Capítulo 4 – O Domínio do Silêncio

1385 Words
Vincenzo A lâmpada no teto lançava um brilho pálido sobre a sala dos troféus, fazendo refletir nos pisos de ônix os contornos dos troféus de caça e das antiguidades macabras que minha família colecionou ao longo das gerações. As paredes estavam forradas com cabeças empalhadas — veados, leopardos, até um raro lince das montanhas — todos testemunhas mudas do poder e dos instintos mais primitivos dos Vitale. Conduzi Elena até o centro daquele santuário de crueldade, mantendo-a próxima de mim, como quem segura a presa antes do golpe fatal. — Aqui — anunciei, esmagando a ponta do charuto contra o cinzeiro de cristal — seria o lugar perfeito para entendermos o preço da desobediência. Ela manteve a compostura, a máscara de seda n***a encobrindo o queixo delicado, mas nos olhos vi o incômodo. Seus dedos se entrelaçavam nervosos, revelando uma tensão que eu desejava explorar. Lembrei-me, então, do tio Marco, que ousara se opor ao meu pai há alguns anos. Ele fora levado a esta mesma sala, com as mãos amarradas por cordas de couro cru. Os capangas se afastaram e deixaram-no sozinho diante da peça central daquele recinto: uma mesa de carvalho escuro, encimada por um grande punhal de lâmina larga, ainda manchada de sangue antigo. Meu pai fizera questão de vê-lo pular cada vez que a lâmina deslizava entre os dedos dele — um lembrete brutal de que os Vitale puniam não apenas o corpo, mas o espírito. Conduzi Elena até a mesa. Senti o peso do olhar dela, curioso e assustado, mas mantive a minha expressão impenetrável. Pendurei a capa escura que usava num cabide próximo e passei a mão na gravata de seda preta, ajeitando-a com gestos frios de formalidade. — Observe cada detalhe — disse, o tom neutro. — Aprenda o que acontece com aqueles que se atrevem a trair. Ela permaneceu estática por um instante, o olhar preso no punhal. Inspirei lentamente, saboreando a tensão. — Por que… por que estamos aqui? — arriscou Elena, a voz embargada pela emoção contida. — Para demonstrar poder — respondi, andando em círculos ao redor da mesa, como um predador avaliando a presa. — Disciplina. Lealdade. O custo de desafiar a autoridade dos Vitale. Ela ergueu o queixo num gesto de dignidade cortada, mas por trás da máscara de seda vi a sombra de dúvidas: “Até onde ele irá?” Pensei. Esse lampejo de curiosidade me agradou e ao mesmo tempo me trouxe preocupação: era sinal de que ela entendia o jogo, mas também de que desejava lutar. Parei diante dela e toquei o cabo do punhal com a ponta do sapato social. A lâmina reluzia, fria como meu olhar. — Imagine que esta lâmina represente o contrato que você assinou — falei, solto a sílaba com precisão de cirurgião. — Cada cláusula em favor da família Vitale. Cada promessa de obediência. Cada silêncio seu diante das ordens que poderão surgir. Elena desviou os olhos, e seu rosto tremeu sob o véu. Quis sentir o impulso de alívio, mas a verdade era outra: eu sentia a chama do controle acender ainda mais forte em meu peito. — E se eu falhar? — ela sussurrou, com o medo transbordando na voz. — Falhar? — repeti, inclinando-me para avaliar a reação dela. — Trair… será uma sentença. Soltei um riso contido — um som sem alegria, mas carregado de aviso. — Não haverá recurso. — Me afastei e caminhei até a mesa. — Por isso trago você aqui. Com um movimento lento, retirei do bolso do sobretudo um pedaço de pergaminho — o próprio contrato de casamento por convenção. A tinta escarlate brilhava sob a luz. Entreguei-lhe o papel sem tocá-la, mantendo minhas mãos sempre limpas de qualquer açúcar emocional. — Leia — ordenei. — E lembre-se, cada palavra é firme como a lâmina. Ela estendeu o braço trêmulo e segurou o contrato. Eu recuei para permitir que o feixe de luz incidisse sobre o documento, revelando o texto extenso e intricado que ligava nossos destinos. Seus olhos seguiram cada linha: cláusulas de território, obrigações políticas, punições exemplares, até mesmo regulamentações sobre sua conduta em público e em privado. Enquanto ela lia, visualizei o poder que tinha sobre ela. A habilidade de ditar seus passos, suas alianças e até seus momentos de prazer e dor. Um sorriso sombrio se formou em meu rosto. A dor — a certeza de que minha ascensão se mantinha graças ao sacrifício de outros — era algo que eu valorizava, pois me lembrava de quão longe estava disposto a ir. — Está claro? — perguntei, inclinando-me. — Esta é a realidade que escolheu aceitar. Elena ergueu os olhos para mim, o rosto pálido e os lábios tremendo. Veio à tona a mais profunda vulnerabilidade — a angústia de saber que seu futuro já estava escrito, sem espaço para livre-arbítrio. Por um instante, senti um lampejo de compaixão; mas suprimi-o, lembrando-me de que a compaixão era fraqueza, e eu jamais me permitira manifestá-la. — Está claro — murmurou, m*l audível. — Eu… entendo. Permiti-lhe um segundo de silêncio, deixando que a voz ecoasse na sala. Então, tirei do coldre um pequeno recipiente de vidro contendo um pó esbranquiçado — um sedativo suave, usado para pacificar prisioneiros sem mutilá-los. Desfraldei o conteúdo sobre a lâmina, criando um brilho fosco na superfície metálica. — Isto é… para caso precise calmaria — expliquei, guardando o recipiente. — Um lembrete de que até a mente mais obstinada pode ser domada. Elena desviou o olhar novamente, mas não ousou questionar. A sedução do medo era tão poderosa quanto o perfume de sua pele. Cada detalhe daquele ritual reforçava meu controle e fazia com que ela percebesse: eu não a amava, eu a possuía. E a possessão, para mim, era o ápice da satisfação. — Você cumprirá — concluí, retomando a capa e ajeitando-a nos ombros — as ordens que lhe forem dadas. Sem hesitar. Sem choro. Sem desculpas. Deixei-a ali, silenciosa e tensa ao lado da mesa, enquanto me afastava para observar de longe. Fiquei encostado numa coluna de mármore n***o, os braços cruzados, absorvendo cada nuance de sua expressão. O medo se misturava ao orgulho; a tristeza, à determinação. Elena era uma combinação complexa de emoções conflitantes — exatamente o que eu desejava. Ao me afastar, ouvi seus passos vacilantes. A porta da sala se fechou com um estalo seco, separando-nos fisicamente, mas a sensação de possessão se estendia além da madeira maciça. Eu sabia que, naquela noite, a mente dela estaria ocupada não por revoltas, mas por cálculos para sobreviver. Caminhei pelo corredor até a sala de reuniões privativa, onde meus oficiais aguardavam. Cada um deles reverenciou-me com a cabeça, em sinal de respeito e temor. Não precisei dizer uma palavra: o silêncio impunha mais obediência do que qualquer grito. Sentei-me à cabeceira da longa mesa envernizada, fechei os olhos e senti a adrenalina correr em minhas veias. Havia algo no olhar de Elena que me intrigava — uma faísca de vida e desafio, capaz de incendiar meu domínio. Aquela mesma faísca que poderia transformar-se em fagulha de rebelião, caso eu deixasse. Abri os olhos e encarei os capangas. — Mantenham vigilância redobrada na ala leste — ordenei. — Sem exceções. Eles assentiram, compreendendo que não se tratava apenas de proteger Elena, mas de garantir que ela nunca esquecesse quem estava no comando. A crueldade calculada, o medo sutil, a promessa de punição — tudo fazia parte do domínio que exerço. Antes de deixar a sala, pus a mão no coldre da arma e apertei-a ligeiramente. A sensação do aço frio me trouxe satisfação. Saí para o ar noturno, onde as nuvens encobriam a lua, e respirei profundamente. Gostava das noites em que o silêncio gritava, pois nelas eu podia ouvir o eco das ordens que os Vitale impunham ao mundo. E sabia que, em breve, Elena ouviria também — de forma clara, devastadora — o som do meu controle absoluto. Ali, sob o céu sem estrelas, prometi a mim mesmo que o jogo continuaria: até que ela se dobrasse por completo, ou até que algo inesperado surgisse no olhar dela, capaz de me deter. Porque, o verdadeiro domínio não está apenas nas armas ou no sangue derramado — mas na mente e no coração de quem acredita poder desafiar o silêncio.
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