Capítulo 9 – Entre Cordas e Acordos

884 Words
Rayca estava limpando os espelhos da sala de musculação quando viu a sombra se aproximar pelo reflexo. Não era Nico. O andar era mais pesado, mais firme. Virou-se devagar, já imaginando o pior. — Dona Rayca Wilmer, certo? A voz era seca, autoritária. Pertencia a um homem alto, de meia-idade, com olhos pequenos e frios. Estava de blazer mesmo no calor sufocante, e usava um relógio que custava mais do que a casa onde ela morava. — Sim... posso ajudar? — Pode. Me ouvindo. Sou Rogério Villar. Treinador e empresário do Nico. Ou melhor... o homem que tornou ele o que é hoje. Rayca apertou o pano entre os dedos, tentando manter a postura. — Entendo. E... por que está falando comigo? — Porque a gente sabe. — Ele deu um passo mais perto, o tom sem emoção. — Sabemos da casa. Sabemos da sua presença. Sabemos que o Nico está cada vez mais ausente, desconcentrado. E sabemos que você é o motivo. Rayca sentiu o estômago revirar. Quis negar, mas algo na forma como ele falava a impedia de fingir. — Eu não tenho intenção de atrapalhar nada... — Mas já está atrapalhando. Você acha que um lutador de alto nível pode se distrair com romance? Com criancinha? Com drama de aluguel atrasado? Ela sentiu a raiva subir pelo corpo como uma labareda. — Ele não é uma máquina. — Não. Mas é um investimento. E nós investimos muito nele. Patrocinadores, acordos, contratos. Tem gente grande apostando milhões no nome do Nicholas Santiago. E não vamos deixar que nada... nada, entendeu bem? — ele se inclinou ligeiramente —... coloque isso em risco. Rayca estreitou os olhos. — Está me ameaçando? — Não. Estou te alertando. Saia de perto. Antes que as coisas fiquem mais difíceis pra você... e pra ele. Ele deu meia-volta e saiu sem olhar para trás, deixando Rayca com os joelhos fracos e o coração batendo alto no peito. Nico chegou à casa mais cedo naquela noite. Estava animado, havia conseguido reduzir os treinos do dia e planejava preparar o jantar — algo raro e potencialmente desastroso, considerando sua habilidade culinária. Mas a expressão de Rayca o fez largar a sacola no balcão sem dizer nada. — O que houve? Ela hesitou. Pensou em poupar, em esconder, mas o olhar dele era firme demais para mentiras. — Seu treinador. Ele veio até mim hoje. — O quê? — A raiva brotou imediatamente no tom de voz dele. — O que ele te disse? — Que sabe de tudo. Que você é um investimento. E que eu estou no caminho. Nico passou as mãos pelo cabelo, dando um passo para trás. Andou pela sala como um touro prestes a explodir. Então pegou o celular, ligou imediatamente. — Villar? A gente precisa conversar. Agora. Na academia. A conversa não foi tranquila. A academia estava vazia àquela hora, mas a tensão preenchia o espaço como um ringue prestes a ver sangue. — Você perdeu o juízo, Rogério? Indo atrás da Rayca? — Eu fiz o que precisava ser feito, Nico. Alguém precisava te lembrar do que está em jogo. — Você não tinha esse direito! — Tenho todos os direitos! — gritou o treinador, batendo a mão na parede. — Fui eu que tirei você das ruas! Fui eu que banquei suas primeiras lutas, seus treinos, suas viagens! Você acha que chegou onde está por conta própria? Nico cerrou os punhos. — Eu não pedi pra você fazer nada disso. Mas eu agradeço. Agradeço por ter acreditado. Mas você não manda na minha vida. — Mando sim. Pelo menos até a última luta. E você assinou contratos. Fez acordos. Participações em lucros, marketing de imagem, cláusulas de exclusividade. Você pertence ao personagem que criamos. E o “Nico apaixonadinho por uma faxineira estrangeira” não vende, entendeu? Nico avançou dois passos. — E o que você vai fazer? Me obrigar a terminar com ela? Vai ameaçá-la? Acabar com a vida de uma mulher só porque ela atrapalha seu plano de enriquecimento? Rogério respirou fundo, tentando retomar o controle. — Eu não sou o vilão aqui, garoto. Eu sou o cara que te tirou da lama. Mas você tá tão cego por essa mulher que esqueceu o quão fundo era o buraco. Quer voltar pra lá? Quer ver tudo desmoronar? O silêncio entre eles foi como um soco no estômago. — Eu vou lutar, Rogério. Vou ganhar essa p***a de campeonato. Mas vou fazer do meu jeito. E com ela ao meu lado. — Então que seja. Mas se errar um passo, um mísero passo... não diga que não foi avisado. Quando Nico voltou para casa, Rayca já estava deitada, mas não dormia. Ele se deitou ao lado dela, virado de lado, os olhos nos dela. — Promete que não vai embora? Ela tocou o rosto dele com carinho. — Só se você também prometer. Ele sorriu, cansado, mas verdadeiro. — Prometo. Naquela noite, não fizeram promessas grandiosas. Nem planos mirabolantes. Apenas ficaram ali, entre os lençóis, entre o medo e a coragem, tentando descobrir até onde o amor aguentaria os golpes da realidade. E Rayca, pela primeira vez em muito tempo, teve medo não da pobreza, nem da solidão. Mas de tudo dar certo… e ainda assim não ser o bastante.
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