EP 9

1421 Words
Clara Menezes Volto a abrir o caderno outra vez. Sinto um misto de ansiedade e medo cada vez que viro uma página, como se as palavras da Lila pudessem me queimar as mãos. No fundo, sei que nenhuma revelação será tão impactante quanto a última, quando ela escreveu sobre aquele homem. Ainda assim, minha respiração acelera, porque não tenho certeza do que posso encontrar. Até agora, nada confirma se Andrew Lancaster chegou a saber da gravidez. É como se esse pedaço essencial da história tivesse sido arrancado, apagado de propósito. Não há menção de uma conversa direta, não há sinais de que ela tenha revelado ou que ele tenha suspeitado. Apenas linhas quebradas, confissões jogadas de forma quase crüel, como se Lila tivesse decidido me deixar nesse labirinto sem saída. Ela escreve que o conheceu. Que se envolveu com ele. E que, depois, precisou sair. Só isso. Nenhum detalhe de quem deu o primeiro passo, de quem disse a primeira palavra, ou de como as coisas terminaram. É como se Lila tivesse riscado as bordas do desenho e me deixado encarregada de preencher o meio, sem dar sequer a cor certa. Misterioso demais. Confuso demais. Fecho os olhos e suspiro. Ela quis esconder ou simplesmente não conseguiu escrever tudo? Será que teve medo de alguém descobrir o caderno? Será que quis se proteger, ou me proteger? Ou será que foi apenas uma vergonha de mim? A minha mente gira. Tento me distrair e, para não enlouquecer, abro o celular. Passei os últimos dias mergulhada em pesquisas, e quanto mais leio sobre Andrew Lancaster, mais me convenço de que Mateo é filho dele. Não há como negär. Mas, eu sou teimosa e gosto das coisas claras e objetivas. A empresa de carros de luxo é apenas a fachada mais visível. Andrew tem investimentos em diversas áreas: imóveis, tecnologia, empresas de eventos, vinícolas. Ele parece estar em todo lugar. Um verdadeiro império. Também descobri que já foi homenageado, recebeu prêmios, participa de palestras exclusivas. O tipo de homem que não precisa se expor demais e nem de forma sem sentido para ser lembrado, porque o poder dele já ecoa por si só. Raramente concede entrevistas, aparece apenas em eventos importantes, mas viaja com frequência. Um homem reservado e, ao mesmo tempo, inacessível. E eu… eu cheguei ao ponto de entrar em um blogue que fala da vida de bilionários. Encontrei um artigo inteiro sobre a família Lancaster, fotos, rumores, notas sociais. E, no auge do meu desespero, usei uma IA para criar uma simulação de como seria um filho dele. É, eu cheguei nesse nível de desespero. O resultado me tirou o fôlego. Mateo é assustadoramente parecido. O mesmo formato de olhos, o mesmo desenho da boca. Eu me sinto patética por ter feito isso, mas não consigo ignorar. Mateo é filho dele. Eu sei. Sinto um puxãozinho na minha blusa e olho para baixo. Mateo está grudado em mim, como sempre. Os seus olhos redondos me observam com curiosidade, como se quisesse entender o peso que carrego. Tento distraí-lo, colocando alguns dos brinquedos coloridos ao alcance dele, mas ele logo se arrasta até mim de novo. — Vai brincar um pouco, meu amor… — Peço, mesmo sabendo que ele só quer colo. — Titia aqui está maluca... louca de pedra! Ainda assim, consigo fazer com que ele se distraia por alguns minutos. Aproveito a brecha e corro para a cozinha. Pego a fruteira e começo a preparar umas frutinhas amassadas para ele. Desde que comecei a introduzir frutas, sinto que economizo um pouco no leite, mas, claro, nada substitui o preferido dele. Amasso com calma, transformo em uma pastinha doce e fresca. Trago de volta para a sala e me sento no tapete com ele. Vou dando cada colherada devagar, e ele come com gosto. Sempre teve um apetite enorme, meu gordinho lindo. As suas bochechas se movem enquanto mastiga de forma engraçada, e eu sorrio, mesmo com o coração pesado. Depois que termina, o levo até a varanda para pegar um pouco de ar fresco. O sol da manhã está suave, a brisa é leve. Mateo brinca com o meu cabelo, enrola os fios entre os dedinhos, ri baixinho. É nesses momentos que sinto que tudo vale a pena. Estamos acordados há horas, porque esse lindo aqui não quer dormir. E nós dois assistimos o dia amanhecendo. Pelo menos, eu acho que enquanto eu trabalho, ele estará dormindo. Tomara! Logo voltamos para dentro. Coloco alguns brinquedos no tapete, ajeito o cercadinho para que ele não apronte, e abro o caderno outra vez. Ainda tenho um tempo de sobra aqui. As próximas páginas não trazem nada de extraordinário. Apenas relatos do dia de Lila: tarefas cumpridas, ordens recebidas, breves diálogos com pessoas da casa. Vou lendo uma sequência quase monótona, mas não consigo parar, porque sei que, de repente, pode vir uma bomba. E vem. Ela fala de uma festa na mansão. Uma daquelas noites intermináveis em que precisou trabalhar até tarde. O texto é detalhado: a preparação, o movimento intenso, as horas exaustivas. Pela data, minha memória desperta. Eu lembro. Lila já havia me contado que, em algumas ocasiões, precisava ficar a noite inteira servindo nessas festas. Sempre achei uma loucura. Muitas horas sem descanso, noites maldormidas, um corpo cansado demais para uma vida tão curta. Não era brincadeira! Ela já organizava tudo durante o dia e ainda tinha que estar lá na hora e depois de acabar. Sempre achei desumano, mas ela não queria discutir e ia. Ela mesma dizia que não valia a pena. Mas a necessidade falava mais alto. Respiro fundo, continuo a leitura. Então me deparo com as palavras que mudam tudo: "Eu estava indo pegar mais bandejas para preparar as bebidas e servir, mas ali, fui puxada e beijada por ele. Nem acreditei! Mas aconteceu e eu deixei. Foi um beijo tão insano que fiquei embriagada. Mas, depois, ele sumiu." O meu corpo inteiro se arrepia. Um beijo repentino. Minha irmã cedendo. Eu quase não reconheço a Lila que conheci. Como que alguém a beija assim do nada e ela deixou? Mas não para por aí. No dia seguinte, ele pediu desculpas. Alegou que tinha bebido demais, que estava animado demais e se redimiu, mas confessou que lembrava perfeitamente. Disse que foi perfeito. E dali em diante, algo mudou. Lila escreveu que ele começou a procurá-la, puxava-a discretamente para conversas, oferecia bebida, criava uma proximidade escondida. Uma amizade que, pouco a pouco, se tornou mais perigosa. Eles conversavam escondidos por horas, coisas bobas e risos sem sentido. Mas, teve um prazo. E então, numa noite em que beberam além da conta, ultrapassaram os limites. Dormiram juntos. E isso se repetiu. Várias vezes. Um ciclo que Lila confessa ter perdido o controle. Eu leio, incrédula. Cada linha é como um soco no meu estômago. Lila sempre me mostrou ser tão cuidadosa, tão invisível como eu e tão sensata. Eu fico realmente desconcertada lendo isso, porque parece que foi outra pessoa que escreveu. E, no fim da página, as palavras que me fazem tremer: "Eu engravidei de Andrew Lancaster e me coloquei em perigo. Em um perigo enorme e que só vi depois." Os meus olhos ficam fixos nessa frase, repetindo-a mentalmente como um eco interminável. É isso. A confirmação que eu temia e, ao mesmo tempo, precisava. Mesmo sabendo, era isso que eu precisava ler! Ela não deixou margem para dúvidas. Não falou em suposições. Não falou em “talvez”. Ela escreveu o nome dele. Andrew Lancaster. Mateo é filho dele. Filho de um homem rico, poderoso e inacessível. E agora? Como que ela deixou isso acontecer? Eu sinto as lágrimas virem, quentes, escorrendo sem que eu consiga segurar. O caderno cai no meu colo e, por um momento, só consigo ouvir a respiração tranquila de Mateo brincando com os brinquedinhos dentro do cercadinho. O contraste é crüel. Ele, inocente, risonho, feliz. Eu, esmagada por um segredo que pode mudar o destino de todos nós. O destino dele! Fecho os olhos. Aperto os dedos contra o caderno. A vida de Lila era um enigma, e agora percebo que ela quis me deixar apenas com peças soltas, como se tivesse medo de que eu completasse o quebra-cabeça. Mas eu já completei. E a imagem formada é assustadora. Mateo não é só meu sobrinho. Ele é herdeiro de um império. Filho de um homem que nunca soube da existência dele. E isso… isso pode mudar tudo, porque bem aqui ainda diz que ela nunca contou a ele!
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