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Vamos caminhando preguiçosamente, trocando as fofocas do dia da nossa turma. Logo, Marciele comenta que vai para Campos nesse fim de semana.
— Mas e o Rômulo? Ele vai com você também? — pergunto, encarando ela.
— Ele vai estar de serviço — responde, sem parecer muito animada.
Rômulo é o namorado da Marciele. Ele acabou de entrar para a Marinha e ficou um tempo embarcado. Graças a Deus, já voltou. Eu não aguentava mais ouvir o choro da Marciele naquela época. Foram longos meses em que ela vivia pelos cantos, melancólica, até ele voltar. Desde então, não se desgrudaram mais.
— Você tá mesmo disposta a namorar com aquele menino? — ela pergunta quando viramos a esquina da minha rua.
— Não sei... quando nos conhecemos eu senti um friozinho na barriga. Acho que preciso conhecer mais sobre ele. A gente nunca ficou, então não sei se vai ser bom. Mas queria ter certeza de que conseguiria namorar com ele, porque se minha mãe não deixasse, eu nem ia perder meu tempo — digo pensativa, quase me esquecendo de que ela ainda estava ao meu lado.
Fico surpresa por ter colocado em palavras o que até então eram só fragmentos na minha cabeça. Talvez eu esteja mesmo me precipitando...
Marciele me encara séria e sacode a cabeça.
— Você precisa parar com isso! Não é porque todas as suas amigas estão namorando que você tem que ter um namorado, Bianca — ela diz, brava.
— Não é isso! — tento me defender.
— Então é o quê? Esse desespero todo pra começar um namoro? Você nem tá interessada de verdade nesse menino, só tá jogando nele a responsabilidade de entrar com você nessa competição i****a de quem tem namorado e quem não tem! Você é tão inteligente... vai mesmo se deixar levar por essa besteira? Você sempre disse que ia esperar o momento certo. Vai errar logo agora, só por pressa? — ela me encara como uma verdadeira irmã mais velha, me dando um esporro e expondo o grande erro que eu estava prestes a cometer.
No fundo, eu sei que ela tem razão. Talvez eu não tenha sentido absolutamente nada pelo Júnior. Talvez seja só essa vontade absurda de ter um namorado que tá me fazendo acreditar que senti. Eu preciso parar e pensar um pouco antes de fazer besteira.
Continuamos caminhando em silêncio em direção à minha casa. Marciele tinha me dado muito em que pensar. Eu estava prestes a me colocar numa situação para a qual talvez nem estivesse pronta. Era provável que eu fosse quebrar a cara — feio. Mas era tanta pressão... ao mesmo tempo em que eu queria, eu não queria. Estava num dilema dentro de mim. Tinha medo de acabar não me encaixando nas conversas das minhas amigas, de não ter nada pra acrescentar.
Quando chegamos perto de casa, avistamos o Rodrigo — irmão da minha mãe — no portão com um amigo dele.
— Nossa, quanto tempo que não vejo o Rodrigo — diz Marciele, enquanto eu observo ele de longe.
— É... eu também — na real, eu meio que fujo dele. Não sei, ele me dá um certo medo.
Ele sempre teve esse jeito meio rabugento. Não sei se ele tenta ser o tio chato ou se é só a cara dele mesmo, mas é isso que parece. Sempre mantive uma certa distância. Sinto um tipo de desconforto estranho na presença dele. Um sensor apita dentro de mim toda vez que ele está por perto, e até hoje não consegui entender exatamente o porquê.
Marciele começa a rir do nada, e eu a encaro sem entender.
— O que foi, menina? — pergunto sorrindo junto, sem saber do que.
— Lembra quando você tinha um crush nele? — ela fala, gargalhando, e eu começo a rir também, meio sem graça.
— Ah, nossa... isso faz muito tempo — digo, desconfortável, sem querer lembrar.
É estranho.
Rodrigo é seis anos mais velho que eu. Quando eu tinha sete anos, ele tinha só treze. Eu era uma criança e falava que ele era o meu "príncipe n***o"... eu sei, cafona. Mas era a magia do mundo encantado onde eu vivia. Lembro que ele me pagava dez — às vezes até vinte e cinco — centavos pra fazer massagem no pé dele. Eu era uma criança, mas já fantasiava ele como o príncipe da minha festa de 15 anos. Já tinha imaginado nosso casamento, cavalgando pela praia, de mãos dadas...
É, eu não tinha muita noção das coisas. E também, ninguém nunca me ensinou a chamá-lo de "tio", e isso não tinha o peso que tem hoje pra mim. Ele nunca teve maldade nenhuma, e eu também não. Era só fantasia de criança.
Depois, com o tempo, ele parou de me pagar pelas massagens e começou a se interessar pelas menininhas da rua, pelas baladas. A gente quase não se via mais, mesmo morando na mesma casa. Hoje ele tá no quartel, vive de serviço, e só aparece nos finais de semana — quando eu, geralmente, tô na casa da minha vó.
— Ele tá tão forte — declara Marciele, observando.
Tenho que concordar. Rodrigo estava maior, com músculos bem definidos. O rosto parecia mais quadrado do que antes, e a cabeça raspada por causa do quartel deixava ele com mais cara de homem. A pele n***a brilhava ao sol como se tivesse sido polida. Bonito demais. Daqui não dá pra ver, mas ele tem os lábios carnudos que, confesso, já imaginei beijando... Rodrigo sempre teve porte de homem mais velho, sério, centrado. Agora estava ainda mais bonito. Um pouco fascinante demais.
É claro, ele me vê como uma sobrinha — e esse é o certo! Querendo ou não, a irmã dele é minha mãe. Entre nós, era só uma fantasia boba de infância. Algo impossível. Um escândalo.
— Vou indo pra casa. A gente se fala por telefone — diz Marciele, quando chegamos perto do portão.
— Tá bom. Beijo — me despeço ainda tentando organizar os pensamentos.
O amigo do Rodrigo me examina dos pés à cabeça, sem conseguir disfarçar. Rodrigo também me olha por um momento, mas seu rosto sério não diz nada. Ele tem 19 anos agora — faz 20 na semana que vem — mas quem olha vê um homem feito, talvez de trinta. Ele lança um olhar duro para o amigo, que desvia os olhos de mim na hora.
— Oi — digo, chegando ao portão.
— Oi — ele responde, meio irritado. Passo direto.
O olhar do Rodrigo sempre me intimida. Parece carregar um bilhão de enigmas, algo impetuoso que me tira o fôlego. E isso não mudou com o tempo. Continuo tendo a sensação de que estou saindo do chão toda vez que ele me olha.
Corro pro banheiro e tomo uma chuveirada tentando não pensar mais nisso. Lavo o cabelo, enrolo na toalha, vou para o quarto — que divido com minha tia Rosane — e procuro uma roupa melhor. Penteio o cabelo, termino de me arrumar. Depois arrumo minha bolsa e vou em direção ao quarto da minha vó Gina, que está deitada vendo TV.
— Olá — ela diz sorridente quando empurro a porta e boto o rosto pra dentro.
— Oi, vó. Vim ver a senhora antes de ir — digo, abrindo mais a porta.
— Já vai mesmo? — pergunta enquanto me aconchego na cama.
— Sim.
— Mas será que vai mesmo? — ela diz sorrindo, me observando me achegar mais e mais.
Ela me conhece bem.
— Só um soninho e eu vou — respondo, já de olhos fechados.
Ela dá uma risadinha e começa a alisar minha cabeça. Minha mãe deve estar no trabalho. Ela tem uma loja de roupas, e minha tia Rosane trabalha com a irmã mais velha delas, que é gerente de uma outra loja.
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— Bianca...
Uma voz grave, baixa, chama no meu ouvido e me desperta. Abro os olhos e encaro o rosto de Rodrigo bem perto do meu. Seus lábios, carnudos e próximos demais dos meus, me dão até água na boca.
Fico um pouco atordoada.
— Oi — digo, ainda tentando entender o que está acontecendo.
— Sua mãe está te ligando — ele diz, me encarando firme.
Engulo em seco, me levanto da cama. Minha avó já não estava ali, e Rodrigo me observa caminhar até a cômoda onde o celular está tocando.
— Oi, mãe — atendo. Vejo Rodrigo sair do quarto de soslaio.
Suspiro.
— Filha, sua tia tá me ligando preocupada com você — diz minha mãe, com a música ambiente da loja tocando ao fundo.
— Acabei cochilando, mas já tô indo — digo, bocejando.
— Tudo bem. Só não demora. Quando chegar lá, me avisa — ela diz, preocupada, e eu concordo.
Minha mãe não teve outros filhos. Ela se casou com meu padrinho, que era da Aeronáutica, mas infelizmente ele morreu num acidente de carro. Eu era só um bebê. Talvez por isso ela se apegue tanto a mim.
Pego minha bolsa pronta no quarto, depois minha bicicleta, e vou embora pra casa da minha avó materna.