CAPÍTULO 5

884 Words
POV CAM Se você quer entender um lobo, não olhe para os dentes. Olhe para os olhos. Na natureza, os olhos dizem tudo: quem é o alfa, quem está com medo, quem vai atacar. No território norte, onde o concreto é tão frio quanto a moral da maioria dos líderes, os Lycans não usam colares ou marcas no pescoço. Nós usamos olhar. E o meu, segundo o meu pai, era bom demais pra alguém que não queria liderar p***a nenhuma. Ele estava sentado à minha frente agora. Postura ereta, o tipo de homem que parece carregar o mundo nas costas… mas que só carrega o próprio ego. — Está demorando demais, Cam. Já devíamos ter caçado esses malditos distribuidores de DreamFire há semanas. — rosnou ele, com a voz pesada e sempre carregada de julgamento. — Se sairmos feito loucos, vamos invadir território dos outros. Vai começar uma guerra. — respondi, calmo, com a xícara de chá ainda quente entre as mãos. Meu pai bufou. O tipo de som que antecedia discursos longos ou gritos. — Você foi criado pra isso. Preparado. Os Lycans não hesitam. Nós atacamos. Nós... — Nós morremos. — completei, encarando-o. — Já temos três corpos. Três. Dois eram da nossa segurança. O outro, um garoto de dezessete anos que nem sabia o que tava usando. Ele me olhou como se eu tivesse cuspido na história da família. — Você é fraco demais pra esse cargo, Cam. Sorri, tranquilo. Como sempre faço. — Pode ser. Mas ainda tô respirando. E observando. Me levantei, peguei o casaco de couro pendurado na cadeira. As paredes da sala estavam cobertas de armas, troféus de caça e fotos antigas de combates que formaram a lenda da nossa linhagem. Não havia uma foto minha ali. Eu nunca pedi que colocassem. Não fazia sentido. Pra mim, liderar não era sobre glória. Era sobre proteger. Saí da sala antes que a discussão escalasse. A sede dos Lycans era instalada num casarão antigo de pedra e madeira, fortemente modificado por dentro. Era uma fortaleza em tudo, exceto nas coisas que importavam: comunicação e empatia. Atravessando os corredores, encontrei Amaru, meu braço direito. Um tanque humano, com quase dois metros de altura e olhos vermelhos de tanto usar colírio. Era leal. Violento. E me respeitava… por enquanto. — Os caras da fronteira sul mandaram mensagem — disse ele, já andando ao meu lado. — Achamos marcas de venda de DreamFire numa das vielas próximas ao centro. — E os corpos? — Dois. Um morto. Um internado em estado vegetativo. Ambos tinham frascos com a mesma substância. Respirei fundo. Senti o peso da merda crescendo em volta do território. — Vamos até lá — disse, com a mão na alça do coldre. — Quero ver de perto. Amaru assentiu, já avisando a equipe. Três motos estavam preparadas em cinco minutos. Partimos antes que o sol sumisse do horizonte. A fronteira com o centro-sul era um lugar que fedia a abandono. Bueiros abertos, prédios decadentes, adolescentes quebrados no chão com olhos fundos de quem não dorme há dias. E no meio disso tudo, o garoto. Tinha talvez quinze. A pele pálida, lábios azulados, e um vidro com resquício de brilho na mão. DreamFire. O nome parecia bonito demais pra tanta destruição. — O que temos? — perguntei ao agente da base médica local, uma mulher de trinta e poucos anos com cara de quem não dormia há três dias. — Pulso baixo, pupilas dilatadas, paralisia parcial. Euforia antes da queda. — respondeu ela, sem tirar os olhos da prancheta. — E o fornecedor? Ela me lançou um olhar cansado. — Boatos dizem que o garoto comprou de um “forasteiro”. Alguém que apareceu de repente nas raves clandestinas. Olhos claros. Tatuagem no pescoço. Corvo n***o. Arfei, gelado. — Corvo? — É o que dizem. Olhei pra Amaru, que já tinha ouvido o nome antes. Corvo. O mesmo nome que rodava entre os Serpentes e Filhos de Lilith. Agora nos nossos becos também. — Ele tá nos testando. — murmurei. — Empurrando cada facção pra reagir. — Quer que a gente ache esse desgraçado? — Ainda não. Quero que a gente pare de jogar xadrez separado. Ele tá vendendo droga em todos os territórios. Ou a gente age junto, ou vai perder tudo. Amaru me lançou um olhar cético. — E você acha que Laurent e Lilith vão jogar limpo? — Não. Mas talvez joguem por instinto de sobrevivência. Mais tarde, no meu quarto, enquanto limpava minha arma em silêncio, meu celular vibrou. 📩 Mensagem confidencial — codinome “Olhos Negros” “Reunião entre facções. Um m****o por território. Proposta por Ailin. Em três dias. Local neutro será informado.” Arqueei uma sobrancelha. Ailin. Nunca gostei do estilo dos Filhos de Lilith. Beleza demais, veneno demais. Mas se ela estava propondo aliança… a coisa tava feia. Fechei os olhos por um momento. Respirei fundo. O pai dizia que eu não nasci pra liderar. Talvez ele estivesse certo. Mas eu nasci pra proteger. E se isso significasse confiar em gente que odiava? Então que fosse. Levantei-me. Peguei meu colar, o pingente com o símbolo dos Lycans: um lobo em meia lua. E sussurrei a mim mesmo: — Que venha a alcatéia... mesmo que ela seja feita de monstros.
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