Micaela
Aqueles segundos inf*ernais de rejeição se transformaram em minutos, depois horas de consciência pesada, depois dias e semanas de lenta agonia. Agora, meses depois, cheguei à conclusão de que a dor é uma constante. Por mais que eu encontre felicidade momentânea nas conquistas que conquisto com a mamãe, em cada ultrassom e nos chutes dos meus bebês, a sombra da tristeza e da dor está sempre comigo, quase imediatamente arruinando esses momentos.
Queria poder viver todos esses momentos com ele.
Ainda respiro fundo na escuridão, me recuperando do que aquela lembrança ardente da última vez que Caio e eu estivemos juntos me causou. Não sei como ele pôde passar de tão apaixonado e possessivo a me olhar com indiferença e desgosto em tão pouco tempo. Ainda acho impossível conceber como tantos anos de amor incondicional foram por água abaixo.
Os meus bebês estão começando a se mexer, depois que a minha barriga saliente não está mais tão dura. Sorrindo um pouco, passo as mãos sobre ela, apreciando as protuberâncias que eles causam na minha barriga. Gosto muito de brincar e interagir com eles. São bebês muito ativos, principalmente à noite, quando aprendi a ignorá-los quando quero descansar. No começo, eu tinha dificuldade para dormir quando eles faziam as suas festinhas, mas agora preciso senti-los para pegar no sono.
Nós três nos adaptamos bem.
— Meus amores, vocês podem nos dizer qual é se*xo de vocês hoje? Murmuro.
Só sei o se*xo de um deles, o mais próximo de "sair do armário", como diria o meu médico. Ele um menino, a quem darei o nome de Cassio, em homenagem ao meu avô materno. Caio e eu concordamos em dar esse nome a ele se tivéssemos um filho. Para ser sincera, nunca pensamos em ter uma menina. Ele costumava dizer que teríamos o nosso time de futebol e que todos cuidariam de mim para sempre.
Enxugo o rosto para secar as lágrimas, mas não adianta. Nos últimos meses, o restaurante ganhou muita popularidade graças ao dinheiro investido em publicidade. Mamãe e eu estamos até pensando em abrir outra filial administrada por Austin e Pauline, que eu sei que estão planejando se casar, embora eles não digam isso para não me magoar. Todo esse sonho que mamãe sonhou está se realizando, mas ainda não consigo superar o que aconteceu, e o meu coração se parte mais a cada dia porque não tenho notícias de Caio e porque ele não voltou.
Por que você não percebe que eu sou digna de você agora? Penso enquanto soluço com o rosto entre as mãos. Os meus filhos ficam parados, como se entendessem que não posso me concentrar neles agora.
— Caio. Sussurro. — Por que você não me ama mais? O que eu preciso fazer para ter você de volta?
Desesperada por meus sentimentos, saio da cama e vou sentar no parapeito da janela. Não consigo mais me encolher por causa do tamanho da minha barriga, mas o lugar ainda me traz algum conforto.
— Quando você vai voltar, meu amor? Ainda estou esperando por você; os nossos bebês precisam tanto de você, e eu também.
As lágrimas fluem sem parar por um longo tempo. Não importa o quanto eu faça terapia, não consigo me livrar dessa sensação de melancolia que me invade constantemente.
— Volte, volte, por favor. Sussurro repetidamente até o céu clarear. — Eu te amo e sei que você pode me amar de novo.
— Filha, bom dia. Diz mamãe, espiando pela porta. Vendo o meu estado, ela entra e caminha na minha direção. — Minha princesa, pesadelos de novo?
— Não, foi um sonho lindo, de quando ele me amava. Confesso, e ela se senta ao meu lado. — O que há de errado comigo? Virei uma garota feia?
— É absurdo da minha parte responder isso quando você sabe a resposta. Ela responde, pegando as minhas mãos. — Você sabe muito bem que é uma mulher linda, que vale muito a pena derramar lágrimas por ele. Até Iris, que é a mãe dele, diz o mesmo.
— Mas então...
— Às vezes não há respostas para as nossas perguntas, meu amor. No entanto, ele te deu uma, e você tem que seguir em frente.
— Eu não vou desistir. Eu sussurro.
— Você vai, dê tempo ao tempo, meu amor. Ele levanta as mãos e enxuga as minhas lágrimas. — Temos que sair cedo hoje, ok? A mercadoria vai chegar.
— Sim, mãe, preciso só de alguns minutos para ficar pronta.
— Meus lindos netos. Ela cumprimenta, tocando a minha barriga e inclinando-se para beijá-la. — M*al posso esperar para conhecê-los; só precisamos esperar mais um pouco.
— Um deles pode ser uma menina.
— Sim, provavelmente é porque ela não se deixa ser vista. Isso aconteceu comigo quando estava grávida de você. Ela admite, rindo. — Eu te amo, pequena, prepare-se para o café da manhã logo.
Assim que ela me deixa sozinha, eu me arrumo imediatamente. Adoro que a mamãe me distraia, que ela não pareça mais tão angustiada e que ela entenda a minha dor. Ela sempre me apoiou, sendo o que eu preciso.
Depois do café da manhã, nós duas vamos para o restaurante. Lá encontramos Austin e Pauline, que nos cumprimentam rindo e segurando pequenas camisas de futebol. Sinto tanta ternura que praticamente corro até eles para abraçá-los.
— Meu Deus, que coisa linda! Exclamo, fascinada. — Onde...?
— E vem com uma saia, caso um deles seja menina. Diz Pauline, puxando uma saia curta que me faz rir.
— Muito obrigado, pessoal.
— Queremos que vocês sejam felizes. Austin acaricia a minha cabeça. — Esses pequenos jogadores de futebol serão tão bons quanto eu.
— Oh, Deus, não os amaldiçoe antes da hora. Diz Pauline, estremecendo. — Coitadinhos.
Nós três rimos, exceto Austin, que nos encara.
— Trio de bruxas.
Mamãe o belisca no braço.
— Não seja rude, garoto. Vou contar para o meu irmão para que ele...
— Tá, tá, por favor. Implora Austin. — Vou me comportar, desculpe, tia.
— Tá. Agora, vamos trabalhar.
Apesar da sonolência que eu sentia e de não parar de pensar nele, consigo me concentrar em separar as mercadorias que chegam e dar ordens para os novos funcionários que contratamos. Tudo isso me faz sentir útil, mais capaz e digna de um dia ser esposa do Caio, de ele e o pai mudarem de ideia sobre mim.
— Você não está animada com o ultrassom? Valeria me pergunta quando vamos ao consultório. — Finalmente vão confirmar o que o bebê é.
— Isso se aparecer. Eu rio. — Espero que sim, para poder chamá-los pelo nome.
— Sim. Aliás, a Iris me disse que chegaria um pouco mais cedo para ir com você, porque queria pegar algo nos correios no caminho. Acho que ela me disse algo assim.
— Sim, ela me disse. Concordo com a cabeça enquanto organizo as pastas que a mamãe deixou desorganizadas para poder atender alguns clientes que acabaram de chegar.
— Minha menina, estou orgulhosa de você. Ela diz, alegre. — Você conquistou tanto em tão pouco tempo, é incrível. Agora todo mundo está lutando para vir aqui.
— E em breve iremos para lugares ainda mais exclusivos. Digo, sorrindo. — Mamãe merece.
— E você ainda mais, por tudo o que passou. Sinto muito pelo que aconteceu ontem à noite, mas agora vejo que você está mais forte do que nunca.
— Ontem à noite? O que aconteceu ontem à noite?
Valeria franze a testa.
— Não... Nada. É que eu pensei que às vezes você ainda via coisas sobre... aquele cara. Ah, não me dê atenção, ok?
— Tudo bem. Minto.
— Sinceramente, não vale a pena você continuar se preocupando com aquele cara. Ela me diz antes de sair correndo.
Sentindo que não consigo respirar direito e ignorando os movimentos rápidos dos meus filhos, pego o meu celular e me tranco no banheiro. Com as mãos trêmulas, digito o nome do meu ex-sogro, já que ele é o famoso. Tudo o que descobri sobre o Caio foi por meio dele.
Você não deveria fazer isso, Micaela. A minha consciência me avisa, mas é tarde demais. Em poucos segundos, encontro a última notícia: um vídeo em que eles comemoram a conquista da Liga dos Campeões com o time, algo que não acontecia há muitos anos.
— Não, não, não.
Caio e ela estão mais próximos do que nunca, num camarote particular. Eles até sorriem um para o outro com conhecimento de causa, como se não quisessem que ninguém os interrompesse. Ver isso é tão doloroso, se não mais, do que o que experimentei naquele dia. Ele a ama. Não foi apenas um impulso repentino ou algo que me deu esperança de que o seu amor por mim não tivesse morrido.
— NÃOOOOO!
O meu celular cai das minhas mãos e as minhas costas batem com força contra a parede. Não consigo parar de tremer e chorar, enquanto sinto todas as paredes ao meu redor ruírem e o chão tremer sob os meus pés. Nada disso está acontecendo. Sou eu quem está desmoronando e não consigo atender aos apelos da mamãe enquanto ela tenta abrir a porta do banheiro.
— Eu não quero isso, eu não quero isso, eu não quero isso. Pelo amor de Deus, eu não quero mais isso. Por favor, Deus, por favor. Eu não quero mais dor, não mais, não mais.
O meu estômago dói, mas ainda estou tão envolvida pela dor que m*al consigo sentir o que realmente está acontecendo. Algo dentro de mim implora para que eu me acalme, mas estou fora de controle. Estou sem fôlego e sinto que a minha cabeça vai explodir.
— Micaela, abre, filha.
Os apelos da mamãe me fazem correr para a porta, numa última tentativa de nos salvar, pois a minha bolsa estourou. No entanto, estou tão tonta que m*al consigo segurar a maçaneta, que escorrega das minhas mãos enquanto o meu corpo cai para trás.
Meus bebês, mãe, me ajude. Me salve disso, não quero perdê-los. Eu também quero viver, quero esquecer isso. Penso desesperadamente antes de sentir um forte impacto que parece estourar a minha cabeça e convulsionar o meu corpo.
Mais uma vez, transmito à minha mãe a imagem mais aterrorizante de todas: ver a sua filha em perigo.