Delegacia

1343 Words
A viatura da polícia deslizava pela noite de São Paulo, o som da sirene, contido para não atrair atenção desnecessária, era um sussurro agudo que perfurava o silêncio do carro. O ar ali dentro era uma mistura nauseante de couro sintético, suor e metal. O oposto absoluto do luxo perfumado do meu carro blindado, o qual, neste momento, provavelmente estava a caminho de um local seguro, sob o comando dos meus homens. Eu estava no banco de trás, a mão sobre o joelho, os dedos tamborilando levemente, uma dança invisível que era a única manifestação externa do meu tumulto interior. Por fora, eu era Gabrian Varella, o homem de negócios impecável, sereno e inabalável. Por dentro, eu era uma tempestade de fúria e cálculo. A minha mente, que havia previsto e planejado cada passo nos últimos dez anos, estava em uma espiral de perguntas. Como ela me encontrou? Como ela sabia? Os meus olhos se moveram pela paisagem urbana que passava pela janela. Os prédios de vidro e aço, as luzes de néon que brilhavam em anúncios de publicidade, os carros que passavam, cada um com a sua própria história. Eu os via, mas não os enxergava. A minha mente estava presa em uma cena: o salão de baile, o caos, e ela, a delegada, a rainha das sombras. Ela era ainda mais imponente do que eu havia imaginado. A sua presença era um eco do meu próprio poder, uma força magnética que me atraiu e me repeliu ao mesmo tempo. A sua hostilidade me irritava e me intrigava. Ela não me tratava como um homem de negócios, um magnata. Ela me tratava como um criminoso. E o pior, ela me chamou pelo nome. Ela estava me provocando, e eu gostava disso. Eu nunca tinha visto uma mulher como ela. Todas as mulheres que eu havia conhecido eram previsíveis. Elas queriam luxo, poder, e Gabrian Varella era o caminho para tudo isso. Elas eram como flores que floresciam na luz do sol. Eliza Ferraz, pelo que eu via, era uma sombra. E eu era o rei da escuridão. O fato de que ela me tratava com hostilidade, me fazia querer conquistá-la ainda mais. Eu queria quebrá-la, eu queria ver a sua máscara de seriedade desmoronar. Eu queria que ela me desejasse, tanto quanto eu a desejava. O carro parou, e eu senti o meu coração, por uma fração de segundo, acelerar. A delegacia. O prédio de tijolos, escuro e sem vida, era um contraste com a vida brilhante que eu levava. O cheiro de papel velho, de café forte e de suor me atingiu assim que pisei no chão. Os policiais me olhavam com uma curiosidade mórbida, os seus olhares questionando o porquê de um homem como eu estar ali. Eu os ignorei, os meus olhos fixos nas costas dela. Ela caminhava à minha frente, os seus cabelos presos em um r**o de cavalo balançando com cada passo. Eu a seguia, os meus sapatos de couro italiano, feitos sob medida, fazendo um som de passos que pareciam estar fora de sincronia com a atmosfera do lugar. Eu era um estranho naquele mundo, um turista em um inferno que eu mesmo havia ajudado a construir. "Sala de interrogatório, número 3," ela disse a um policial, sem se virar para mim. Ela me ignorava como se eu fosse um fantasma. Eu me senti humilhado, mas não demonstrei. Eu mantive a minha cabeça erguida, os meus olhos firmes. Eu era o homem que tinha o controle. Eu era o rei. A sala de interrogatório era pequena, fria e escura. A luz, que vinha de uma única lâmpada no teto, era fraca e amarelada. Havia uma mesa de metal no meio da sala, e duas cadeiras. As paredes eram cinza, e uma delas, eu sabia, era um espelho. Ela me observava. Ela estava do outro lado da parede, em uma sala escura, me observando, me julgando, me estudando. Ela estava me estudando, eu que, na maioria das vezes, estava sempre no lado de quem observa. E a ironia da situação, era deliciosa. Eu me sentei na cadeira, meu blazer, que valia mais do que o salário de todos os policiais do prédio, amassando-se na parte de trás da cadeira. Eu me acomodei na cadeira, e esperei. E esperei. O tempo começou a se mover lentamente. Os minutos se tornaram horas. Eu me perguntava se ela estava me observando. Ela estava vendo a minha calma, ou ela estava vendo a minha fúria? A minha mão, que estava sobre a mesa, estava completamente relaxada. Eu estava agindo, eu estava atuando. A minha mente, por outro lado, estava em uma corrida de cem metros, um furacão de pensamentos. Eu não conseguia parar de pensar. O que ela sabia? O meu império era uma teia de aranha complexa, cuidadosamente tecida ao longo de anos, com fios que se estendiam por continentes. As minhas operações de mineração na selva, as minhas joalherias de luxo, a Varella Jewels, as minhas empresas de fachada. Tudo era tão seguro, tão à prova de falhas. A Varella Jewels, em particular, era a minha obra de arte. A fachada perfeita. As lojas, localizadas em endereços de prestígio, eram conhecidas por sua coleção de joias raras e exclusivas. As celebridades, os políticos, os magnatas, todos compravam de mim. Eles pagavam uma fortuna, e eu os fazia sentir que estavam comprando um pedaço do céu. Eles não sabiam que as pedras preciosas que eles compravam eram extraídas de minas ilegais, que eu mesmo as havia comprado com dinheiro sujo. Eles não sabiam que a Varella Jewels era apenas uma fachada. A fachada perfeita. E eu tinha certeza de que a minha fachada era impenetrável. Eu tinha certeza de que ela nunca descobriria. O silêncio da sala era esmagador. Eu podia ouvir o som do meu próprio coração, o som da minha própria respiração. A minha mente, que sempre estava em movimento, estava agora presa em uma sala escura, em uma sala onde eu não tinha o controle. A sua jogada havia sido inteligente, e eu me sentia como um jogador de xadrez que havia sido pego de surpresa. A minha confiança, que momentos antes era tão sólida, agora estava sendo corroída. Eu me perguntava se ela tinha um trunfo na manga. Se ela tinha uma prova que pudesse me derrubar. Se ela sabia. O meu rosto, por mais que eu tentasse, não podia esconder a minha ansiedade. Eu me forçava a respirar, a acalmar o meu coração, mas era inútil. Eu era o rei das pedras, e ela, a delegada, a rainha das sombras, estava me encurralando. O tempo se arrastou, e eu me senti como um animal em uma jaula. Eu queria gritar, eu queria bater na mesa, eu queria exigir que ela entrasse na sala. Mas eu não podia. Eu tinha que manter a minha compostura. Eu tinha que ser o Gabrian Varella que eles conheciam. Eu tinha que ser o homem que era intocável. Eu me recostei na cadeira, e fechei os olhos. A escuridão da sala era o meu refúgio. Eu me forcei a me concentrar. Eu me concentrei em cada detalhe da minha vida, da minha operação. Eu me perguntei se eu havia deixado alguma pista, alguma falha, alguma coisa que ela pudesse usar contra mim. Eu me lembrei de cada transação, de cada suborno, de cada mentira. Eu as revivi em minha mente, e eu as analisei, procurando por falhas. Mas não havia nenhuma. Eu era o mestre da minha própria arte. A minha arte era a mentira. E eu era o mestre da minha própria mentira. O som do meu próprio coração batendo, o som do meu próprio sangue fluindo nas minhas veias, era a única coisa que eu podia ouvir. Eu estava sozinho, em uma sala escura, me preparando para a minha batalha mais importante. E a minha adversária, a delegada, a mulher que eu só conhecia pelo nome, estava do outro lado da parede, me observando. O jogo estava apenas começando. E o próximo movimento, eu sabia, seria o dela.
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