5- DUDU

1472 Words
CAPÍTULO 5 DUDU NARRANDO E aí, favela… Aqui quem tá falando é o Eduardo. Ou melhor… Dudu, como geral me chama aqui no Complexo da Maré. Tenho 28 anos, sou cria dessa p***a aqui, nascido e criado no meio da quebrada, do corre, do fogo cruzado e da correria de quem sobrevive primeiro e sonha depois. Filho único da dona Cida, uma mulher que é mil grau. Guerreirona mesmo. Criou eu sozinha, sem ajuda de ninguém. Meu pai? Nem sei o nome. Só sei que meteu o pé antes de eu aprender a andar. Deixou minha coroa com um barrigão e um mundo nas costas. Nunca apareceu, nunca mandou p***a nenhuma. Mas quer saber? Nem fez falta. Porque minha mãe foi pai, mãe, conselheira e soldado. Costurava pras vizinha, fazia faxina nas casa dos outros, vendia quentinha… tudo pra botar comida no prato e não deixar faltar o básico. E mesmo quando a gente não tinha nem gás em casa, ela dava um jeito. Fazia miojo no tijolo, café no fogão de latinha e ainda sorria. Minha rainha. Cresci nesse mundão aí, mas não cresci sozinho. Desde molequinho, meu parceiro era o Breno. O cara que hoje vocês conhecem como Cabuloso. Nós era vizinho de porta, dividia bolacha, soltava pipa, jogava bola descalço no campinho de terra. Crescemos juntos, no corre juntos, ralamos juntos. Vi o pai dele tombar na minha frente, vi ele subir no caixote ainda novo e assumir o morro no grito, no sangue, na moral. Desde aquele dia, eu virei a sombra dele. Hoje sou o sub da Maré. O homem de confiança. O que resolve. O que executa. O que carrega o sistema nas costas quando o Cabuloso precisa respirar. E minha mãe? Hoje ela vive bem. Casa maneira, toda arrumadinha, cheia das plantinha que ela ama. Tem máquina de costura top, mesa farta e até televisão grandona que eu dei de presente. Mas sabe o que ela mais gosta? Costurar. Faz roupa pras vizinhas ainda. Não porque precisa, mas porque gosta. Diz que se parar de mexer com agulha, fica doente. — Eu não nasci pra ficar de perna pro ar, menino… — ela vive dizendo. E eu deixo. Deixo porque é o mundo dela. Mas não deixo faltar nada. Ela me criou com coragem, e hoje vive com dignidade. Isso é o mínimo que eu podia fazer. Eu também moro bem. Casa maneira, com quintal, moto na garagem, ar-condicionado nos quartos e som alto quando eu quero. Mas não me iludo, tá ligado? Sei que tudo isso pode virar fumaça num piscar de olho se eu vacilar. Aqui é assim: ou tu comanda… ou tu vira estatística. E eu escolhi comandar. Junto com o Breno. Irmão de coração, de guerra, de caminhada. Ele confia em mim de olho fechado, e eu confio nele igual. Já matei por ele. Já tomei tiro por ele. E se precisar… morro por ele também. Aqui na Maré, a lealdade é a moeda mais cara que existe. E eu sou rico de verdade. Agora… deixa eu te contar uma parada que nem eu esperava que ia viver. Sempre fui da p*****a. Sem romance, sem apego, sem aliança. Pegava geral, trocava de mulher como quem troca de meia. Tinha certeza que esse papo de fiel não era pra mim. Até que um dia, num baile aqui na quebrada… tudo mudou. Baile bombando. Som no talo, camarote estourando de gelo, favela pulsando no batidão. Eu tava na minha, com uns parça, bebida na mão, cordão no peito, tranquilão. Até que ela apareceu. Adriana. A mulher mais linda que eu já vi entrar naquele baile. Morena, corpo no ponto, cabelo liso batendo nas costas, short jeans rasgado, blusinha colada e uma atitude que me travou. Ela veio com umas amigas, dançando como se o mundo fosse dela. E talvez fosse mesmo. O jeito que ela rebolava sem forçar, o sorriso debochado, o olhar que dizia “não me impressiona fácil”… eu fiquei hipnotizado. Fui pra perto, sem nem pensar. E ela me viu chegando. Não desviou. Não se fez. Só olhou e falou: — Vai encarar ou só vai ficar pagando de patrão? Foi aí que eu soube: já era pra mim. Troquei ideia, ela bateu de frente. Me tratou como qualquer um, sem se deslumbrar com nome, fama, arma ou posição. E eu? Me apaixonei ali mesmo. Depois daquele dia, não teve mais ninguém. Convidei pra voltar. Convidei pra morar comigo. E ela topou. Hoje, faz dois anos que a Adriana é minha mulher. E, sem exagero, a melhor parte da minha vida. Ela cuida da casa, mas não é dona de casa. É mulher de atitude, opinião forte, e ao mesmo tempo carinhosa com minha mãe. Nunca se meteu no meu corre, mas tá sempre me fortalecendo. Me equilibra. Me traz pro chão quando eu viajo. Me lembra que por trás do fuzil, tem um homem. E esse homem é dela. Minha mãe? Ama ela. No começo ficou com receio, achando que ia ser só mais uma. Mas viu que a Adriana é diferente. Viu que ela respeita, que tem educação, que senta na cozinha pra tomar café e perguntar como foi o dia. Hoje elas se dão tão bem que às vezes eu chego em casa e as duas tão costurando junto, rindo de coisa que nem sei o que é. E meu coração fica em paz. Nunca pensei que ia falar isso, mas… Adriana é minha fiel. A única que me conhece no olhar, que sente meu silêncio, que segura minha bronca e ainda me faz sorrir depois de um dia de tiro e luto. E por ela… eu mato e morro. Quem me conhece sabe: Sou frio com os inimigo, calculista no sistema, mas com ela? Sou homem. De verdade. Tava na rua resolvendo uns B.O. da boca. Um vapor que sumiu com grana, outro que tava metendo o louco nas entrega, e ainda uma contenção que bateu cabeça no rádio e quase deixou polícia subir sem aviso. Sistema tem que tá redondo. E quando não tá, quem bota no eixo sou eu. Mas hoje, sei lá… deu uma agonia no peito, um peso estranho. Terminei o corre e resolvi passar em casa antes do previsto. Queria ver minha mina. Sentir o cheiro dela. Só ouvir a voz já me acalma, tá ligado? Subi o beco rápido, cabeça cheia de pensamento, mas na porta de casa… o coração já aliviou. Abri a porta devagar, e assim que entrei, vi ela ali… sentada no sofá, com os olhos cheios d’água. — Eita… que foi, meu amor? — larguei a chave no móvel e fui até ela na hora, já puxando pro meu peito. Ela me abraçou forte. Apertado. Daqueles abraços que pedem socorro sem palavra nenhuma. Beijei o topo da cabeça dela e segurei no queixo pra olhar nos olhos. — Fala comigo… que foi que aconteceu? Ela respirou fundo, tentando conter o choro, mas os olhos marejados entregavam tudo. — É a minha irmã, Dudu… a Aline. Ela tá passando por um inferno lá em Foz do Iguaçu. O marido dela… aquele tal de Carlos… tava batendo nela. Humilhando. Mantendo ela trancada em casa. E ela nunca me contou nada. Descobri agora, numa ligação desesperada. Ela me ligou chorando, dizendo que bateu com um vaso na cabeça dele e fugiu. Tá vindo pra cá… pra se salvar. Fiquei em silêncio por uns segundos, deixando as palavras dela ecoarem. Eu já tinha ouvido falar da Aline, claro. Adriana sempre falou dela com brilho nos olhos. Da irmã mais nova, escritora, sensível, cheia de sonho. O orgulho dela. Sabia o quanto essa mina era importante pra minha mulher. E se ela era importante pra Adriana, era importante pra mim também. — E ela tá vindo já? — perguntei, passando a mão no rosto dela, tentando acalmar. — Tá. Me ligou da rodoviária. Pegou um ônibus pra cá. Mas eu não queria decidir sozinha… queria saber se… se tu deixa ela ficar aqui com a gente, até conseguir se ajeitar… — Ô, meu amor… — interrompi, olhando firme nos olhos dela. — Tu nem precisava perguntar isso. A casa é tua. A família é tua. Então é minha também. Ela pode ficar o tempo que quiser, entendeu? A gente vai dar tudo que ela precisa. E se esse desgraçado aparecer atrás dela, vai conhecer o lado certo da bala. Ela me abraçou mais forte ainda. E dessa vez chorou de alívio. E eu fiquei ali… segurando a mulher da minha vida, acolhendo a dor dela, protegendo quem ela ama. Porque é isso que homem de verdade faz. E se tem uma coisa que eu aprendi com minha mãe… é que quando a gente ama uma mulher de verdade, a gente cuida de tudo que faz parte dela. Continua .....
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