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1134 Words
Milena narrando – Desculpa, Capitão Lorenzo – eu falo olhando para ele, com a voz mais firme do que eu imaginava que teria naquele momento – Mas eu não posso te ajudar com muitas informações. Eu pouco sei sobre o morro e muito menos sobre os negócios dele. Tudo que eu sei, vocês devem saber também. Ele franze a testa, me analisando como se estivesse tentando decifrar se eu estava mentindo ou apenas com medo. Eu sabia que ele não confiava em mim, e sinceramente, nem eu confiava nele. Desde o momento que a gente saiu do morro, eu sentia que cada passo era calculado por ele, como se tudo estivesse sendo arquitetado antes mesmo de eu abrir a boca. – Você tem uma filha de quatro anos com ele. Vai me dizer que durante todo esse tempo não sabe de nada? – ele cruza os braços, me encarando com intensidade. – Quanto tempo você está com ele? Engulo seco, porque essa pergunta me remete a um passado que eu preferia esquecer. – Eu tinha 15 anos quando conheci ele – confesso, sem desviar o olhar – Tinha perdido a minha mãe há pouco tempo, estava sozinha. Acabei me envolvendo com ele sem saber quem ele era de verdade. E quando eu vi... já não podia ir mais nem na esquina sozinha. Depois eu já estava grávida da Gabi. Eu não sei de nada. Ele permanece calado por alguns segundos, como se estivesse digerindo tudo que eu disse. Mas eu sei que, na cabeça dele, é difícil entender como uma mulher passa quase dez anos ao lado de um homem e não sabe de nada. O que ele não entende é que, no mundo onde eu vivia, o silêncio era uma forma de sobrevivência. – E você vai pra onde depois que sair daqui? – ele pergunta, e dessa vez o tom não é tão duro. – Pro Rio de Janeiro – respondo – Tenho uma amiga que mora lá. Ela vai me ajudar. Eu preciso recomeçar a minha vida ao lado da minha filha. Longe de tudo isso. Longe dele. Ele assente devagar, como se estivesse considerando minhas palavras. – Pensa mais um pouco – ele diz me olhando – Aqui está seu celular. Amanhã de manhã você vai ser liberada. Olho para o aparelho nas mãos dele. Meus dedos tremem ao pegá-lo. É como se eu estivesse recebendo de volta uma parte da minha liberdade. Uma parte pequena, mas importante. – Mamãe – Gabi me chama baixinho – Tô com fome. Olho pra ela, que está sentada na beiradinha da cama, com os olhinhos arregalados de fome e cansaço. – Eu vou trazer comida pra vocês – Lorenzo diz, se virando e saindo do quarto. A porta se fecha com um clique seco atrás dele. Olho em volta. Era um quarto grande, limpo, com duas camas de solteiro, um armário pequeno, uma mesa no canto e um banheiro. Era o tipo de lugar que, visto de fora, parecia acolhedor. Mas para mim, era só outra prisão. A diferença é que agora as correntes eram mais sutis. Pego o celular e respiro fundo. Eu sabia que tinha que ligar para a Claudia. Ela era a única pessoa no mundo em quem eu ainda confiava. Pelo menos eu queria acreditar nisso. Disco o número com mãos trêmulas. – Alô? – a voz dela soa do outro lado. – Claudia, sou eu. Milena – minha voz sai falha – Eu preciso da sua ajuda. – Milena? Como você tá? O que aconteceu? – O Thiago foi preso. Eu tô numa delegacia, num alojamento com a Gabi. O capitão disse que ia me ajudar, mas eu tô aqui dentro e ele quer informação. Eu preciso sair daqui. Eu não tenho pra onde ir. – Milena, calma. Você vai direto pro morro do Alemão. Eu tô fora do Rio com o Gabriel, mas a gente vai dar um jeito. – Mas se vocês não estão lá... – Vai assim mesmo. Procura o DC. Gabriel vai avisar ele que você tá chegando. Ele vai te levar pra um lugar seguro. – Eu preciso sair daqui – repito, quase num sussurro. – Manda sua localização. A gente vai dar um jeito de tirar vocês duas daí. – Obrigada, Claudia. Eu... – A gente chega no Rio em 48 horas. Aí a gente se vê no morro, minha amiga. Até que enfim você se livrou dele. Desligo o telefone com um nó na garganta. Gabriel era braço direito do Thiago, mas largou tudo por causa do jeito explosivo dele. Na época, ele tava conhecendo a Claudia, e mesmo com tudo, ele era um dos poucos que me tratava com respeito. Depois que ele foi embora, Thiago me proibiu de falar com ela. E eu obedeci, porque era isso ou levar surra na frente da minha filha. A gente se falava pouco, às escondidas, mas eu sabia que ela ainda pensava em mim. Agora, ela era minha única chance. Guardo o celular embaixo do travesseiro assim que ouço a porta abrindo. – Oba, comida – Gabi fala animada, vendo o Capitão Lorenzo entrar com uma sacola na mão. – Aqui está – ele diz, colocando a sacola em cima da mesa – Se você lembrar de algo, não esqueça de me contar amanhã. Eu o encaro em silêncio. Ele também me olha, como se tentasse me intimidar ou me convencer de algo. Mas naquele momento, eu já tinha tomado minha decisão. Eu não ia ser mais usada como peça no jogo de ninguém. Não por Thiago. Nem por Lorenzo. A gente comeu em silêncio. Gabi devorava o sanduíche com gosto, como se fosse a primeira refeição de verdade que ela fazia em dias. Talvez fosse mesmo. Eu olhava pra ela e só conseguia pensar em como eu tinha deixado as coisas chegarem nesse ponto. Como eu permiti que minha filha crescesse num ambiente de medo, violência e silêncio. Mas agora, pela primeira vez, eu sentia que tinha uma saída. Uma fresta de luz no fim de um túnel escuro. Eu só precisava ser forte mais uma vez. A madrugada chegou devagar. Gabi dormia agarrada no meu colo, e eu ficava ali, com os olhos fixos no teto, pensando no que nos esperava no Rio. Pensando no que eu diria para o tal DC. Pensando se Claudia realmente conseguiria me ajudar. Mas no fundo, eu sabia que a única chance de ter uma nova vida começava ali. E eu não ia desperdiçar. Logo a porta se abre de novo e eu coloco o celular de volta embaixo do travesseiro, rápida como um instinto. – Oba, comida – Gabi fala vendo Lorenzo. – Aqui está – ele diz – Se você lembrar de algo, não esqueça de me contar amanhã. Eu o encaro.
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