"enfim, de tudo o que há na terra
não há nada em lugar nenhum
que vá crescer sem você chegar
longe de ti tudo parou
ninguém sabe o que eu sofri"
Oceano | Djavan
Christian tinha me mandando mensagem ás 7 da noite, dizendo que precisava falar comigo.
Eu respondi na hora, perguntando onde ele queria conversar e ele me mandou o endereço. Na hora que li o endereço do local, meu coração apertou e minha mente trouxe memorias antigas.
Memorias da minha mãe.
Eu tentei não me afetar muito com isso, por mais que eu soubesse que não iria funcionar muito bem. O meu amigo precisava de mim.
- Pai? - Chamei ele, descendo as escadas.
Ele não respondeu.
Fui até a sala, vendo ele assistindo algo na TV, muito concentrado. Me aproximei dele, e toquei no seu ombro, o chamando novamente.
- Pai?
- Oi, filha. -Me olhou.
- Então, pai, sabe o Christian?
- O seu amigo da escola? sei.
- Sim, esse mesmo. Então, ele tá querendo me ver, precisa me contar algo muito sério. Precisa ser pessoalmente.
Eu não sabia se era realmente muito sério, mas como o Christian nunca me chamava para conversar, achei que era. E também precisava fazer com que meu pai acreditasse.
- Mas essa hora, Oceana? já está tarde, eu me preocupo com você. - Falou em tom de preocupação.
- O assunto é sério, pai. Christian precisa mesmo de mim! - Implorei com os olhos para que ele deixasse.
- Ok, ok! - Suspirou coçando a cabeça. - Você pode ir.
- Obrigada! - Sorri.
- Tome cuidado, ok? e leve o seu celular. Assim que chegar, me avise.
- Pode ficar tranquilo. - Falei ainda sorrindo.
Peguei meu celular, entrei no aplicativo de conversas e entrei na nossa conversa.
eu: meu pai deixou. estarei chegando em poucos minutos.
christian: ok. obrigada :)
Visualizei e saí da conversa, bloqueando o meu celular.
Antes de sair de casa, subi para o meu quarto para trocar de calçado. Eu não podia sair de chinelo.
Calcei meu allstar e coloquei meu chinelo do lado da minha cama. Depois, desci novamente para sala.
Dessa vez, meu pai estava mexendo no celular e estava com um sorrisinho bobo.
O que era aquilo?
- Senhor John Watson, com quem está conversando? - Falei, fazendo com que meu pai abaixasse o celular, me olhando com uma cara de espanto.
- Oceana, você quer me m***r? eu já estou velho, posso ter um ataque do coração. - Disse ele.
- Não tente fugir, pai. Com quem estava conversando?
- Mas quem disse que ele ataca conversando com alguém? deixa de ser curiosa, menina!
- Ué, eu puxei ao senhor. Ou não se lembra do dia que chegaram vizinhos novos no bairro e o senhor me fez ir até a casa deles para brincar com a filha do casal? - Arqueei a sobrancelha.
Sim, aquilo era sério. Meu pai me fez ir brincar com a filha dos vizinhos, só para saber quem eles eram, de onde vieram... John Watson não passava de um fofoqueiro que obrigava a filha a ajudar ele.
- Vai dizer que você não gostou? me lembro muito bem que depois de tudo você ficou rindo horrores. - Falou com um sorriso no rosto.
E ele estava certo, eu tinha rido muito mesmo.
- Coisa f**a, hein? usando a própria filha, seu velho fofoqueiro! - Falei brincando.
- Oceana Watson, você me respeite! - Ele disse, se fingindo de bravo, me fazendo gargalhar.
- Estou brincando, papai. - Falei, assim que consegui parar de rir. - Preciso ir já.
- Vai de bicicleta mesmo?
- Sim. - Balancei a cabeça. - O senhor sabe que gosto de passear com ela. - Ele assentiu.
- Tome cuidado. Amo você.
- Eu também te amo, velhinho fofoqueiro! - Falei, e ele riu, revirando os olhos.
Aquilo era apenas uma brincadeira, é claro. Meu pai já tinha seus 49 anos, mas era bem conservado. Ele parecia um galã de Hollywood. Sem brincadeiras.
Fui até a porta, abri ela e saí de casa. Peguei a minha bicicleta e subi nela. Antes de pedalar, coloquei meu fone de ouvido e dei play na minha playlist.
Assim que comecei a pedalar, me arrependi no mesmo momento por não ter pegado uma jaqueta. O vento estava gelado e os pelos do meu corpo estavam arrepiados completamente. Bom, agora já era tarde. Eu não voltaria apenas por isso. Eu aguentava.
Enquanto pesava, eu olhava as ruas que eu passava. Tinha muitas artes nas paredes, o que deixava tudo mais lindo. Algumas casas também eram lindas, eram um sonho.
Assim que cheguei no meu destino, desci minha bicicleta e coloquei no estacionamento, onde tinha algumas outras bicicletas também. O local escolhido era uma lanchonete muito famosa na cidade.
Eu costumava ir com a minha mãe nos domingos, passávamos horas por lá. Era divertido. Depois que minha mãe se foi, preferir parar de frequentar. Fazia anos que eu não ia.
Me aproximei da porta, e abri, ouvindo o sininho que tinha na porta tocar. Respirei fundo, caminhando lentamente.
Comecei a observar o lugar, vendo que não tinha mudado quase nada. Os pisos eram em preto e branco, as mesas eram brancas e as cadeiras eram vermelhas. As decorações eram iguais aquelas típicas lanchonetes dos anos 80.
Olhei para todas as mesas, indo até uma que estava vazia, perto da janela que tinha ali. Me sentei na cadeira e coloquei meu celular em cima da mesa.
Me lembro que eu ficava numa mesa onde tinha janela também, mamãe amava ficar perto da luz natural.
- Oceana? como você cresceu, minha filha! - Disse alguém.
Eu estrava distraída e entretida nos meus pensamentos, por isso não vi ninguém chegar. Olhei para o lado, vendo um senhor baixinho, ruivo. Reconheci de primeira.
- Senhor Anthony! - Me levantei para cumprimentar ele, e o senhor me deu um abraço forte.
- Como você está, menina? nunca mais apareceu por aqui. Espero que não tenha sido por algo que aconteceu na minha humilde lanchonete. - Neguei, sorrindo.
- Eu estou bem, e o senhor? e não se preocupe, não parei de vir aqui por causa de nada que aconteceu aqui. - Ele assentiu.
Anthony era o dono dessa lanchonete. Conheço ele desde que vinha aqui com mamãe e papai. Ele era um senhor incrível, sempre nos tratou muito bem, com muito respeito. Quando eu visitava mais aqui, sempre passava na nossa mesa para perguntar se estava tudo certo.
- Estou bem. Senti saudades, menina. Você sumiu desde que... você sabe... sua mãe se foi. Aliás, eu sinto muito por isso. Ela era uma mulher incrível e uma mãe extraordinária. - Ele disse, sendo sincero.
Eu fiquei um pouco incomodada por ele tocar logo sobre nesse assunto da minha mãe, mas entendia que era um pouco inevitável disso não acontecer. E com ele estava até que tudo bem, eu sabia que ele estava sendo sincero. Ele realmente gostava da minha mãe.
Quando teve no enterro da minha mãe, ele foi lá, prestou suas condolências e consolou meu pai. Eu não estava lá nesse dia, tinha preferido ficar em casa. Mas meu pai me contou assim que chegou.
- Obrigada, seu Anthony. De verdade. - Falei, mostrando um leve sorriso.
- Magina. Gosto de você e de seu pai de graça. - Eu sorri.
- Mas então, como vai sua esposa? - Perguntei.
- Ex esposa, menina. Eu e ela não damos muito certo, sabe? brigas demais... - Comentou e parecia triste com isso.
- Eu sinto muito por isso, seu Anthony. Vocês eram um belo casal.
- Obrigada, minha filha. Ela era muito controladora, vivia dizendo que eu ficava com outras mulheres e que eu tinha várias amantes por aí. Claro, algumas mulheres realmente me olhavam, mas fazer o que? eu sou um bom partido. - Disse, se gabando e me fazendo rir.
- Disso eu preciso concordar! - Ele sorriu.
- Olhe, não iluda esse p***e velho aqui! - Gargalhou. - Mas quem sabe a gente ainda volte. Eu ainda amo aquela mulher.
- Torço pela felicidade de vocês. - Ele sorriu.
- Obrigada, menina! - Sorriu também. - Mas então, você vai querer pedir alguma coisa?
- Ah, eu queria só um café preto mesmo.
Ele anotou no papel que tinha nas mãos e depois sorriu para mim, dizendo que já estava tudo ok.
- Bom, eu preciso ir. Estou cheio de coisas para fazer, mas qualquer coisa pode me chamar, ok? sinta-se em casa.
- Está certo, seu Anthony. Obrigada. - Dei um sorriso, e ele saiu indo para o balcão.
Me sentei de novo na minha cadeira e suspirei fundo.
Eu pensava que iria ser pior, que seu Anthony iria me fazer mil perguntas, mas ele foi tão tranquilo, compreensivo. Ele era um senhor muito agradável.
- Oceana, desculpa a demora!
Olhei para a minha frente, vendo que Christian estava parado, me olhando. Dei um sorriso para ele e falei:
- Ei, relaxa! está tudo bem. Se senta aí.
- Eu demorei muito? - Falou e se sentou, ficando na minha frente.
- Não, não. - Ele assentiu, passando a mão pelo cabelo.
- Já pediu algo?
- Acabei de pedir um café.
- Eu vou pedir um suco, então. - Eu assenti.
Christian chamou uma das garçonetes com a mão, e ela veio até nós e ele começou a falar com ela.
- Eu gostaria de um suco de laranja, por favor. - Ela assentiu, pegando sua caneta e o seu papel.
- Sem açúcar? - Perguntou a garçonete.
- Com, por favor. - Disse, e ela assentiu, anotando tudo.
- Trarei em poucos minutos! - Disse isso e saiu, voltando para o lugar em que estava.
Christian estava com um semblante sério. Parecia que tinha algo de muito importante para falar, mas não sabia como começar a conversa.
- Ei, Chris. Está tudo bem? - Perguntei a ele.
- Está, por que? - Perguntou, e eu dei de ombros.
- Ah, não sei... você parece nervoso,preocupado.
Ele suspirou fundo e desviou o seu olhar. Ficou uns 10 segundos sem contato visual comigo, mas logo depois me olhou e começou a falar.
- Na verdade, eu preciso te contar uma coisa e estou meio nervoso com isso, sabe? - Assenti.
- Relaxa. Eu estou aqui e irei te ouvir com calma e atenção. Pode me falar o que quiser. - Tentei tranquilizar ele.
- Obrigada. - Deu um leve sorriso.
Ele abriu a boca para falar, mas a fechou assim que a garçonete tinha trazido o seu pedido junto com o meu. Peguei o meu café e a agradeci, e ele fez o mesmo.
Primeiro, levei a xícara até a minha boca, antes de beber, assoprei para que esfriasse mais rápido. Depois de alguns segundos, tomei o líquido. O café estava muito quente, mas nada exageradamente. Consegui tomar sem me queimar.
Christian também tomou um gole do seu suco e logo depois começou a falar.
- Oceana, primeiro eu quero falar que eu espero que a nossa amizade não mude. Eu gosto muito de você e tenho um carinho enorme. Eu espero de coração que você não mude depois que eu contar a verdade.
- Eu vou tentar ser compreensiva ao máximo e vou ouvir tudo calmamente, ok? - Ele assentiu. - Estou aqui para isso, Chris. - Sorri.
- Eu acho que enrolar vai ser pior, muito pior. Vou começar a contar tudo e vou me embolar, aí nem vou conseguir terminar do jeito que eu quero. - Eu soltei uma leve risada, concordando com ele.
- Estou te ouvindo, Chris. - Encorajei ele a continuar de falar.
Ele me olhou com um certo desespero nos olhos, parecia que estava muito apreensivo. Eu nem sabia o que era, mas já estava preocupada com o ele iria me falar naquele momento.
- Eu... sou gay. - Fechou os olhos, provavelmente para não ver a minha reação.
Ok, eu realmente não esperava por isso. Nunca tinha imaginado isso. Mas estava tudo bem, não estava?
Não é como se isso fosse h******l ou que fosse um crime que ele tivesse cometido. Isso era normal. Bem normal.
- Chris? - Chamei ele, depois de um tempo.
Ele ainda continuava sem abrir os olhos, mas assim que chamei, seus olhos abriram lentamente.
- Olha, eu sei que talvez você não...
- Está tudo bem. - Falei por cima de sua fala, e ele parou de falar assim que me ouviu.
- Está tudo bem? - Perguntou, sem acreditar.
- Está tudo bem, Chris. Você é gay e pronto. Eu entendi. - Ele ainda não parecia acreditar nas minhas palavras.
- E você... não está surpresa, brava ou sei lá, qualquer coisa desse tipo? - Perguntou.
- Eu estou surpresa, muito surpresa, na verdade. - Confessei. - Mas não é como se fosse algo de outro mundo, né? não estou brava por você ser ou nada desse tipo. Está tudo bem, eu juro. Eu continuo gostando da pessoa que você é. - E, por um momento, pude ver seus olhos brilharem e seu semblante ficar mais leve.
- Eu pensava que você poderia ficar brava por eu não ter contado isso logo. Eu tentei, sabe? mas não foi fácil. Toda vez que eu tentava falar, eu travava e as palavras não saíam.
- Eu nem imagina como deve ser isso. - Suspirei forte. - Ter que assumir quem você é. Sempre foi. - Ele assentiu.
- É h******l. Eu fico com medo das pessoas me tratarem m*l ou coisa desse tipo. - Desabafou.
- Quem mais sabe sobre isso? - Perguntei.
- Só você. Ninguém mais.
- Nem a Elizabeth?
- Nem.
Isso era um pouco surpreendente para mim. Elizabeth e Christian era muito amigos, viviam conversando para lá e para cá, imaginava que pelo menos ela soubesse. Mas fico feliz em saber que ele confiou em mim para contar algo tão importante assim.
Se Christian ainda contou, eu que não contaria, né? a decisão de contar é dele, não minha. Eu guardaria o seu segredo.
- E tem mais coisas que preciso te contar. - Disse, e eu olhei confusa para ele.
- Mais? - Assentiu. - O que é?
- Sabe aquela festa que fomos? então, eu encontrei um menino muito bonito e quis ficar com ele. Ele me deu bola e começamos a flertar. Acabou que ficamos mesmo, mas foi aí que a m***a aconteceu. Chegaram uns caras e foram muito homofóbicos com a gente. Falaram palavras horríveis para mim e para o garoto. Até que, depois de um certo tempo, eles começaram a nos bater.
Era muita informação para processar em pouco tempo. Christian tinha sido vítima de homofobia naquela noite. Por isso estava tão machucado, assustado. Eu nem sabia o que dizer para ele, sério.
Por isso, me levantei do local que estava sentada, fui até o seu lado e o abracei do jeito que dava. Foi um abraço sincero, de coração. Ele colocou sua cabeça no meu ombro e ficou por um tempo por ali, como se estivesse descansando.
- Eu sinto tanto por isso, Chris. Tanto. - Comecei dizendo. - Você e nem esse garoto mereciam passar por isso. Ninguém merece.
- Eu me senti tão culpado, OC. Eu me senti uma aberração, como se estivesse fazendo algo de muito errado. - Ele desbafou, já querendo chorar.
- Você não foi o culpado de nada! você não estava fazendo nada de errado, Chris. Pessoas héteros se beijam nas festas, por que você n******e também? é igual a eles, você está fazendo a mesma coisa. Essas pessoas que são erradas e culpadas. Você jamais vai ser uma aberração. Não é f**o e não é errado. Tenha orgulho de quem é.
Ele saiu do abraço, me olhando no fundo no fundo dos meus olhos.
- Eu sei que a Elizabeth é incrível, mas me sinto melhor em saber que você é a primeira pessoa que ficou sabendo sobre isso. - Ele sorriu, limpando as lágrimas que caíam. - Você me ajuda tanto, OC.
- Eu estou aqui para isso, Chris. - Falei, dando um sorriso acolhedor. - Você pode me contar qualquer coisa. Irei ouvir e te respeitar.
- Isso é muito importante para mim, sério. Obrigada mesmo!
- Eu amo você.
- Eu também amo você. - Sorriu.
- Se sente um pouco mais leve depois de ter contado?
- Nossa, parece que tirei 3 elefantes das minhas costas. - Comentou, e eu rir.
- Que bom que você está mais aliviado. Fico feliz em saber disso. - Sorri.
- OC, não conta nada para ninguém ainda, ok? ninguém sabe mesmo! nem a Elizabeth, minha mãe, a minha família, as pessoas da escola... ninguém.
- Seu segredo está guardado comigo, Chris. - Falei, passando a mão nas suas madeixas.
Ninguém iria ficar sabendo. Não por mim.