O sol da manhã ainda lutava para romper a névoa sobre o vilarejo.
As ruas estavam úmidas, o ar cheirava a madeira e a vinho barato um prenúncio de mais um dia de trabalho e dívidas.
Frederic Pérez seguia pela rua principal com o semblante cansado, os passos incertos.
Levara o chapéu baixo, tentando esconder o rosto.
No bolso, apenas algumas moedas o suficiente para comprar pão e, talvez, mais uma garrafa.
Mas, antes que chegasse à madeireira, uma sombra se moveu à frente.
Um homem alto, de casaco escuro, se colocou em seu caminho.Atrás dele, outro cavaleiro desmontava lentamente.
O primeiro abriu um sorriso frio
— Senhor Pérez… estávamos à sua procura.
Frederic congelou.O estômago revirou.Reconheceu o brasão bordado no ombro do casaco o símbolo dos Cavalcante.
E então, por trás do capanga, surgiu Estefano, impecavelmente vestido, o rosto sereno, mas o olhar duro.A diferença entre ele e o brutamontes era gritante enquanto um emanava brutalidade, o outro exalava controle e autoridade.
— Senhor Pérez — disse Estefano, descendo do cavalo. — Receio que nossa paciência esteja se esgotando.
Frederic tentou se recompor, mas a voz lhe saiu trêmula:
— Eu… eu preciso de mais tempo. A madeireira está atrasada com os pagamentos, e—
— Tempo — interrompeu Estefano, com calma, mas firmeza. — É o que o senhor vem pedindo há meses. Meu pai não é um homem paciente.
O capanga deu um passo à frente, abrindo o sobretudo para que o brilho metálico de um revólver fosse visível apenas o suficiente.
Frederic empalideceu.
— Por favor… — sussurrou ele. — Não diante de todos…
Mas poucos estavam na rua apenas algumas pessoas distantes.E uma delas era Amélie.
Ela vinha do mercado, o cesto de frutas nos braços, quando reconheceu a voz do pai.
Ao virar a esquina, o viu acuado, encolhido, diante do herdeiro Cavalcante e de um homem que exalava ameaça.
O coração de Amélie disparou.
Instintivamente, ela se escondeu atrás de uma carroça parada, observando em silêncio.
Estefano falava baixo, mas ela podia sentir a tensão em sua voz.
— Ninguém quer humilhá-lo, senhor Pérez. Mas a dívida precisa ser resolvida.
Frederic balançou a cabeça, desesperado.
— Eu sei, eu sei… eu só preciso de mais alguns dias!
Estefano hesitou.
O capanga, impaciente, murmurou:
— Se ele não pagar, patrão, o velho sabe o que acontece.
Por um instante, os olhos de Estefano escureceram.
O lado frio e herdado de seu pai quase o venceu mas, então, uma sensação o atingiu como um relâmpago.
Amélie.
Ele sentiu o olhar dela antes mesmo de encontrá-la.
Olhou discretamente em volta e então a viu, meio escondida, os olhos arregalados de medo.
Um instante. Um olhar.
E ele hesitou, não queria mágoa-la.
Com voz firme, ele encerrou a conversa:
— Basta. Por hoje, já deixamos claro o bastante.
O capanga resmungou, mas obedeceu.Frederic, sem entender o motivo do recuo, apenas assentiu, tremendo.
Estefano montou novamente no cavalo, mas, antes de partir, lançou um último olhar discreto na direção de Amélie.
Ela entendeu. Esperaria.
Assim que o pai se afastou, ela se escondeu atrás da esquina o coração batendo forte, o cesto apertado contra o peito.
Minutos depois, o som dos cascos se aproximou.
Estefano vinha sozinho desta vez.Quando ela o viu passar, deu um passo à frente.
— Senhor Cavalcante — chamou, a voz trêmula, mas decidida.
Ele segurou as rédeas e parou.
Os olhos castanhos encontraram os olhos cor de mel dela.
Por um momento, o mundo inteiro pareceu silenciar.
— Senhorita Pérez… — ele respondeu, descendo do cavalo. — Achei que não fosse se dirigir a mim, depois do que viu.
Amélie respirou fundo.
— Não deveria, mas, preciso entender… o que o senhor pretende com meu pai.
Estefano a observou por alguns segundos.Havia força na voz dela, apesar do medo.
E naquele instante, ele soube que não conseguiria mais tratar aquela moça como uma simples consequência de uma dívida.
— Então venha — disse ele, com suavidade. — Vamos conversar, longe dos olhos curiosos.
E enquanto caminhavam lado a lado por uma viela tranquila.