Eco da Lei

1302 Words
O ar tropical de São Paulo me envolveu assim que pisei na passarela do meu jato particular. Depois do silêncio frio e estéril do Nightbird, a cidade parecia vibrar com uma energia própria, um pulso febril que eu podia sentir sob a pele. A brisa da noite carregava o cheiro de poluição, de orquídeas raras e, de maneira peculiar, de promessa. Aqui, mais do que em qualquer outro lugar do mundo, o dinheiro falava mais alto. E a minha voz, em particular, era um trovão. Minha comitiva me esperava na pista do hangar privado, um cordão de carros pretos e seguranças silenciosos. O trajeto para a cidade foi rápido e eficiente. A farsa já havia começado. Na minha maleta de couro, os documentos forjados para a minha empresa de fachada, a Varella Global Assets, eram tão convincentes quanto a minha própria identidade pública. Em Nova Iorque, eu era um filantropo e um magnata da tecnologia, das joias. Em São Paulo, um investidor astuto e um comprador de arte extravagante, além de possuir uma grande rede de lojas de joias preciosas, tudo limpo. Duas máscaras para o mesmo rosto, um luxuoso verniz para esconder o que estava por baixo: o rei das pedras. O evento da noite, uma gala de caridade para a restauração de igrejas barrocas, era um dos mais esperados do ano. E, para o meu infortúnio, era um compromisso social que eu não podia faltar. O anfitrião, um bilionário do agronegócio com o sobrenome Carvalho, era um dos meus maiores clientes. Ele não comprava minhas esmeraldas e diamantes para revenda; ele os usava como moeda de troca, como uma forma de esconder a sua fortuna em paraísos fiscais, e ele gostava de exibir as suas aquisições em eventos sociais. Eu já o havia presenteado com um rubi tão grande quanto a minha unha do dedão, e ele o exibia com orgulho. A sua presença, e a de outros com o mesmo propósito, tornavam a minha presença obrigatória. Eu precisava me manter nos holofotes, mostrar a cara para manter a confiança. O salão de baile do hotel luxuoso era um espetáculo. Mulheres em vestidos de alta-costura, reluzentes com joias que, ironicamente, haviam passado por minhas mãos. Homens em ternos de gala, seus rostos contorcidos em sorrisos falsos e ares de superioridade. O ar estava perfumado com o cheiro de riqueza, de champanhe e de poder. Eu me misturei à multidão com a facilidade de um camaleão, meu sorriso charmoso e meus olhos, sempre atentos, escaneando a sala. Encontrei o meu cliente, o Sr. Carvalho, em um canto, rodeado de um pequeno séquito de mulheres bonitas e empresários subservientes. Ele sorriu, um sorriso amplo e gorduroso, ao me ver. "Gabrian! Que bom que você veio. Você é a única pessoa neste salão que realmente entende de negócio." "E o senhor é a única pessoa que entende de como misturar o negócio com o prazer," eu respondi, o meu sorriso agora genuíno. O homem era previsível, e a sua previsibilidade era uma das suas maiores fraquezas. Ele queria ser um dos 'meus', um dos escolhidos a quem eu vendia a minha mercadoria. Eu troquei algumas palavras, e desviei o meu olhar, observando a sala. A minha rede de informantes havia me alertado. A nova delegada, Eliza Ferraz, a mulher que eu só conhecia pelo nome, estava de olho nas minhas operações. Ela havia traçado um plano para desmantelar a minha rede, começando pelos meus clientes. Eu tinha que ser cuidadoso. Eu tinha que estar um passo à frente. "Gabrian, meu querido," uma voz sussurrou em meu ouvido. Era a Duquesa de Montessier, uma mulher mais nova, com um colar de diamantes que eu me lembrava de ter vendido ao marido dela. Ela me ofereceu uma taça de champanhe. "Você não está se divertindo?" "Eu sempre me divirto, Duquesa," eu disse, aceitando a taça. "Apenas estou observando. A diversão, afinal de contas, está nos detalhes." A minha atenção estava dividida. Uma parte de mim estava no salão de baile, bebendo champanhe e flertando. A outra parte de mim estava nas montanhas do Brasil, no interior da África, e nas ruas de Paris, controlando a minha rede. Eu era um homem de dois mundos. O que me tornava único, o que me tornava perigoso. A música alta e a conversa animada foram subitamente interrompidas. O salão de baile, tão cheio de vida, de repente, ficou em silêncio. Um silêncio que, para mim, era o prenúncio da tempestade. Olhei para a entrada, e vi. A polícia. Uniformes pretos, distintivos dourados, e olhares sérios. A atmosfera do salão de baile, que momentos antes era de pura celebração, agora era de puro pânico. Eu podia ver o medo nos olhos de todos. Meu coração não acelerou. O meu rosto permaneceu impassível. Eu era o único na sala que estava sorrindo por dentro. Aquela era a minha Eliza Ferraz, a sombra, o fantasma que me perseguia. E ela estava me provocando. "Atenção a todos," uma voz forte e clara, com a autoridade que só a lei pode dar, ecoou pelo salão. "Este é um mandado de busca e apreensão. A polícia federal está investigando uma rede de tráfico de joias e drogas. Pessoas selecionadas, por favor, acompanhem os nossos oficiais." O caos se instalou. Mulheres gritavam, homens tentavam fugir. Mas os policiais, implacáveis, já sabiam quem eles estavam procurando. As câmeras de vigilância do hotel, que eu mesmo havia ajudado a projetar e que eu mesmo tinha acesso, estavam sendo desativadas uma a uma. Mas eu já sabia o que estava acontecendo. Eu já havia preparado o meu próprio show. Um a um, os meus clientes foram sendo escoltados para fora do salão. Eu os vi, o Sr. Carvalho, o ministro de Energia, a duquesa de Montessier. Todos eles, que momentos antes eram figuras de poder, agora eram apenas prisioneiros. As suas joias, que eu mesmo lhes havia vendido, eram agora a sua prova do crime. O rubi do Sr. Carvalho, as esmeraldas da duquesa. A ironia da situação era deliciosa. Eles haviam se tornado prisioneiros do seu próprio vício em luxo. Eu permaneci no meu canto, bebendo meu champanhe, como se nada estivesse acontecendo. Meu rosto era uma máscara de desinteresse. Eu não estava envolvido na situação, e os policiais não tinham como saber que eu era o dono de tudo. A minha identidade, a minha verdadeira identidade, estava protegida. Eu era o fantasma, e eles eram apenas os meus marionetes. Enquanto observava o caos, meu olhar percorreu a sala, procurando por ela. A delegada, a mulher que era a sombra. Mas ela não estava lá. Ela era astuta. Ela era como eu, ela não gostava de estar nos holofotes. Ela preferia o jogo nas sombras. E o jogo que ela havia me imposto era um jogo de xadrez. Ela havia sacrificado alguns de seus peões para me fazer uma jogada. Mas ela não sabia que eu já havia antecipado a jogada dela. Um dos meus seguranças, um homem que não tinha medo de nada, se aproximou de mim, o seu rosto impassível. "Senhor, devemos sair daqui?" "Não," eu respondi, a voz baixa, quase um sussurro. "Nós não vamos a lugar nenhum. Eu não tenho nada a esconder. A minha presença aqui, neste momento, é uma demonstração de força. Eu sou o homem que não tem medo da lei." O meu sorriso se alargou. A jogada dela era boa. Mas não era o suficiente para me derrubar. Eu podia ver os meus clientes sendo presos, e eu não sentia nada. Eles eram apenas peões, e eu era o rei. Eu podia substituí-los com a mesma facilidade que eu podia comprar uma nova joia. E o fato de que a jogada dela era inteligente, apenas me fazia querer jogar ainda mais. Eu estava ansioso para o nosso próximo movimento.
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