O ar condicionado da cabine do Nightbird sibilava, um som monótono que, para mim, era a melodia da tranquilidade. A cidade de Nova Iorque brilhava na tela à minha frente, uma constelação de luzes que, como as estrelas, era composta por bilionários, políticos e herdeiras, todos pequenos pontos de poder que eu podia manipular do céu. Mas o brilho da metrópole não era o que mais me interessava naquele momento. O nome dela, Eliza Ferraz, ecoava em minha mente, um sussurro frio que tinha o potencial de se tornar um grito.
"Ferraz," eu repeti, o som saindo mais como um teste do que como uma declaração. Kian, meu fiel escudeiro, assentiu sem desviar os olhos de seu próprio painel. Ele era eficiente demais para demonstrar curiosidade, o que eu apreciava. Ele sabia que, quando eu começava a repetir um nome, o jogo já havia começado.
"Senhor, a delegada Eliza Ferraz, 28 anos. Formada com honras na Academia de Polícia, transferida para o Departamento de Crimes de Alta Complexidade há dois anos. Ela tem um histórico impecável. Vinte e três investigações de grande porte, todas encerradas com condenações. Ela é conhecida por seguir as pistas mais improváveis e por uma taxa de sucesso de 100%," Kian recitou os fatos com a frieza de um robô.
Eu dei uma risada baixa e desdenhosa. "Cem por cento de sucesso? Ninguém tem cem por cento de sucesso, Kian. É impossível, ela é muito nova para ser tão perfeita. Ela deve ser apenas uma fachada, alguém que assume o crédito pelo trabalho de outra pessoa. Provavelmente um homem que não quer o glamour."
Meu pensamento, como sempre, foi rápido e preciso. Não havia espaço para erros em meu mundo, e eu não confiava em números tão perfeitos. A vida era cheia de falhas, de imprevistos. A não ser que você seja o mestre da sinfonia, o maestro que controla cada nota e cada instrumento. E eu era o maestro da minha. A ideia de que uma mulher, sozinha, poderia ser tão impecável era, para mim, ridícula. Meus negócios eram uma teia de aranha complexa, cuidadosamente tecida ao longo de anos, com fios que se estendiam por continentes. Que chance teria uma simples policial de perfurá-la?
"Ela não é uma policial qualquer, senhor," Kian disse, a voz sem emoção, mas com um traço de ênfase que era, para ele, o equivalente a um aviso. "Ela é implacável, e não há indícios de corrupção. Nem um centavo fora de lugar. E ela não tem família, não tem relacionamentos registrados, nada que possa ser usado contra ela."
"Todos têm um ponto fraco," eu respondi, o sorriso retornando. O desafio estava me excitando. "Seu trabalho, Kian, é descobrir o dela. Quero saber tudo sobre essa mulher. Sua rotina, seus gostos, os livros que ela lê, o tipo de café que ela toma. Quero saber o que a faz rir, e o que a faz chorar. Quero encontrar a falha na armadura."
O Nightbird pousou suavemente em Nova Iorque. O frio da manhã era um contraste gritante com o calor sufocante da selva. A transição entre os dois mundos era instantânea. Em um momento, eu estava no meio da selva, um predador no meu habitat natural. No outro, eu estava em uma das cidades mais luxuosas do mundo, um aristocrata disfarçado, pronto para dominar a cena social.
Minha suíte no The Plaza era a minha base de operações. A vista da Central Park South era magnífica, um tapete verde que me lembrava da floresta que eu havia deixado para trás. Mas, em vez de árvores, o meu playground agora era composto por arranha-céus. A minha mesa de trabalho, de ébano polido, estava coberta de papéis, gráficos e telas de computador.
Enquanto a maioria das pessoas dormia, eu estava em plena atividade. O meu primeiro passo foi acionar a minha rede de informantes. Paguei mais de $200.000 a um hacker de elite, um fantasma no mundo digital conhecido como "Anjo Caído", para que ele pudesse invadir os servidores de segurança de Nova Iorque. Ele não me perguntou por que eu precisava das informações. O dinheiro já era a resposta suficiente. Em menos de três horas, eu tinha acesso a cada relatório de caso que Eliza Ferraz havia tocado.
O trabalho dela era impressionante, admito. Um caso em particular chamou minha atenção. A desarticulação de uma quadrilha de roubo de joias que operava nas ruas mais chiques da cidade. Eles eram profissionais, invisíveis. Mas Eliza os pegou. Eu li o relatório, o meu dedo deslizando sobre as palavras. Ela não seguiu o protocolo. Ela usou a intuição, a perspicácia, uma qualidade que eu raramente encontrava nas pessoas.
"Ela não seguiu o procedimento padrão," Kian comentou, observando-me. "Ela fez uma emboscada em um restaurante, se disfarçou de garçonete, e esperou que o líder da quadrilha fizesse uma ligação de um celular descartável, o que não era o padrão de ação dele."
"Ela não apenas pensa fora da caixa, ela a destrói," eu disse, sem emoção na voz. O meu sorriso se alargou. "Eu gosto do desafio."
A ideia de que uma mulher poderia ser uma ameaça real para mim era quase hilária. Todas as mulheres que eu conheci eram previsíveis, superficiais. Elas queriam luxo, poder, e Gabrian Varella era a chave para tudo isso. Elas eram como flores que floresciam na luz do sol. Eliza Ferraz, pelo que eu via, era uma sombra. E eu era o rei da escuridão. Não tinha como ela me deter. Não é que eu a subestimasse por ser mulher. Eu a subestimava porque era impossível que ela fosse párea para mim. Ninguém era.
Meu dia em Nova Iorque foi uma performance de alto nível. Eu jantei com o presidente de uma empresa de tecnologia que me daria a licença para importar equipamentos caros para as minhas minas na África. No almoço, me encontrei com uma senadora para discutir doações para uma de suas campanhas. O dinheiro sujo da minha operação era limpo, e os sorrisos que eu recebia eram de admiração. A minha vida era uma teia de intrigas, e eu gostava de cada nó que eu fazia.
À noite, fui a um evento de caridade em um salão de baile. Mulheres bonitas se enroscavam em meu braço, seus sorrisos e seus vestidos de alta-costura. Eles me faziam perguntas sobre meu trabalho, sobre meus hobbies, sobre o meu amor pela filantropia. A farsa era tão perfeita que, às vezes, eu quase me esquecia de quem eu realmente era.
Em um canto do salão, uma jovem jornalista me abordou. Seus olhos eram curiosos, seu interesse era genuíno. Ela me perguntou sobre as minhas operações de mineração, mas aquelas limpas, que eu tenho para disfarçar as maiores, sobre os desafios do negócio. Eu respondi com charme, com uma dose de arrogância controlada, e me certifiquei de que ela entendesse que eu era mais do que um empresário. Eu era um visionário. Ela se foi com um brilho nos olhos, e eu sabia que ela escreveria uma matéria que me daria ainda mais credibilidade.
Depois do evento, voltei para a minha suíte, e a primeira coisa que eu fiz foi me sentar em frente ao meu computador. Kian havia me enviado um relatório. O meu Anjo Caído havia conseguido acesso ao histórico financeiro de Eliza. A ausência de riqueza, de luxo, era notável. Ela não gastava dinheiro com nada além do necessário para viver. Ela não tinha luxos. Era uma mulher simples, que vivia em um apartamento de um quarto no centro da cidade.
"Ela não tem nenhuma fraqueza material," Kian disse, a voz agora um pouco mais grave. "Nenhum vício, nenhum luxo que possamos usar."
Eu dei uma risada. "Não, Kian. Ela tem o pior de todos os vícios. Ela é apaixonada pelo trabalho dela. A obsessão dela é a minha maior fraqueza."
O fato de ela ser tão pura, tão intocável, me irritava. A maioria das pessoas tem um preço. Elas têm um desejo que eu posso comprar. Mas Eliza Ferraz era diferente. Ela era um enigma. E eu adorava enigmas. Eu gostava de desafios.
Eu decidi que a minha investigação não poderia mais ser feita à distância. Eu precisava de mais informações. Eu precisava saber o que ela pensava. Eu precisava saber o que a motivava.
"Kian, prepare o meu jato," eu disse, a voz calma e calculista. "Estou voltando para o Brasil. E eu quero uma casa segura na Capital. Uma que ninguém conheça."
"E o que o senhor vai fazer?" ele perguntou, sua voz hesitante, uma raridade.
"Eu vou conhecer a delegada," eu disse, o sorriso retornando. "Mas não em um jantar de gala. A minha aproximação será sutil, um jogo de xadrez onde eu sou o único que conhece as regras. Eu vou aparecer na vida dela como uma sombra, e ela nem vai saber que eu estou lá."
O jogo de gato e rato havia oficialmente começado. Ela pensava que estava caçando um fantasma. Eu sabia que eu era o fantasma que estava caçando-a. O jogo estava apenas começando. E o meu império, que ela queria derrubar, era a minha maior arma.