Capítulo 4: A Prisão e a Liberdade Temporária

1371 Words
LUÍZA O fim de semana foi um pesadelo. Depois que Sebastião me trancou no quarto, eu me senti completamente isolada do mundo. Minha mãe entrou na manhã seguinte e, sem dizer uma palavra, pegou meu celular e meu notebook, cortando qualquer chance de eu me comunicar com alguém. Eu tentei argumentar, mas ela simplesmente me ignorou, como se eu não existisse. Era sempre assim. Ela nunca me defendia, nunca questionava Sebastião. Era mais fácil para ela fingir que tudo estava bem, mesmo que isso significasse me deixar sozinha naquela prisão. Meu quarto tinha uma suíte, então eu nem precisava sair para ir ao banheiro. A janela dava para outro prédio, uma parede de concreto e vidro que parecia refletir minha própria solidão. Olhei para baixo, para as ruas movimentadas lá embaixo, mas a altura me deixou tonta. O trigésimo quarto andar não era um lugar de onde alguém pudesse pular, nem mesmo em um momento de desespero. Então, eu me sentei na cama, encarando as paredes, tentando não pensar no quanto eu me sentia presa. Mas o que mais me angustiava era a ideia de que Matheus poderia pensar que eu estava fugindo dele. Nós tínhamos planos para o fim de semana, e eu não tinha como avisar do que havia acontecido. Ele sabia que eu não era do tipo de sumir sem explicação, mas e se ele começasse a duvidar? E se ele achasse que eu estava com medo, que eu tinha mudado de ideia sobre nós? A ideia de perdê-lo era insuportável. Minha mãe entrava de vez em quando para trazer comida, mas ela nunca ficava. Ela colocava o prato na mesa, evitava meu olhar e saía sem dizer uma palavra. Eu comia em silêncio, sentindo o gosto amargo da solidão em cada garfada. O tempo parecia não passar, e eu me via contando as horas, os minutos, até que finalmente chegou a segunda-feira. De manhã, minha mãe entrou no quarto e, sem cerimônia, jogou meu uniforme escolar na cama. — Você vai pra escola hoje — ela disse, sem olhar para mim. — Mas volta direto pra casa assim que as aulas terminarem. Sem desvios, sem atrasos. Entendeu? Eu acenei com a cabeça, sem dizer nada. Não adiantava discutir. Eu sabia que qualquer tentativa de rebeldia só resultaria em mais castigos. Então, me arrumei rapidamente, peguei minha mochila e saí do apartamento, sentindo um alívio temporário ao deixar aquelas paredes para trás. Na escola, tudo parecia normal. As pessoas riam, conversavam, como se o mundo não tivesse acabado. Eu me senti deslocada, como se estivesse em um filme onde eu era a única personagem real. Foi então que encontrei Pamela e Patrícia, as irmãs gêmeas idênticas que sempre tentavam enganar todo mundo, trocando de lugar e fingindo ser uma à outra. Mas comigo, elas nunca conseguiam. Minha memória fotográfica me permitia notar os pequenos detalhes que as diferenciavam, um sinal aqui, uma expressão ali. Para mim, elas nunca foram verdadeiramente idênticas. — Luíza! — Pamela me chamou, com um sorriso largo. — Não vi você esses dias? Sumiu! Eu forcei um sorriso, tentando parecer normal. — Ah, você sabe... coisas de casa — eu respondi, evasivamente. Elas trocaram um olhar, mas não pressionaram. Talvez percebessem que eu não estava no clima para conversas longas. Ou talvez simplesmente não se importassem o suficiente para perguntar. De qualquer forma, eu estava grata por isso. Enquanto caminhávamos juntas pelo corredor, eu senti um pouco da normalidade que tanto faltava na minha vida. Mas, no fundo, eu sabia que era só uma pausa. Assim que as aulas terminassem, eu teria que voltar para o apartamento, para aquela prisão que eu chamava de casa. Eu precisava encontrar o Matheus. Precisava explicar o que havia acontecido. Eu não podia deixar que ele pensasse que eu estava fugindo. Eu não estava fugindo. Eu estava presa. E, mais do que tudo, eu precisava que ele soubesse disso. O Reencontro e a Frustração O dia na escola passou rápido, como se o tempo tivesse acelerado só para me torturar. Enquanto arrumava meus materiais na mochila, eu já sentia o peso daquela prisão doméstica me puxando de volta. Mas, ao sair pelo portão da escola, meu coração deu um salto. Lá estava ele. Matheus. Esperando por mim, como sempre fazia, com aquele jeito tranquilo que só ele tinha. Eu não consegui conter a emoção. Corri até ele, e antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele me puxou para um abraço apertado, seguido de um beijo que fez o mundo ao meu redor desaparecer por alguns segundos. Era incrível como ele conseguia me fazer sentir segura, amada, mesmo quando tudo ao meu redor parecia desmoronar. — Luíza, onde você estava no fim de semana? — ele perguntou, afastando um pouco para me olhar nos olhos. Havia uma preocupação genuína em sua voz, e eu senti um nó na garganta. — Eu fiquei esperando, liguei, mandei mensagem... Nada. Fiquei preocupado. Eu respirei fundo, tentando encontrar as palavras certas. Como explicar algo que nem eu mesma conseguia entender direito? — Eu... eu fiquei de castigo — eu disse, baixando a voz, como se tivesse vergonha de admitir. — Cheguei tarde em casa na sexta, e Sebastião não gostou. Ele me deixou de castigo o fim de semana todo. Minha mãe pegou meu celular e meu notebook, então eu não pude avisar você. Eu queria tanto, Matheus, mas não tinha como... Ele ficou em silêncio por um momento, seus olhos castanhos claros estudando o meu rosto como se estivesse tentando decifrar cada emoção que eu estava sentindo. Eu sabia que ele não gostava de saber que eu era tratada assim em casa, mas ele também sabia que não podia fazer muito. Pelo menos não naquele momento. — Luíza... — ele começou, sua voz carregada de uma mistura de raiva e preocupação. — Eu não aguento ver você passando por isso. Você não merece ser tratada assim. Eu senti as lágrimas pressionando meus olhos, mas eu me segurei. Eu não queria chorar, não ali, não na frente dele. Eu só queria que ele soubesse que eu não tinha sumido porque quis. — Eu sei — eu sussurrei, apertando a mão dele. — Mas não tem muito o que fazer agora. Eu só... eu só queria que você soubesse que eu não te ignorei. Eu não sumi porque quis. Ele me puxou para outro abraço, e eu me deixei afundar nele, sentindo o calor do seu corpo contra o meu. Era como se, naquele momento, o mundo parasse, e só existíssemos nós dois. — Vamos dar uma volta — ele sugeriu, afastando um pouco e segurando minha mão. — Vamos pro meu carro. A gente pode ir pra minha casa, pedir uma comida, passar um tempo juntos. O que você acha? Eu senti meu coração apertar. Eu queria tanto dizer sim, tanto fugir daquela realidade, mesmo que por algumas horas. Mas eu sabia que não podia. — Eu não posso, Matheus — eu disse, minha voz quase um sussurro. — Eu ainda estou de castigo. Se eu não voltar direto pra casa depois da escola, vai ser pior. Sebastião já está de olho em mim, e eu não quero dar mais motivos pra ele me punir. Ele suspirou, frustrado, mas entendendo. Eu sabia que ele queria me proteger, mas também sabia que ele não podia fazer muito naquele momento. Então, ele apenas apertou minha mão e me olhou nos olhos. — Tudo bem, Luíza. Eu entendo. Mas promete uma coisa pra mim — ele disse, sua voz firme. — Quando você puder, me avisa. Eu quero estar perto de você, não importa o que aconteça. E, se um dia você precisar fugir dali, eu estou aqui. Sempre. Eu senti as lágrimas escaparem, finalmente. Ele sempre sabia o que dizer para me fazer sentir que eu não estava sozinha. Eu acenei com a cabeça, tentando sorrir através das lágrimas. — Eu prometo — eu disse, apertando a mão dele. — E, Matheus... obrigada. Por tudo. Ele me puxou para um último abraço, e eu me senti um pouco mais forte, um pouco mais capaz de enfrentar o que estava por vir. Porque, com ele eu podia sonhar com um futuro onde eu seria livre.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD