A Delegada

1635 Words
O eco da minha risada ainda flutuava no ar climatizado do Salão de Cristal. Ao meu lado, Lady Cecília Beaumont, uma duquesa de beleza esculpida pela idade e pela fortuna, ajeitava o colar de esmeraldas com um suspiro de admiração. "Gabrian, querido," ela disse, a voz sussurrante como seda amassada, "você é a única pessoa que consegue transformar uma simples negociação em uma performance." Eu inclinei a cabeça, o sorriso um reflexo treinado, polido. "A performance é o que vende, Cecília. Ninguém quer comprar a realidade." A noite de gala beneficente em Mônaco havia sido um sucesso retumbante. Mais um, na verdade. O palco, ostensivamente, era para angariar fundos para a preservação de recifes de corais, uma causa nobre o suficiente para me dar a desculpa perfeita para me misturar com a elite global. Mas, por baixo do brilho dos holofotes e do tilintar de taças de champanhe, os negócios reais estavam sendo fechados. Negócios que não chegavam perto da transparência da água de um oceano. Meus olhos percorreram o salão, um mar de ternos sob medida e vestidos de alta-costura. Não era uma sala cheia de pessoas; era uma sala cheia de peões, cada um com seu preço e seu propósito. O presidente de uma mineradora brasileira, o ministro da Energia da África do Sul, a herdeira de um império de transporte marítimo. Todos eles tinham algo que eu precisava. E eu tinha algo que eles queriam: a promessa de uma transação limpa, o charme que mascarava o perigo. O relógio marcava a meia-noite quando me retirei do evento, o meu casaco sob medida deslizando sobre os ombros de maneira impecável. A minha saída não foi uma fuga, mas a retirada estratégica de um general após uma vitória. Um motorista me esperava, a porta do carro aberta, a escuridão do vidro fumê me engolindo. "Direto para o aeroporto," eu ordenei, a voz agora despojada de qualquer calor social. A farsa havia terminado. O silêncio do carro blindado era um refúgio bem-vindo. Tirei a gravata, afrouxei o colarinho. O Gabrian que havia flertado com as filhas de magnatas e feito piadas com políticos de alto escalão era uma ilusão, uma ferramenta. E, como qualquer ferramenta, precisava de descanso antes de ser usada novamente. Meia hora depois, eu estava a bordo do meu Gulfstream G650, o "Nightbird". A cabine, toda em couro preto e madeira de ébano, era meu santuário. A única luz era a azul suave do painel de controle e a do laptop na minha frente. Meu assistente de confiança, Kian, estava sentado em frente, os olhos fixos em uma tela. Ele não precisou de ordens. O mundo dele, como o meu, era governado por um silêncio tácito e eficiência impiedosa. "Status da remessa de Colômbia?" eu perguntei, a voz um tom abaixo do normal. "Atraso de quatro horas, senhor. Tempestade inesperada na rota de voo. Eles estão optando pela rota terrestre alternativa, através das montanhas." "Inaceitável," eu disse, sem levantar a voz. "A rota terrestre é vulnerável. Reorganize. Eles vão esperar a tempestade passar ou encontrar uma nova rota aérea, mesmo que tenham que subornar o controle de tráfego aéreo de um país vizinho. Não vamos arriscar. Não com aquele carregamento." Kian assentiu, já digitando. Ele sabia que o que estava em jogo não era apenas o valor de um carregamento de esmeraldas de alta qualidade. Era a minha reputação. A reputação do Gabrian que ninguém conhecia. O homem que nunca falha. Aquele que domina o xadrez do crime com a mesma facilidade que domina um salão de baile. Fechei os olhos por um momento, me permitindo sentir a vibração suave dos motores do Nightbird. Era a única coisa que me acalmava. A sensação de poder absoluto, de controle sobre o próprio céu. Nossa rota nos levaria para o interior da América do Sul, para uma área que o mundo corporativo considerava um deserto intocado. Mas eu sabia a verdade. Naquelas montanhas, sob o véu de uma floresta densa e impenetrável, batia o coração do meu império. Horas depois, aterrisamos em uma pista de pouso particular e não mapeada, escondida entre os picos. A transição do luxo do jato para a realidade da selva foi abrupta. O ar era denso, úmido e tinha o cheiro de terra molhada e vida selvagem. E perigo. Fui recebido por uma equipe de segurança, todos armados e silenciosos. Eles eram homens que não faziam perguntas, apenas obedeciam. Em um veículo blindado, navegamos por uma estrada de terra lamacenta, a escuridão da noite só sendo quebrada pelos faróis do nosso carro. O silêncio era interrompido apenas pelo som do motor e o ruído da floresta. Era aqui que eu encontrava a minha paz. Na natureza pura, indomável. Onde as regras não eram feitas por homens, mas pela lei da selva. E eu era o predador alfa. A base principal da minha mina secreta ficava em um vale isolado. Quando chegamos, as luzes da operação brilharam através da névoa. Não era uma mina subterrânea, mas uma operação a céu aberto, camuflada e protegida por um labirinto de defesas tecnológicas e homens armados. O som de perfuratrizes e o ruído de caminhões ecoavam, uma sinfonia de trabalho incessante. Minha sinfonia. Fui direto para a sala de controle. Era uma instalação moderna, escondida dentro de uma montanha, um bunker de alta tecnologia. Na tela principal, um mapa topográfico detalhado da região mostrava a localização de cada equipamento, cada homem, cada rocha. "Qual o status do p*****g-12?" eu perguntei, meus olhos fixos no mapa. Um dos meus gerentes, um homem de rosto duro chamado Vargas, se aproximou. "Tivemos um problema, senhor. Um de nossos informantes na cidade nos alertou sobre uma patrulha da polícia militar que se desviou da rota. Eles disseram que estavam em uma operação de rotina contra o desmatamento ilegal, mas… não parecia." "Eles se aproximaram da nossa área?" "Não. Nossos drones de reconhecimento os interceptaram antes. Desviamos um de nossos caminhões-tanque para a estrada principal, 'derrubamos' algumas árvores e bloqueamos a via. A patrulha foi forçada a dar a volta. Eles nunca chegaram a cinco quilômetros do nosso perímetro." Um sorriso frio brincou nos meus lábios. "Inteligente. Eu gosto quando vocês pensam sozinhos." Eles não sabiam o que estavam procurando. A polícia brasileira era como um lobo caçando uma raposa. O que eles não sabiam é que eu não era uma raposa, e sim um fantasma. Eu controlava cada movimento, cada desvio, cada passo em falso que eles davam. A minha inteligência era a melhor do mundo, e a minha rede de informantes, a mais cara. "Relatório das escavações," eu ordenei. Vargas apontou para outra tela. "p*****g-12: A rocha matriz está se tornando mais irregular, mas ainda estamos encontrando depósitos de safiras e rubis de alta qualidade. p*****g-14: Encontramos um novo filão de opala n***a. A qualidade é excepcional. O corte inicial mostra um brilho de 'flame fire', senhor." Meus olhos se acenderam. Opala n***a. A mais rara e valiosa de todas. Aquele brilho, a dança de cores dentro da pedra, era como o universo em miniatura. Era mais do que dinheiro. Era arte. E eu era o único galerista. Meus passos ecoaram pelo corredor enquanto eu me dirigia para a câmara de segurança. Em uma tela gigante, as imagens de dezenas de câmeras de vigilância ao redor da mina se moviam em tempo real. Eu estava sempre um passo à frente. Constantemente me desviando da polícia, como um dançarino esquivando-se de balas. Eles podiam ter toda a autoridade do mundo, mas eu tinha toda a informação. E a informação é a maior arma. A minha vida era uma dualidade constante. A beleza do cristal, a pureza da pedra, a elegância do corte. E a brutalidade do negócio. O suor dos homens, a terra que suja a roupa, o perigo que se esconde em cada esquina. Eu vivia e prosperava no contraste. Voltei para a cabine, o Nightbird já me esperando com os motores ligados. Eu tinha um compromisso em Nova Iorque pela manhã. Outro evento beneficente, outra farsa. "Kian, prepare o relatório financeiro para o banco," eu disse, enquanto me ajeitava no assento de couro. "E compre mais daquela água de coco orgânica que Cecília Beaumont tanto gosta. Ela pode ser útil na próxima semana." Ele assentiu, a compreensão em seus olhos. Cecília não era mais uma duquesa. Ela era um canal. Uma peça de xadrez que seria usada para me dar acesso a algo maior. Talvez a esposa de um senador, a filha de um general. Todos têm um ponto fraco. E o meu trabalho era encontrá-los. O meu lado sedutor, mulherengo, era apenas mais uma ferramenta, uma das mais afiadas. As mulheres, em sua maioria, eram transparentes para mim. Eu conseguia ler nelas o desejo, a vaidade, o que as movia. E eu as usava para me mover. "Senhor, recebi um relatório de um de nossos contatos na Capital. Parece que estão montando uma força-tarefa especial para combater o crime organizado de alto nível. Eles estão chamando-a de 'Operação Diamante n***o'." Meu sorriso se alargou. "Diamante Negro... um nome poético. Eles acham que eu sou uma joia. Eles não sabem que sou a faca que a lapida." "Eles mencionaram um nome," Kian continuou. "A delegada que vai liderar a operação. Eliza Ferraz. Dizem que ela é implacável, que não tem medo de nada." O meu sorriso se desfez, mas o meu rosto permaneceu impassível. Eliza Ferraz. O nome ecoou na minha mente. A delegada. A sombra que eu senti por um breve momento, mas que não parecia uma ameaça real. Ainda. "Ferraz," eu repeti para mim mesmo, a voz baixa, quase um sussurro. "Vou ficar de olho nessa sombra." Ela não sabia, mas já fazia parte do meu jogo. E, para mim, ela era apenas mais uma peça no tabuleiro. Por enquanto.
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