Capítulo 21. Eu vou

722 Words
O entardecer caiu silencioso sobre a pequena casa dos Pérez.A carta dos Cavalcante estava aberta sobre a mesa, o selo prateado quebrado, o papel tremendo levemente com o vento que entrava pela janela.As quatro irmãs olhavam para ela como se fosse uma sentença. — Isso não é uma proposta — disse Teresa, a mais velha, com a voz firme. — É uma armadilha. Isabel a segunda mais velha, passou as mãos pelos cabelos, nervosa. — Mas o pagamento é alto… a quitação da dívida, talvez seja nossa única chance. Clara virou-se para ela, indignada. — Está ouvindo o que diz? Quer entregar uma de nós para aquela família? Depois de tudo o que ouvimos sobre eles? Isabel suspirou, sem coragem de encarar a irmã. Amélie, calada até então, mantinha os olhos fixos na carta. As letras dançavam diante dela, mas uma frase parecia brilhar mais do que as outras: “oportunidade de trabalho honesto e digno”. Ela se lembrou de Estefano do modo gentil como ele a olhara, da voz calma ao falar com ela, diferente dos outros homens da cidade.Será que ele saberia dessa proposta?Ou… teria sido ideia dele para ajudá-los? O som pesado da porta batendo interrompeu o silêncio. Frederic entrou cambaleando, com o cheiro forte de álcool e serragem impregnado na roupa.O olhar cansado e avermelhado denunciava mais uma tarde na taverna. — O que estão cochichando aí, hã? — rosnou, jogando o chapéu sobre a cadeira. — Nem chego em casa e já sinto os olhares de desgosto de vocês para cima de mim. Teresa tentou esconder a carta, mas ele percebeu. — Me mostrem isso. — Ele tomou o papel das mãos dela. — O que é isso? Leu em silêncio por um instante, e um sorriso torto se formou em seu rosto. — Então os Cavalcante resolveram ser..... heh… tarde demais pra fingirem piedade. — Papá... — começou Teresa, cautelosa — talvez seja uma chance. — Chance? — Ele bufou. — Chance de quê? De me humilharem mais? Acham que eu não sei o que eles querem? Acham que não sei o que esse maldito nome significa? Eles são cruéis. Ele amassou a carta com força e a jogou sobre a mesa. — Nenhuma de vocês vai pôr um pé naquela casa, entenderam? Clara deu um passo à frente. — Mas papá, e as dívidas? E se for a única forma de— — Cala a boca menina! — rugiu ele, batendo a mão na mesa. — Eu disse que não! O som ecoou pelo pequeno cômodo.Amélie recuou um passo, assustada.Frederic respirava pesado, os olhos marejados de raiva e vergonha.Sem dizer mais nada, ele virou-se e saiu, a porta batendo atrás dele com força. O silêncio que se seguiu foi doloroso. Teresa apertou os olhos, tentando conter as lágrimas. Isabel se sentou, abatida, Clara suspirou cansada. Amélie ficou parada por um momento, olhando para o chão.Podia ouvir os passos do pai se afastando pela rua, o som familiar e triste de quem foge de si mesmo. — Ele não vai mudar, — murmurou ela, enfim. — E se não fizermos nada, a dívida só vai crescer e vamos acabar perdendo a única coisa que nos resta, essa casa. Teresa olhou para ela, alarmada. — Amélie, não pode estar pensando em— — Eu vou, irmã.— A voz dela soou calma, mas decidida. — Eu aceito a proposta. — Não! — Isabel se levantou, chorosa. — Você não sabe o que está dizendo! — Eu sei. — Amélie ergueu o rosto. — Se eu for, talvez eles parem de atormentá-lo. Talvez papá tenha paz. — Mas, Amélie, eles não especificaram qual irmã, talvez eu deva ir, sou mais velha.— Exclamou Clara. — Não, vocês me ensinaram tudo, sei cozinhar, passar, limpar, e..sou mais nova, vocês tem trabalho a fazer aqui, e ajuda papá com as contas. As irmãs se entreolharam, impotentes.Nada do que dissessem mudaria a expressão serena quase resignada de Amélie. Ela recolheu a carta amassada da mesa e alisou o papel com cuidado, como se fosse algo precioso.Lá fora, o céu tingia-se de vermelho, o sol mergulhando atrás das colinas.Enquanto o vento balançava as cortinas, Amélie Pérez, com o coração apertado, selava o próprio destino. — Amanhã irei à casa dos Cavalcante. — disse, baixinho. — Seja o que Deus quiser.
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