Investimento

2987 Words
Finalmente após semanas reclusas em minha casa ou no trabalho, estava respirando ar livre. Enquanto ouvíamos música francesa que certamente não estariam entre as minhas favoritas, eu e a Lívia conversávamos animadas sobre incidentes e coisas inusitadas ocorridas no local de trabalho. O assunto estava nos fazendo rir bastante, tornando o momento bem agradável. - Você sofreu tantos incidentes assim na cozinha? Perguntei rindo dela que afirmou ter se cortado e queimado inúmeras vezes. - Sinceramente, a cozinha pode ser um ambiente muito hostil. Pensa comigo. Tem facas de variados tipos e fogo por tudo que é lado. É um local para os fortes, pergunte a sua mãe. Disse ela. - Sei que é. Cresci dentro de um restaurante, embora a dinâmica da cozinha nunca tenha me interessado muito, sei o quanto exige atenção de quem trabalha nela. - Logo no começo do meu estágio de gastronomia na França, sofri um incidente na cozinha, mas não por erro ou culpa minha. Outro estagiário, que estava cuidando dos molhos, derramou um pouco em cima de mim, e mesmo a roupa me protegendo ainda me queimou bastante. - Onde se queimou? Perguntei e ela riu. - Pouca a baixo do umbigo. Disse rindo. - Mas que lugar pra se queimar. Comentei sem parar de rir. - r**m mesmo foi passar o dia todo trabalhando depois disso. Não quis ir embora e quando o expediente terminou que eu fui me trocar percebi que a situação não era nada boa. Saí direto para a emergência, foi uma queimadura de segundo grau. - Nossa! Sério mesmo? - Certamente se não fosse a doma teria sido muito pior... Não vou nem mencionar tantos outros incidentes com facas. É comum até o momento em que você desenvolve habilidade. Incidentes fazem parte, mas tem coisas que nunca esperamos ver. Eu por exemplo flagrei o chefe com um cozinheiro fazendo sexo no estoque após o fechamento da cozinha. - Dois homens? Questionei abrindo bem os olhos, me colocando no lugar dela ao se deparar com a cena. - Sim. E nesse caso o chefe era proprietário do restaurante. Disse rindo. - Nossa... É algum tipo de fetiche gastronômico? Brinquei com ela que riu. - Devia ser para eles. Tem tantos lugares melhor pra f********o. Não me parece que um estoque seja o mais apropriado... Se bem que para os homens é mais prático. Disse rindo. - Por favor, não me faça imaginar essa cena. Pedir rindo muito. - Pela sua cara tenho certeza que já imaginou. Continuamos rindo. - Mas e você Isabel... Já presenciou algo inusitado? Perguntou me olhando. - Qualquer coisa que eu diga não terá tanto impacto quanto o que me contou agora. Afirmei rindo. - O que eu mais via nas cozinhas da França eram os chefes flertando com funcionários. Rolavam boatos o tempo todo sobre garçons, sommelier. A quantidade de chefes gays em Paris devia entrar para o livro dos recordes. Afirmou parecendo ter vivido muitas coisas na França. - E você Lívia? É tão focada no trabalho que não flertava com ninguém? Perguntei e ela sorriu me olhando. - Me envolvi uma ou outra vez, mas nada muito sério. Meus horários não são exatamente os mais flexíveis para que uma mulher se interesse em ter um relacionamento comigo. Tenho consciência disso e não procuro desesperadamente por companhia. Embora... Ela se calou e riu. - Embora o quê? Incentivei-a falar e ela me olhou. - Sinta falta de sexo. Admitiu me fazendo engolir seco. - Normal. Declarei sem graça. - É sim... Normal... Acho que está bem tarde. Melhor voltarmos, não? Ela sugeriu rindo e eu concordei. A conversa havia seguido por um caminho tenso. Dirigi de volta para casa e nós duas nos despedimos em frente ao meu quarto. - Obrigada pelo passeio! Ela agradeceu sorridente. - Eu que lhe agradeço Lívia. Devemos fazer isso mais vezes. Sugeri por gostar da companhia dela. Ainda mais agora que estava sozinha. - Sempre que quiser. Boa noite! Disse ela, e eu sorri caminhando para entrar no quarto quando pensei... - Tem um Gastrobar de um conhecido. O lugar é bem legal, com sinuca e comida de boteco gourmet. Podemos ir amanhã, se estiver disposta. Convidei e ela me olhou surpresa e riu. - Comida de boteco é sempre bem vinda. Vamos sim! Aceitou o convite sem hesitar e eu sorri a olhando discretamente... Por mais que tivesse notada desde o primeiro momento o sua beleza, antes estava com a Letícia... A Lívia também possuía uma beleza fascinante. Só que ela normalmente se escondia na Doma, usando o cabelo preso. - Excelente. Amanhã, após o fim do expediente então. Combinei com ela que manteve um sorriso nos lábios. - Boa noite e bom descanso Lívia! Despedi-me antes de entrar no quarto. Pensando que precisava mesmo focar em outras coisas na minha vida, que não fossem o luto por meu pai e a tristeza pelo fim do meu namoro, imaginei que investir meu tempo no trabalho e quem sabe na companhia da Lívia, fosse muito mais produtivo. Deitei-me e demorei um pouco a dormir, porém desta vez consegui descansar melhor por me sentir menos tensa... Meu último pensamento antes de cair no sono foi o de que tinha o dever de reagir e voltar a fazer coisas que pudessem me animar. Acordei antes que o celular despertasse e deixei o quarto indo para a piscina. Preparei-me para nadar um pouco e depois de algumas braçadas senti-me cansada. Estava fora de forma. - É tão bom ver você nessa piscina filha! Observou minha mãe sentando-se em uma das espreguiçadeiras e eu saí da água sorrindo. - Preciso despertar os pulmões e receber um pouco de vitamina D. Afirmei lembrando o que a Lívia havia me falado. - Faz muito bem minha filha. Está mesmo precisando de sol. Observou minha mãe e eu apenas ri. - Sua irmã me disse que você vai ao Rio em alguns dias. Disse me olhando e eu confirmei. - Tenho um trabalho a fazer com o Rodrigo. Ficarei com ele e a Thati por alguns dias. A senhora quer ir comigo? Ainda essa semana o dinheiro dos nossos investimentos será liberado e se quiser podemos começar a procurar o seu novo apartamento. Sugeri e ela sorriu como se eu tivesse previsto sua intenção. - Vou com você! Ela afirmou parecendo bem disposta. - O café está servido! Chamou a Lívia da cozinha. - Essa moça é maravilhosa. Vocês duas deviam sair. Minha mãe sugeriu com um tom que insinuava muitas coisas. - Vamos sair essa noite. A senhora quer ir a um Gastrobar conosco? Perguntei preocupando-me em não deixá-la muito sozinha. - Não tenho mais idade para essas coisas Isabel. Repreendeu-me e eu ri. - Bobagem isso de idade mãe. Sinceramente, acho que a senhora precisa se divertir. Afirmei e minha observação pareceu chocá-la. - Minha diversão será levar meu neto ao parque e cuidar dele. Disse ela soando com uma verdadeira vovó. - Está certo. Se isso lhe satisfaz, fico feliz mãe. Agora vamos tomar café. Falei vestindo uma roupa. A Lívia tinha caprichado na mesa, com frutas, suco, bolo, pão, queijos e presunto de Parma. - Posso fazer uma tapioca especial para vocês? Ela se ofereceu e nós duas concordamos. Demonstrando sua habilidade ela preparou uma tapioca com queijo e presunto que ficou ainda mais gostosa com um pouco de manteiga derretida. Tanto eu quanto a minha mãe comemos com deleite, bebendo um café muito saboroso, também preparado por ela que parecia fazer as coisas deixando-as ainda mais gostosas. - Gostaram? Perguntou esperando ser elogiada. - Está muito bom. Você é muito caprichosa! Elogiou minha mãe. - Está ótimo mesmo Lívia. Muito obrigada por fazer o café! Agradeci e nós duas sorrimos uma para a outra. - Agora, preciso ir me arrumar, tenho uma reunião com o Fernando. Depois vou ao banco agendar a transferência dos nossos investimentos mãe. Devo comprar sua passagem, vai mesmo viajar comigo? Perguntei e ela confirmou. - Sendo assim vou providenciar tudo... Chego ao restaurante depois do horário de almoço Lívia. Vamos conversar sobre os contatos de ontem, pode ser? Perguntei olhando para ela que concordou. Voltei para meu quarto, tomei um banho e me troquei para ir ao trabalho. Estava dando andamento a algumas consultorias com o Fernando. Trabalhar ao lado dele era simples. Tínhamos bastante sintonia e com a ajuda da Marluce e do Geraldo tudo corria como devia. Depois da nossa reunião, segui para o banco e conversei um longo tempo com o gerente responsável pelos investimentos da minha família. Ainda precisava pagar o empréstimo feito pelo meu pai, mas depois de acertar tudo sobraria um bom valor, o suficiente para comprar ao menos um apartamento como a minha mãe desejava. Estava confiante de que ela teria uma vida confortável com a pensão e uma moradia ao seu agrado, e depois que conseguisse vender o restaurante, poderia reinvestir o dinheiro de outras formas para rentabilizá-lo de um jeito seguro. E ainda teríamos a nossa casa, que inicialmente cogitava alugar por intermédio de uma imobiliária... Na teoria tinha planejado tudo para garantir o nosso futuro. Saí do banco otimista e segui para o restaurante, onde assim que cheguei procurei a Lívia para que pudéssemos especular sobre o interesse de compra por parte de alguns empresários locais. De alguma forma desejava manter o legado do meu pai e garanti que tudo continuaria funcionando como estava mesmo com a chegada de um novo proprietário. Esperava também manter os colaboradores em suas funções, muitos trabalhavam com meus pais há anos. - Posso sondar um a um por você Isabel. Sei que tem compromisso no Rio nos próximos dias. Disse se mostrando solicita. - Ficaria agradecida se pudesse andar com isso nesse tempo que vou ficar fora. Afirmei. - Fique despreocupada, vou cuidar de tudo aqui por você e na sua volta andamos com o processo de venda e adaptação do novo proprietário. Ela garantiu tranquilizando-me. - Não sei o que seria de mim se não fosse por você aqui. Admiti e ela se levantou sorrindo. - Agradeça pagando uma cerveja para mim essa noite. Ainda vamos sair? Perguntou me olhando. - Claro que vamos. Pagarei quantas cervejas quiser! Afirmei e ela sorriu animada antes de deixar o escritório e voltar para a cozinha. Sozinha, aproveitei para entrar em contato com o Rodrigo e confirmar a minha viagem, avisando que minha mãe iria junto. Logo comprei nossas passagens aéreas, assim viajaríamos com mais conforto do que passando horas na estrada de carro, e eu ainda poderia deixá-lo a serviço do restaurante com a Lívia... Cuidei de tudo para partirmos em quatro dias. Permaneci no escritório até perto do fim do serviço, quando resolvi ajudar no fechamento do caixa e também apressar a organização do salão... Passava das dez e meia da noite quando finalmente fechamos. - Ainda está disposta a sair? Perguntei olhando para a Lívia que havia trabalhado o dia todo. - Mais do que disposta, preciso relaxar, você não? Respondeu animada. - Demora a ficar pronta? Perguntei a fazendo rir. - Vinte minutos é todo tempo que preciso. Afirmou com segurança e eu achei ótimo. Assim que chegamos seguimos para nossos quartos e em pouco mais de vinte minutos estávamos prontas para sair... Não pensei duas vezes ao escolher jeans, camiseta e uma jaqueta preta para vestir. E a Lívia também estava bem simples, com jeans e camiseta preta, blazer vinho e os cabelos soltos. Ela não precisava de muito para realçar sua beleza natural. Dessa vez escolhi a música, um pouco de Rock internacional era sempre bom, The Police e Nirvana para esquentar a noite antes de chegarmos ao Gastrobar. - Gosta de rock? Perguntou ela me olhando. - Prefiro. Respondi a fazendo rir. - Também gosto. Ela afirmou e eu fiquei um pouco desconfiada até perceber que ela estava cantarolando. O caminho até o Gastrobar não era muito longo, por isso logo chegamos e nos sentamos na área mais vazia do bar, onde podíamos conversar melhor e foi o que fizemos, conversamos muito e provamos vários petiscos acompanhados por uma cerveja artesanal muito gelada. - Aqui não tem lei seca? Ela perguntou depois que eu tinha bebido mais de três cervejas. - Por um momento esqueci que a Dani não está aqui para dirigir de volta. Declarei me sentindo mais leve com o álcool. - Podemos voltar de táxi. Ela sugeriu. - Não, eu vou parar de beber e tomar água ou suco. Afirmei. - Mas aqui tem fiscalização? Perguntou me fazendo rir. - Como diz a Dani, aqui não tem nada. Nada acontece nessa cidade! Declarei rindo bastante. - Tenho uma coisa pra confessar. Disse atraindo minha atenção. - Por favor, fale. Pedi olhando nos olhos dela, que tinham um tom marrom mais escuro que os da Letícia. - Esperei que me chamasse para sair mesmo com vontade de fazer o convite eu mesma. Alguma coisa me diz que você prefere ser a que toma atitude e não o contrário. Afirmou me chamando atenção. - Você me ajudou a perceber o quanto preciso me mexer para me livrar desse sentimento no qual estava submerso. Não tem sido fácil lidar com a morte do meu pai e ainda com a escolha da Letícia de partir. É muita coisa ao mesmo tempo acontecendo aqui dentro do meu peito. Declarei por estar levemente embriagada. - Entendo você Isabel. Na verdade me surpreende o quanto consegue ser forte. Disse ela me fazendo rir. - Se eu não for forte o que me sobra? Não tenho outra opção Lívia. Parece que a minha vida foi revirada e destroçada ao mesmo tempo. Esse é definitivamente o momento mais pavoroso da minha vida. Juro pra você que nunca imaginei passar por nada parecido. Às vezes sinto que é uma questão de instantes para que eu comece a surtar de verdade. Abri meu coração, sendo sincera... Estava devastada, despedaçada e fora do eixo. - Estou com você para o que precisar, sabe disso não sabe? Perguntou segurando minha mão. - Agradeço você. Aliás, é tudo que eu mais posso fazer nesse momento, lhe agradecer. Você tem sido uma amiga incrível. De fato não sei o que faria sem você Lívia. Obrigada! Segurei a mão dela também. - Você faria o mesmo por mim. Disse ela me encarando. - O que acha de jogarmos sinuca? Convidei e ela logo se animou... Estávamos mesmo precisando relaxar e nos divertimos na sinuca... Ela era boa jogadora, tinha firmeza ao segurar o taco, mas lhe faltava jeito para colocar a bola na caçapa. Tive muitos motivos para rir enquanto jogávamos e em alguns momentos me percebi olhando para ela ao se debruçar sobre a mesa... A Lívia era mesmo muito linda e tinha um alto astral contagiante. O Gastrobar estava fechando quando pedimos a conta e em seguida eu dirigi de volta sem correr muito, aproveitando para ouvir a música que tocava. The Final Countdowm – Europe. Convidá-la para sair foi à melhor coisa que fiz e depois de uma noite relaxante eu consegui dormir bem, como se não houvesse qualquer problema ou dilema na minha vida. Nos dias que se seguiram cuidei de tudo para fazer a viagem ao Rio de Janeiro com a minha mãe. Contando com a ajuda da Lívia deixei a cidade tranquila e disposta a me dedicar aos dias de trabalho com o Rodrigo e com a Nayara... Tínhamos que revisar o planejamento estratégico do escritório de eventos e a Aguiar me pediu para ajudá-la em um novo projeto. Coloquei-me a disposição dela e também da Joana, que seria patrocinadora do evento. Por alguns dias trabalhei bastante com a Nayara, esticando meu horário e até mesmo indo para o escritório na casa dela a fim de adiantarmos o planejamento. - É bom contar com sua disposição Isabel. Adiantamos muita coisa. Ela disse aliviada depois de trabalharmos um dia inteiro juntas. - Gosto de ter coisas importantes para focar. Afirmei. - Sou como você. Mas nesse momento preciso focar em outra coisa importante, minha esposa. Disse ela rindo. - Imagino que sim... Bom, eu vou indo. Amanhã continuamos no mesmo horário? Perguntei e ela concordou. - Nayara, licença. A Paola pediu que lhe chamasse. Disse uma moça loira abrindo a porta discretamente. - Diga que estou indo Vitória. Obrigada por avisar! Olhei para a moça que me olhou de volta antes de se afastar da porta. - Essa é a Vitória, ela é a babá da Gabriela. Uma moça muito dedicada. Disse a Nayara e eu apenas sorri a ouvindo. - Não prefere jantar antes de ir embora? Perguntou sendo gentil. - Eu vou levar minha mãe para jantar fora essa noite. Ela precisa sair um pouco. Afirmei. - Sendo assim, nos vemos amanhã no mesmo horário. Bom jantar e boa noite! Ela se despediu me estendendo a mão e eu a cumprimentei rindo. Convencer a minha mãe a sair foi uma tarefa difícil, mas com o incentivo da Thati e do Rodrigo também, ela acabou cedendo. Levei-a para um restaurante indicado pela Dani, que agora que estava namorando a Joana parecia conhecer os melhores lugares do Rio de Janeiro. - Então mãe, o que achou da comida? Perguntei assim que terminamos a sobremesa e ela sorriu satisfeita. - Muito bom mesmo filha. A Lívia teria gostado também. Disse ela. - Creio que teria mesmo. - Ela é uma moça linda. Muito inteligente e solícita. Parece querer cuidar de você. Afirmou deixando seu incentivo bem explícito. - Você tem razão mãe, mas eu e a Lívia somos apenas amigas. Garanti e ela sorriu de um jeito diferente que parecia dizer algo mais. Entendia perfeitamente que ela desejasse alguém como a Lívia como nora. A Lamartine além de muito inteligente e solícita, era preocupada e atenciosa comigo. As coisas poderiam ter sido bem mais fáceis se eu tivesse me apaixonado por alguém como ela não como a Zatinni.
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