A noite seguinte veio silenciosa e c***l.
A música e os risos do baile haviam se dissipado, restando apenas os ecos distantes da festa e o som constante do vento batendo nas janelas.
Amélie foi acordada ainda antes do amanhecer por duas criadas. Nenhuma delas ousou olhá-la diretamente apenas cumpriam ordens.
— A senhora Francesca mandou que se aprontasse — disse uma delas, a voz seca. — Suas coisas já estão separadas.
Amélie sentou-se, o coração apertado.
— Separadas…?
— Vai trabalhar na ala externa — respondeu a outra, desviando o olhar. — O cocheiro vai levá-la.
Sem ter tempo nem de protestar, Amélie vestiu o casaco simples e juntou o pouco que possuía. As mãos tremiam ao segurar o lenço que era da sua mãe, o único bem de valor sentimental que restava.
Enquanto caminhava pelos corredores escuros, sentia os olhos das outras criadas a seguirem algumas com pena, outras com satisfação.
"Ela era bonita demais para durar aqui”, cochichavam.
Quando passou pela entrada principal, o frio da madrugada cortou-lhe a pele. O cocheiro aguardava, e ao lado da carruagem, um capataz a esperava com expressão impassível.
— Suba. — disse ele.
O trajeto foi longo e silencioso. A cada balanço da carruagem, o medo apertava mais o peito. Ela sabia que a ala externa não era um simples deslocamento de serviço era castigo.
Ficava perto dos estábulos e das antigas casas de armazenamento, isolada do restante da mansão. Lá, os trabalhadores mais pobres e castigados dormiam, muitos em camas de palha e sem aquecimento.
Quando chegaram, o capataz abriu a porta e apontou para um pequeno cômodo de madeira ao lado do celeiro.
— Aqui vai ser o seu quarto. — disse, seco. — O trabalho começa ao nascer do sol.
Amélie entrou.
O quarto era úmido e cheirava a feno e ferrugem. Uma cama estreita, um cobertor gasto e um balde com água fria nada mais.
Ela se sentou devagar, tentando conter as lágrimas.
"Por que tudo parece punição?”, pensou.
“Eu só queria que isso acabasse logo”
Encostou a cabeça nas mãos e chorou baixinho, o som se misturando ao assobio do vento lá fora.
Mas, ao mesmo tempo, algo dentro dela se recusava a se quebrar completamente.
Talvez fosse a lembrança do olhar de Estefano, ou a voz dele dizendo que ela não merecia sofrer.
Ela respirou fundo e enxugou o rosto.
“Eu vou resistir,” pensou, em silêncio. “Mesmo que me tirem tudo, não terão o meu espírito.”
Enquanto isso, na ala principal da mansão, Francesca tomava o café da manhã diante da lareira, serena como se nada tivesse acontecido.
Mas quando uma criada entrou trazendo um bilhete, ela ergueu o olhar.
O papel estava lacrado com o selo de Estefano.
Ela o abriu, e os olhos se estreitaram ao ler as palavras firmes:
“Se a senhorita Pérez não voltar à casa em segurança até o entardecer, eu irei buscá-la e desta vez, não pedirei permissão.”
Francesca dobrou o bilhete lentamente, pousando-o sobre a mesa.
Um sorriso fino, perigoso, curvou-lhe os lábios.
— Então é guerra, meu filho — murmurou. — Veremos até onde vai por uma criada.