O sábado chegou. O campo de terra no alto do Vidigal tá marcado. De um lado, a tropa se organiza. Do outro, o morro ferve. R.P. não vai recuar. E Bruna… tá no meio do fogo cruzado.
O relógio marcava 18h17. O sol começava a sumir atrás dos morros, tingindo o céu de laranja queimado. O calor do dia ainda grudava na pele, mas o clima era de tempestade.
Bruna estava no quarto, andando de um lado pro outro, o celular na mão. Ela já tinha mandado a mensagem. Já tinha avisado. Agora era esperar.
Na zona sul, o Coronel Álvaro reunia os comandos no quartel. Mapa aberto, rádio na escuta, helicópteros prontos.
— "Entramos às 22h. Discrição total. Pegamos eles no momento da entrega. R.P. vai cair hoje."
No morro, R.P. andava com os braços cruzados pelas vielas. Deu ordem pra todos os soldados: armamento posicionado, olheiros nas bocas, crianças recolhidas. A favela se preparava como um exército.
Na laje, Luiza encostou ao lado dele.
— "Certeza que vai encarar isso de frente?"
— "Certeza nenhuma. Mas se hoje for meu último dia, vou cair de pé."
Ela o encarou.
— "E a Bruna?"
Ele olhou pro céu, sério.
— "Ela vai me ver como eu sou. Sem máscara. Sem mentira."
21h38.
Bruna pegou o carro escondida. Não pensou duas vezes. Subiu o morro pela rua de trás. A adrenalina fazia as mãos dela tremerem no volante. Chegando perto do campo, viu os primeiros olheiros.
— "É a filha do sistema." — disse um dos moleques no rádio.
R.P. apareceu na entrada. Quando viu ela, não disfarçou a surpresa.
— "Você é doida. Tá fazendo o quê aqui?"
— "Eu não ia ficar em casa esperando o tiroteio começar. Se alguém cair hoje, eu vou ver com meus próprios olhos."
Ele a puxou pro canto.
— "Você não entende, Bruna. Isso aqui vai ser guerra. Não tem como segurar."
— "Então vamos fugir. Agora. Eu e você."
Ele riu, amargo.
— "E deixar minha favela? Nunca."
21h59.
Os primeiros helicópteros começaram a sobrevoar o céu. Barulho abafado, mas presente. Os rádios no morro apitaram todos ao mesmo tempo:
— "Subindo viatura pela principal. Quatro, cinco... seis!"
R.P. olhou em volta, puxou a arma da cintura.
— "Vamos mostrar pra eles que aqui tem dono."
Bruna agarrou o braço dele.
— "Se você atirar, meu pai vai atirar de volta. E aí ninguém volta pra casa."
Ele a encarou. Olhos duros, mas tremendo por dentro.
— "Então reza, princesa."
22h00.
O primeiro tiro ecoou.
A favela explodiu.
O Vidigal vira zona de guerra. A polícia sobe com tudo, o tráfico responde, e o caos se instala. No meio disso tudo, Bruna tá entre balas perdidas e promessas quebradas. O que era romance agora é sobrevivência.
22h01.
O estampido seco do primeiro disparo ecoou como trovão nas vielas. Em segundos, o som se multiplicou. Rajadas, gritos, explosões pequenas. O campo de terra virou um campo de guerra.
Bruna se jogou no chão, protegida atrás de um muro quebrado. A poeira subia no ar como fumaça de incêndio. As mãos dela tremiam, o coração batendo tão alto que abafava até o barulho dos tiros.
— "BRUNA!" — era R.P., gritando por ela entre os sons de guerra. — "FICA AÍ! NÃO SAI DA p***a DESSE CANTO!"
Ela tentou responder, mas a garganta travou.
No alto do morro, soldados armados da PM avançavam pelas vielas em formação. Coronel Álvaro estava no comando, observando tudo pelo rádio e pelas câmeras do helicóptero.
— "Foco no campo. Confirmada presença do alvo. Repito: R.P. está no local."
R.P. corria entre os becos, sem colete, sem reforço — só ele, uma pistola e a coragem de quem viveu a vida toda pronto pra morrer. Ele gritava ordens, coordenava os irmãos de farda do crime.
— "Segura na entrada da viela três! Barreia a leste! Ninguém entrega esse morro, c*****o!"
Mas o avanço da polícia era preciso. Era militar. Tático. E impiedoso.
22h15.
Um dos garotos do tráfico, não mais velho que 16 anos, levou um tiro no peito. Caiu no chão com os olhos arregalados. R.P. parou tudo. Correu até ele, se ajoelhou.
— "Pega ele! LEVA ELE!"
Mas era tarde. O menino morreu nos braços dele.
Bruna viu a cena de longe. Lágrimas desceram. Aquilo não era filme. Não era jogo. Era real.
Ela levantou, correu até R.P. contra tudo e todos.
— "VOCÊ VAI MORRER!"
Ele segurou ela pelos ombros, olhos vermelhos, sujo de sangue.
— "Já tô morto desde os 14, princesa."
Na mesma hora, o som de um helicóptero pairando bem em cima deles. O foco de luz desceu como um holofote do juízo final. E no rádio:
— "Comandante, temos visual de R.P. com uma mulher ao lado. Aguardando ordem."
Coronel Álvaro pegou o rádio. A mão dele tremeu.
— "Repita. Uma mulher?"
— "Positivo, senhor. Parece... parece ser sua filha."
Silêncio. Todos os oficiais no QG se entreolharam. O coronel empalideceu.
— "Segura. Não atirem. Quero confirmação."
R.P. puxou Bruna pra trás de uma mureta. Os dois sujos, ensanguentados, cercados. Ele encostou a testa na dela, no meio da loucura.
— "Se eu cair, você foge. Some. Entendeu?"
Ela balançou a cabeça.
— "Se você cair, eu caio junto."
E foi nesse momento que uma explosão pequena, no beco ao lado, fez tudo tremer. Um tiro ecoou. Um grito se perdeu. E a história mudou.
Agora a polícia descobre oficialmente quem é Bruna. E nada mais será igual. Bora seguir?
A verdade vem à tona. E quando o amor colide com o dever, alguém sempre sangra. Bruna agora vai ter que encarar o próprio pai — não como filha, mas como cúmplice do inimigo número um do Estado.
22h22.
O rádio militar explodiu em gritos. A tropa hesitou. O nome “Bruna” circulava nos canais como um alerta vermelho.
No helicóptero, o operador de câmera deu zoom no rosto sujo de terra e sangue da garota ao lado de R.P.
— "Confirma visual. É ela, Coronel. É sua filha."
O Coronel Álvaro perdeu o ar. A sala ficou muda. Os oficiais o encaravam, mas ninguém ousou dizer nada. Ele, o homem frio, duro, general de guerra… estava quebrado.
Pegou o rádio e respondeu com voz embargada:
— "Ordem: cessar avanço imediato. Repito: cessar avanço. Quero minha filha viva."
No campo, os policiais pararam de atirar. A troca de tiros cessou aos poucos, como uma tempestade se afastando. Mas o silêncio que ficou era pior.
R.P. percebeu. Sentiu no ar. Olhou pra cima. Helicóptero parado, holofote desligado.
Bruna ainda tremia nos braços dele.
— "O que tá acontecendo?"
— "Ele sabe. Seu pai viu você."
Ela arregalou os olhos.
— "Ele vai te matar..."
— "Não agora. Não enquanto você estiver aqui."
R.P. a puxou pela mão, correu com ela por entre becos, cortando o morro por dentro. Chegaram numa casa abandonada, entrada camuflada atrás de um portão de madeira. Lá dentro, um bunker improvisado — colchões, armas, rádios, papelotes, dinheiro.
Bruna caiu sentada no chão. Ofegante. O rosto coberto de fuligem. Lágrimas misturadas com suor.
— "Eu estraguei tudo."
— "Não." — ele disse. — "Você só quis amar alguém. Mas no nosso mundo, amor custa caro."
Ela olhou pra ele, olhos marejados.
— "O que vai acontecer agora?"
— "Agora..." — ele suspirou — "Agora a guerra muda de lado."
No QG da PM, o Coronel Álvaro estava trancado no próprio escritório. Sozinho. A mão dele tremia segurando a foto de Bruna criança — no colo dele, com uniforme branco da escola.
Do lado de fora, Caio batia na porta.
— "Coronel. Precisamos de ordens. A tropa tá confusa."
Ele respondeu, firme, mas com dor na voz:
— "Minha filha escolheu o lado dela."
Caio hesitou.
— "Vai mandar matar ela também?"
Silêncio.
— "A partir de hoje... ela não é mais minha filha. É inimiga do Estado."