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Puxo a cordinha do portão da minha vó e, lá de dentro, minha irmã mais nova coloca a cabeça pra fora da janela.
— Biaaaa! — ela grita, e sai correndo pra vir atrás de mim.
Isabelle tem 10 anos e é o nosso xodó.
Abaixo o descanso da bicicleta ao lado do portão e abro os braços para abraçá-la.
— Oi, garotinha — beijo o topo de sua cabeça. — Tudo bem? — pergunto, indo pra dentro de casa abraçada com ela.
— Tô bem, pensei que não vinha mais — ela reclama.
— Acabei dormindo depois da escola — explico, entrando na sala. — Bença, vó — cumprimento minha avó materna, com quem tenho mais contato.
Meu relacionamento conturbado com meu pai acabou me afastando da família do lado dele. Na época em que minha mãe era viva, eu era muito grudada nos meus primos.
— Deus te abençoe, minha filha. Você demorou, hein — beijo a testa dela, que está sentada no sofá, de frente pra televisão.
— Eu sei, mas já cheguei pra perturbar vocês — faço uma careta e ela começa a rir quando faço cosquinha.
— Ai, ai — tenta me afastar, rindo. — Sua tia foi comprar as coisas pra fazer bolo de fubá — ela diz, alisando as mãos. Lambo os lábios.
— Huuum, que delícia…
Ela ri da minha cara de pidona. Vou para o quarto que compartilho com as minhas irmãs e coloco minhas coisas na cama em que durmo. É uma triliche. Carol, provavelmente, está na faculdade. Ela é minha irmã mais velha, faz contabilidade, e só mais tarde vamos conseguir nos ver.
Mesmo com o sermão da Marciele, minha ansiedade pra ver o Júnior só aumentou desde que cheguei aqui. Estou nervosa. Quero saber o que vai acontecer quando a gente se beijar.
— Vou ali na Stefani — aviso, indo em direção à rua.
— Também vou pra rua — Isabelle diz, correndo atrás de mim.
Ela encontra nossa prima Lorrayne no portão, e logo as duas começam a brincar. Cumprimento o pessoal que não estava quando cheguei. A rua agora já está cheia. Aqui, a maioria cresceu junto — e os que não eram nossos primos, viraram.
Vou até o portão da Stefani e grito por ela.
— Pô, tu demorou, hein — minha prima reclama.
— Acabei dormindo — digo, puxando ela pelo braço. — Vamos lá no Júnior comigo? — chamo, ansiosa, e ela sorri.
— Espera aí, vou trocar de roupa rapidinho — ela sai correndo pra dentro de casa. Reviro os olhos. A ansiedade tá me consumindo.
Nesse meio tempo, minha tia chega. Dou bença e aviso que vou na praça com a Stefani. Ela diz pra eu tomar cuidado e entrar depois pra lanchar.
— Vamos — Stefani diz, me puxando em direção à casa da Natália — irmã do Júnior.
É só duas ruas de distância. Natália é amiga da Stefani, estudam juntas, e foi na casa dela que conheci seu irmão.
Começo a ficar nervosa. Eu queria que algo diferente acontecesse. Não quero namorar por namorar — é claro que quero um namoro, tô cansada de ficar sozinha, todas as minhas amigas têm alguém, e eu passo os fins de semana sem ninguém —, mas quero que seja de verdade. Alguém que mexa comigo. Que me faça me sentir bem. Amada.
Tocamos o interfone e a voz da tia Patrícia soa pelo alto-falante:
— Oi?
— Oi, tia Pati, a Natália tá em casa? — Stefani pergunta.
— Tá sim, tá no quarto. Vou abrir pra vocês — nesse momento, ouvimos o barulho do portão automático destravando. — Vê se abriu — ela diz.
Empurramos o portão.
— Sim! — respondemos juntas.
Entramos pela sala e vamos direto pro quarto da Natália. Batemos na porta e ela manda entrar.
— Por que vocês não me avisaram que estavam vindo? — pergunta, toda descabelada, em frente ao computador.
— Ai, que susto, garota. Vai pentear esse cabelo — Stefani zoa, e nós duas rimos.
— Ah, palhaçonas… — Natália faz cara de tédio e vai se arrumar no banheiro.
Nos sentamos no computador dela e começamos a olhar nossos perfis do Orkut. Íamos entrar no MSN, mas Natália logo volta.
— Ah não, não vamos ficar trancadas aqui dentro — ela diz, e Stefani revira os olhos.
— Vamos jogar totó — sugiro.
Eu não queria ficar no quarto. Queria ver o Júnior chegar. Depois de alguma insistência, convencemos a Stefani e fomos para o quintal. Natália me disse que ele ainda estava no curso e que chegaria em uns trinta minutos. Já tinha imaginado isso. Estava em cólicas.
Jogamos mais um pouco numa competição acirrada. Me distrai até o momento em que Júnior entra no ambiente.
Meu coração acelera. Acho que é ansiedade.
— Nem me esperaram pra jogar, hein — ele diz, tirando a mochila das costas e vindo em nossa direção.
— Vai tomar banho, Júnior! — tia Patrícia grita da cozinha.
Ele me lança um sorriso de lado e vai pra dentro de casa. Stefani me olha animada. Sorrio de volta. Estou começando a sentir alguma coisa — e isso é incrível. Finalmente vou gostar de alguém.
Tia Patrícia traz um lanche que m*l consigo comer. Estava guardando espaço no estômago pro bolo de fubá.
Júnior não demora pra voltar. Ele também parece ansioso. Pega o lanche e senta do meu lado.
— Como você tá? — pergunta, mordendo o pastel e me encarando.
— Tô bem, e você? — pergunto, retribuindo o olhar.
— Um pouco cansado, mas bem — responde, dando de ombros enquanto mastiga.
Sorrio. E foi só isso. Eu estava nervosa. Queria beijar logo, mas não queria parecer atirada demais.
Logo engatamos numa conversa em grupo. Estávamos animados, planejando ficar na rua até tarde.
— Assim a gente passa mais tempo juntos — Júnior sussurra no meu ouvido, e eu sorrio, envergonhada.
Eu queria ficar a sós com ele. As meninas sabiam disso — e, em pouco tempo, saíram de fininho, nos deixando sozinhos.
— Pensei bastante em você esses dias — ele diz. Sorrio.
— Sério? — pergunto, tentando me recompor.
— Sim. Tava louco pra beijar sua boca — ele se aproxima mais.
Sinto uma vontade estranha de recuar. Talvez não seja o momento. Me precipitei. Não tô preparada. Mas não tinha mais o que fazer. O momento que esperei ansiosamente chegou — e eu queria sair correndo. Só deixei acontecer porque tive medo de parecer boba.
Júnior chega ainda mais perto e segura minha nuca. Seu hálito invade meu nariz e não me agrada. Viro o rosto um pouco pra trás, mas ele não repara. Me puxa com mais força e acaba machucando meu pescoço.
— Ai — reclamo, tirando a mão dele com pressa.
— Desculpa — pede, sem graça, meio desanimado.
— Tudo bem — respondo rápido demais. Queria desistir, mas não queria parecer rude.
Vamos lá, Bianca, para de ser covarde.
Me inclino pra frente, esperando sua boca. Vejo os olhos de Júnior se iluminarem, um pouco antes dos lábios tocarem os meus.
Ele começa num ritmo louco. Tenta, de qualquer jeito, enfiar a língua na minha boca. Mantenho a boca fechada. Seu gosto me incomoda. O desespero me dá ânsia.
— Abre um pouco a boca — ele pede, ofegante.
Mas eu estava com nojo. Ele me babava. Os dentes batiam nos meus. Um horror.
— Agora não — falo, me afastando. — Tenho que ir pra casa. A gente se vê mais tarde — digo, me levantando. Ele sorri, como se eu tivesse ficado atordoada com o beijo maravilhoso dele.
Só que não.
— Tudo bem. A gente continua mais tarde, então — ele diz, planejando outro beijo. Dou apenas um selinho, com os lábios quase sem encostar, e saio o mais rápido possível.
Contaria tudo pra Stefani e Natália depois. Agora, só queria desaparecer.
Estava decepcionada.
Além de não ter sido bom, foi péssimo. A única coisa que senti foi nojo.
Ele não sabe beijar!
Tá bom, eu também nunca tinha beijado de língua. Mas, meu Deus! Tenho certeza de que não é daquele jeito. Aquela língua pegajosa, enorme, querendo invadir minha boca… se eu tivesse aberto, ia parar na minha garganta.
Que horror!
Chego em casa às pressas e vou direto escovar os dentes. Precisava desesperadamente tirar aquele gosto da minha boca.
Quando saio do banheiro, percebo que minha irmã já tinha chegado da faculdade. Dou um abraço nela e vou comer o bolo. Estava uma delícia. Valeu a pena ter deixado espaço no estômago.
— Vamos ficar no portão hoje? — Carol pergunta, enquanto vemos um filme.
— Eu vou sim. Será que vai ter queimado? — pergunto, animada.
— Ah, eles devem jogar. Eu vou ficar só olhando — ela diz.
Carol já tem 19 anos. Claro que não ficaria correndo com as “crianças”. Mas ela gostava de sentar no portão e conversar com nossos primos.