— Eu nunca gostei muito de esperar, mas vocês não acham que essa pizza está demorando muito? — A mãe de Laurine interrompeu nosso assunto sobre filmes — Não é possível que seja somente fome — Ela riu.
— É verdade, me disseram que eram os mais rápidos! — assim que terminei de falar a campainha tocou — Aí! Só pode ser nossa pizza.
Quando eu abri a porta, foi que todo o entusiasmo acabou.
— Boa noite, sua pizza chegou na minha casa — era ele.
— Ops — Foi o que consegui dizer.
— Creio que a senhorita esqueceu de informar que eles entregassem na casa B — Ele segurava o riso, não entendo o motivo para risadas — O entregador pensou que eu era louco de pedir duas vezes uma pizza.
— Me perdoe o incômodo, quanto lhe devo mesmo?
— Por conta da casa — Tá!? Ok. Vemos um garoto bipolar aqui — Vai que você me paga com reais né? — dessa vez ele realmente riu de mim.
— Algum problema, Chérie? — Laurine veio atrás de mim — John? É entregador nas horas vagas agora?
— Pedi a pizza e entregaram para ele.
— Ah! Agora entendo a demora para chegar...
— Sim, ele é um péssimo entregador — debochei.
— Sou mesmo, afinal sei exatamente qual é o meu trabalho, não é senhorita Anne? — Que homem baixo! — Bom, vou para casa, minha pizza me espera — Ele saiu.
— Não vai convidar ele? — Ela me perguntou sussurrando e eu disse “não” enquanto fechava a porta.
— Vamos comer, antes que esfrie.
A pizza estava muito boa, é bem diferente das que encontro no Brasil, mas é deliciosa. Também posso dizer que adorei a presença da mãe de Laurine, me fez lembrar da minha família, sem dúvidas valeu a pena convidá-las para esse "jantar".
Após cerca de 2 horas da saída das minhas convidadas e de eu ter finalizado minha rotina noturna, fiquei longos minutos olhando para o teto, meu questionamento do dia era John, não faço a mínima ideia de como vou lidar com ele. Mesmo que na minha percepção eu tenha tido um desempenho excelente contra aquelas investidas grosseiras, pode ser que um dia eu exploda, afinal a boca fala do que está cheio o coração, mas até isso ocorrer, vou me policiar para ser a mais assertiva e educada possível. Não vou me exaltar desnecessariamente com quem quer provar para Paris inteira que não precisa de uma arquiteta.
Dormir, é, sem dúvidas a decisão mais correta a se tomar, tenho um dia longo pela frente e preciso ter uma noite de sono boa, para me portar de maneira no mínimo adequada amanhã, prevejo muito estresse!
*
O dia começou meio parado, tentei ser ainda mais pontual do que costumo ser. Só quando já tinha me despertado que percebi que não marcara horário nenhum com John, então, presumi que nos encontraríamos no horário de entrada no trabalho.
Ao trancar a porta de casa conferi o relógio, estava dez minutos adiantada, subi as escadinhas que davam acesso à casa principal — ele ainda não estava lá — estou insegura, um sentimento meio novo para mim, já que eu costumo ir em visitas de obra com todo o planejamento e o que eu preciso fazer em mente, é estranho.
Ouço o barulho de porta se abrindo e vejo John, ele está vestindo um jeans e uma bota parecida com a que eu estou usando, quando ele se vira e começa a caminhar até mim, percebo que sua camiseta diz o nome e o logo da empresa “Montez”.
— Salut, Anne — me entregou uma camiseta igual à sua — Pode vesti-la por favor?
— Salut — falei após pegar a camiseta e começar a vestir.
— Entre — ele abriu a porta do passageiro para mim e eu entrei, assim ele a fechou, deu a volta e entrou no carro.
— Antes de sairmos — ele virou para mim — vou te explicar por alto o que veremos.
Suspirei aliviada com essa afirmação.
— Bom, como tinha te dito ontem estamos na fase de construção ainda, encontraremos com o topógrafo e vamos dar o acompanhamento para termos certeza de que eles mediram de acordo com esse projeto — me entregou uma folha A0 — aí tem tudo que precisa saber — quando terminou de falar, ligou o carro e começou a dirigir até o nosso destino.
No caminho, procurei anotar alguns itens que me chamaram a atenção no projeto, pois acredito serem essenciais nessa parte de execução das fundações. Não sou engenheira, mas a convivência em obras faz com que adquiramos muita experiência.
— Chegamos, mademoiselle
Estava tão concentrada que nem percebi a nossa chegada.
— Você é sempre tão desligada?
— E o senhor é sempre tão crítico?
— Respondendo sua pergunta, sou! Isso me faz deixar as coisas da forma mais perfeita possível.
— Eu disse no sentido negativo da palavra — sorri — sabe John, você precisa relaxar! Não estou aqui para tomar seu lugar, vai ficar tudo bem, eu garanto! — abri a porta do carro e saí sem dar espaço para uma resposta.
Os topógrafos chegaram pouco depois de nós, o que me fez agradecer muito mentalmente, o nosso silêncio é ensurdecedor.
— As medições estão corretas, mas não entendi por que não demoliram a antiga construção, eles nem construíram nada, na verdade, só algumas fiadas de blocos e a fundação — eu disse após a conferência.
— Eu esqueci de avisá-la que viemos aqui para decidir isso.
— Sim! A equipe chegará daqui a pouco para começarmos a demolir e refazer a sondagem. Assim teremos certeza de que as informações que nos foram dadas pelo antigo dono estão corretas — um dos topógrafos disse.
— Certo, obrigada pelo esclarecimento — estou tentando, juro, não quero pensar que é implicância minha, vou pensar que ele só esqueceu mesmo.
— Vamos? — John disse e eu o olhei sem entender absolutamente nada — Já terminamos por aqui, só quis te mostrar mesmo, os meninos dão conta sozinhos — ele começou a andar em direção ao carro.
— Mas alguém precisa supervisionar o trabalho deles — o segui.
— Anne — ele parou de andar e eu fiz o mesmo — Aquele moço, é topógrafo, é engenheiro, arquiteto e ainda trabalha para gente! Ele é quem está assinando o projeto. Ele fará o que for preciso.
— Desculpe, estou realmente perdida — confessei.
— Tudo bem — ele disse gentilmente — quando tiver alguma dúvida ou constatação, direcione a mim, assim, te darei todas as respostas! Não precisa se esforçar para saber de tudo, se meu tio te contratou, acredito que sabia o que estava fazendo.
Fiquei sem palavras, então somente assenti. É difícil entender John.
**
Visitamos outras duas obras — essas já estavam quase finalizadas — fiquei horas fazendo apontamentos para os trabalhadores sobre como a definição dos acabamentos deixam o ambiente confortável para a família, foi um tempo muito bom, senti-me finalmente útil, agora entendo por que Seu Montez me pediu para estar aqui.
Algumas vezes não entrei em acordo com John, ele queria fazer umas coisas meio absurdas! Sorte que eu estava aqui para mostrar a realidade da nossa empresa, e claro, ele foi contra tudo, mas meu poder de persuasão o convenceu, creio que seja mais do que isso, eu só estava certa e com bons argumentos.
Fomos em grupo almoçar, em um restaurante perto da obra, conversamos bastante e nos descontraímos contando as principais enrascadas que já enfrentamos nesse trabalho que tanto amamos. É tão bom quando posso conversar com pessoas que amam o que fazem, ainda mais quando entendo esse amor.
Ao voltar para casa que estávamos concluindo, resolvi colocar a mão na massa e ajudar a pintar algumas paredes. Tentei fazer o mínimo de sujeira e olha que até consegui, só não posso dizer o mesmo de mim.
— Mais um pouco e a mademoiselle sai toda pintada daqui — o pintor que estava me ajudando brincou.
— Tem razão — ri da minha situação — pelo menos não sujei nada né? — Ele concordou.
— Anne! O que aconteceu aqui? — John me chamou rindo — Nunca pintou uma parede antes?
— Claro que sim, bobo. Não posso evitar, a tinta me ama.
Ele riu e isso me deixou alegre.
— Por favor, tire a blusa da empresa e se lave, não gostaria que manchasse meu carro.
— Ah! Tadinho do carro dele — peguei o pincel e passei tinta no rosto dele.
— Você não fez isso!? Fala sério — ele tentou não sorrir, mas pude ver que se segurava — Te espero no carro — limpou seu rosto com a mão e saiu.