O Jogo das Pedras

1062 Words
O dia amanheceu claro, frio e silencioso na cidade. Eu gosto dessas manhãs, quando tudo ainda parece neutro, sem pressão, e a mente está limpa para planejar cada passo do dia. Meu escritório ficava em um prédio discreto, mas de arquitetura impecável: vidro escuro, linhas retas, detalhes em mármore e madeira clara. Um lugar onde qualquer visitante percebe imediatamente que negócios sérios acontecem ali — mas jamais imagina o que realmente é negociado. Meu café da manhã foi rápido: um expresso forte e três torradas finas, quase esquecidas entre a leitura de relatórios. Hoje era dia de negociações. Algumas pedras recém-saídas de um leilão privado estavam disponíveis, e eu precisava garantir os melhores lotes antes que qualquer outro comprador percebesse seu valor real. Recebi meus intermediários: Marcus, especialista em lapidação, e Helena, contadora de confiança que sabia interpretar números de maneira que pareciam magia. Eles me apresentaram os relatórios do último mês: pedras adquiridas, clientes, lucros, riscos. — Temos um lote de esmeraldas colombianas — disse Marcus, abrindo um estojo de veludo verde. — Qualidade impecável, corte perfeito. Apenas três disponíveis no mundo inteiro. Olhei para as pedras, girando-as entre os dedos. Brilho intenso, cores vivas, e um preço que poderia facilmente dobrar em qualquer mercado legítimo. Mas eu sabia que o verdadeiro lucro não estava apenas na venda: estava em como eu as movimentaria. — E o fornecedor? — perguntei, voz calma, como se estivesse apenas conversando sobre café. — Direto do contato em Bogotá. Entrega segura, mas exige pagamento imediato — respondeu Helena, com uma planilha pronta para mostrar números detalhados. Sorri levemente. Pagamento imediato? Perfeito. Eu gosto de testar limites. — Quanto estamos falando? — perguntei, não porque precisava saber, mas porque queria observar a reação deles. — Dois milhões e trezentos mil — respondeu Marcus, com olhar neutro. — Boa sorte para eles se arrependerem. — Falei, sem mudar a expressão. — Preparem a transferência. Vou acertar detalhes com meu contato pessoal antes. Minha mente funcionava em paralelo: enquanto eles falavam de valores e logística, eu já calculava a rota de entrega, possíveis intermediários, e como mascarar a compra. Uma operação como essa nunca é apenas sobre dinheiro; é sobre percepção, controle e timing perfeito. No início da tarde, saí do escritório com meu motorista particular. O carro, um sedã preto blindado, deslizava pelas ruas com elegância e segurança. Liguei para o contato em Bogotá, usando uma linha criptografada. A conversa foi curta, objetiva, mas suficiente para acertar a entrega em um local neutro, sem registros oficiais. — Entrega confirmada. Amanhã, em Genebra. — Ele disse, voz baixa e cautelosa. Sorri. — Perfeito. — E desliguei, sentindo a adrenalina familiar. Negócios assim me dão mais prazer do que qualquer evento social. O risco, o poder, o controle absoluto de cada peça no tabuleiro. Mais tarde, minha agenda indicava uma visita importante: uma das minas onde extraímos diamantes e rubis. Legalmente, a mina poderia parecer apenas uma propriedade arrendada; na prática, era o coração do império. Cada túnel, cada segurança, cada funcionário tinha uma função. Alguns eram apenas trabalhadores, outros eram informantes pagos para garantir que tudo fosse discretamente monitorado. Chegando lá, fui recebido pelo gerente local, um homem robusto chamado Javier. — Bom dia, senhor Varella. Tudo pronto para a inspeção? — disse ele, com uma reverência discreta. — Sempre pronto — respondi, caminhando pelo galpão principal, analisando cada detalhe. — Quero ver o estado das pedras recém-extraídas e conferir os registros. As pedras estavam distribuídas em caixas numeradas, cada uma com um código que apenas minha equipe entendia. O brilho das gemas sob a luz artificial era hipnotizante. Eu peguei uma delas, girando-a entre os dedos, avaliando peso, corte, transparência e brilho. Um lote excepcional. — Algum problema recente? — perguntei, observando o gerente. — Nada que precise da sua atenção, senhor. Apenas manutenção preventiva em um dos túneis — respondeu Javier. Sorri, mas minha mente já analisava: manutenção preventiva ou possível falha de segurança? Em um negócio desse nível, até pequenos detalhes podem ser críticos. Fiz questão de caminhar pelos túneis, sentir o cheiro da terra, ouvir o som distante das máquinas. A operação era complexa: minerar, separar pedras por qualidade, registrar tudo para efeito de controle interno e, ao mesmo tempo, garantir que nada fosse rastreável externamente. Funcionários treinados, câmeras de segurança discretas, contratos falsos de transporte. Cada passo era pensado para proteger o império. — Quantos trabalhadores estão em cada turno? — perguntei a Javier, olhando para os registros. — Cem ativos, senhor. Incluindo supervisores e segurança interna. — — Ótimo. — Balancei a cabeça. — E quanto custou manter tudo em operação neste mês? — Aproximadamente quatrocentos mil dólares, incluindo salários, alimentação, transporte e segurança — respondeu ele, sem hesitar. — Perfeito. — Tomei nota mentalmente. — Mas quero aumentar a segurança em vinte por cento. Quero que ninguém entre ou saia sem que eu saiba. E reforço: ninguém fora da equipe principal pode conhecer detalhes do lote especial. Javier assentiu, compreendendo a gravidade. Sabia que quando Gabrian Varella fala, a ordem é lei. Ao caminhar pelo galpão, notei um detalhe curioso: uma das caixas tinha sinais sutis de manuseio recente. Um deslize pequeno, quase imperceptível. Mas para mim, não passava despercebido. Observei os códigos, conferi registros e fiz uma anotação mental. Talvez um dos intermediários estivesse ansioso demais ou tentado testar limites. Nada que não pudesse ser corrigido. De volta à superfície, respirei o ar fresco. O sol começava a se pôr, tingindo as pedras de vermelho. A beleza natural do lugar me lembrava que, mesmo em meio ao crime, havia ordem e perfeição. Eu não gostava do caos; gostava do controle absoluto. Cada pedra, cada funcionário, cada transação estava sob meu domínio. Antes de sair, fiz questão de percorrer o escritório da mina, conferindo registros e câmeras de segurança. Cada movimento que acontecia ali era minha responsabilidade. E eu gostava dessa sensação: saber que mesmo no meio de tudo, ninguém poderia tocar no que construí sem que eu percebesse. No carro de volta, enquanto as luzes da cidade surgiam, minha mente já começava a planejar o próximo passo: distribuição do lote de esmeraldas, contatos a serem acionados, camuflagem financeira. Cada decisão precisava ser calculada, cada movimento perfeito. Porque, para Gabrian Varella, o mundo é um tabuleiro de xadrez — e eu sou o único que decide quem move cada peça.
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