra final era o próprio Coronel, tornando-se um tipo de “monarca”.
O líder acenou positivamente para o soldado que deu a informação e partiu em disparada à principal.
Ao chegar lá pôde ver que no pequeno palanque estava Alexandre de pé (um ruivo muito musculoso e com traços assustadores) e, ao seu lado, um homem bem menor e de joelhos, com as mãos amarradas.
— Finalmente! — urrou o estripador, sorrindo e mostrando seus dentes amarelados e separados.
Perto do palanque tinha uma plateia de aproximadamente umas trinta pessoas, ansiosas para ver qual seria o destino do infrator.
O Coronel desceu do cavalo junto com Eduarda e foi até o palanque, subindo-o com calma.
— Bom dia, meu povo! — começou falando ele, estendendo as mãos carinhosamente.
Aquelas pessoas realmente o admiravam.
Era muito parecido com a paixão que os súditos tinham pelos reis na época medieval.
Todo mundo ou temia o Coronel, ou o adorava, sem exceção.
— Como vocês sabem, temos aqui mais um julgamento, e pelo visto, esse criminoso decidiu não respeitar as nossas leis e costumes...
A euforia da multidão cessou para escutar o líder, e ao mesmo tempo mais pessoas se juntavam àquela plateia.
O palanque em que estavam era feito de madeira e suspendido a pouco mais de um metro e meio do chão, não sendo muito largo e cabendo no máximo oito pessoas nele.
E finalmente as nuvens cinzentas deixaram a chuva cair.
— Esse homem, chamado Jonas dos Santos, teve a bela ideia de ESTUPRAR uma jovem do nosso grupo, chamada de Elisabeth Arruda. O ato criminoso aconteceu na noite passada e foi consumado no meio da rua, aproximadamente às vinte e três horas, sendo surpreendido por dois homens que patrulhavam. Tal crime é TOTALMENTE ABOMINÁVEL na nossa sociedade e estamos tentando criar uma nova era, algo melhor para se viver em que não tenhamos mais assassinos, farsantes, marginais e e**********s. Só que esse indivíduo decidiu violar uma mulher indefesa que, mesmo não sendo casada, tinha todo o direito de dispor de seu corpo como bem quisesse. Não é mesmo? — narrou o Coronel, encarando a multidão e atiçando a fúria deles.
Os gritos começaram a ecoar.
“BANDIDO! VAGABUNDO! FILHO DA PUTA! ESTUPRADOR TEM QUE MORRER! NOJENTO!” urrava a população, esperando somente a permissão para poder destroçar o infrator.
Tudo tinha acontecido na noite anterior, quando Elisabeth decidiu ir até a residência de uma amiga e no meio do caminho foi abordada por Jonas, que a violou e ainda espancou-a, rasgando suas roupas.
A garota de vinte e dois anos só não foi morta porque uma das equipes que estavam fazendo as rondas passou por ali naquele exato momento, flagrando o ato e levando o estuprador até o Coronel em pessoa.
O líder não ficou nada satisfeito com o ocorrido (principalmente por ter sido acordado durante o sono) e bateu no infrator com as próprias mãos, quebrando o seu nariz e arrancando três dedos dele com uma faca.
— Vocês ainda lembram qual a lei mais importante de todas? Quais são as obrigações ensinadas pelo nosso senhor Jesus Cristo, verdadeiro rei do planeta Terra? — perguntou o Coronel, referindo-se a Jesus por ser um homem bastante religioso.
E também por saber que se usasse a religião para manipular o povo, seria bem mais fácil.
“OS DEZ MANDAMENTOS!!!” urrou a plateia, socando o ar em fúria.
Uma das maiores virtudes do Coronel era exatamente essa: falar bem em público, transmitindo emoção.
— Exatamente! O que esse homem fez foi muito grave, então de acordo com os dez mandamentos e também com os nossos costumes, o que vocês acham que devemos fazer com esse lixo aqui? Lhes dou três opções, para ser justo: soltar, prender ou matar! O QUE ME DIZEM? — falou o Coronel, pondo-se bem à frente da multidão, que agora tinha aumentado de trinta para mais de cinquenta.
“MATA ELE! ESTRIPA ESSE MONSTRO! ARRANQUE AS TRIPAS DELE E DÊ PARA OS CACHORROS! MATA ELE LOGO!” implorava a plateia, indignada com o ato monstruoso do rapaz.
— Por favor, senhor... me desculpe! Eu sei que o que fiz foi abominável, mas eu não...
— CALE-SE! — ordenou Alexandre, batendo com o cabo da imensa foice na cabeça do estuprador.
O homem guinchou de dor e abaixou a cabeça novamente, sem ousar se levantar.
O Coronel permanecia com as mãos estendidas e de costas para o infrator, encarando a multidão.
O povo ia a loucura assistindo aquele julgamento.
Eles adoravam tudo isso.
— Então está decidido... ALEXANDRE, FAÇA O QUE TEM QUE FAZER! — ordenou o líder, acenando suavemente com a mão direita.
O estripador sorriu maldosamente, tirou o excesso de água da chuva do seu rosto e passou uma grossa corda ao redor do pescoço do malfeitor, segurando, após isso, uma alavanca.
— NÃO! POR FAVOR! POR FAVOR! — implorava Jonas, o estuprador.
Um atordoante silêncio se instalou na população, esperando pelo ato final.
Até que Alexandre cumpriu as expectativas e puxou a alavanca com força, o que fez o chão de madeira abaixo do criminoso se abrir, matando-o aos poucos com o sufocamento.
A multidão enlouqueceu com a cena.
“JUSTIÇA! JUSTIÇA! JUSTIÇA!” urrava o povo em uníssono, enquanto o malfeitor agonizava.
O Coronel adorava aquilo.
Amava a sensação de poder escolher entre a vida e a morte de alguém.
Aquelas pessoas o respeitavam.
O idolatravam.
Seria quase impossível alguém detê-lo.
Porém esse era o maior pecado que todos os reis da Terra um dia cometeram.
Todos eles, sem exceção, sentiram-se com poderes infinitos.
Mas nenhum realmente tem poder infinito.
Que o Coronel era um grande estrategista e orador ninguém podia discordar.
A organização das suas equipes era o que fazia tudo funcionar perfeitamente.
Mas nem todos naquele grupo estavam satisfeitos com as atitudes de seu líder.
Alguns ainda conseguiam enxergar por debaixo dos panos e ver a verdadeira face do falso messias.
Porém ainda eram poucos.