Any narrando
Estranho cadê a Manu? pergunto pra mim mesma assim que entro em casa. Será que
ela dormiu lá ou será que tá com o Terror.
Entro no quarto dela e tá tudo arrumadinho do jeitinho que ela deixa as coisas.Volto pra sala e deixo minha bolsa no sofá. Não é possível que ela tenha dormido com o Terror depois dele ficar se agarrando com aquela mulher.
Pego o celular e vou direto nas mensagens. Nenhuma notificação dela, só as conversas antigas.Mando mensagem mais só aparece a confirmação de envio e nada da notificação de recebimento. c*****o! Cadê a Manuela? Passo as mãos no cabelo, ligo pro número dela mais só da caixa postal.Meu peito aperta. Se ela estiver enfiada na casa do Terror eu vou matar a Manu.
Ontem eu vim direto pra casa do Renan depois da resenha. Tava cansada, então nem pensei muito antes de me jogar na cama dele e apagar. Hoje, quando acordei, ele já não tava por lá. Nem sinal de vida. Peguei minhas coisas e vim pra casa, meio que na esperança de encontrar a Manu aqui e saber o que rolou.
Vou direto pro meu quarto, com o celular já na mão, discando o número do Renan. E me sento na beira, batendo o pé no chão impaciente. No terceiro toque, ele atende.
Renan me conta que, depois que saí da resenha, o Terror viu a Manu se pegando com outro cara. Ele perdeu a cabeça, começou a bater na pessoa que tava com ela, e acabou torcendo o braço dela, que parece ter quebrado. Disse que ele e o RD tiveram que intervir pra evitar que piorasse e que a Lavínia levou a Manu pra um hospital na pista. Segundo ele, ela tá sendo cuidada, mas eu só consigo pensar no absurdo de tudo isso ter acontecido e ninguém ter me avisado.
Manu narrando
Acordo com o corpo mais leve, descansado.
O cansaço que sinto é emocional. Meu olhar vai direto para o teto. A iluminação branca e impessoal parece um lembrete de onde estou. Provavelmente me deram algum remédio forte para dor, porque o braço não incomoda mais, apenas a rigidez do gesso.
Desvio os olhos para o lado e vejo Lavínia na poltrona ao lado da cama. Ela está meio torta, a cabeça inclinada para o braço da poltrona, os cachos bagunçados cobrindo o rosto, parecendo desconfortável, mas totalmente imersa no sono. Um sorriso involuntário escapa dos meus lábios.
Fecho os olhos por um instante, deixando as memórias me invadirem. Respiro fundo, mas é inútil: as lágrimas vêm sem pedir permissão, escorrendo quentes pelo meu rosto. Tento limpar com o braço bom, mas o movimento só parece intensificar a sensação de vulnerabilidade.
Não quero ficar no morro. Isso é certo. Não sei como, mas preciso mudar. Não vou terminar como minha mãe, amando alguém que a destruiu. Esses pensamentos giram na minha cabeça, me consumindo, mas me dando uma certeza: preciso recomeçar.
O som de Lavínia se mexendo na poltrona me tira dos meus devaneios. Ela boceja, esfrega os olhos e me encara com uma mistura de alívio e preocupação ao perceber que estou acordada.
Lavínia: Manu! Tá se sentindo melhor? – A voz dela ainda está rouca do sono, mas o tom preocupado é evidente.
Manu: Tô... Só cansada. E com a cabeça cheia. – Minha voz sai baixa, quase um sussurro.
Ela se levanta e pega o copo d’água na mesinha ao lado, estendendo para mim.
Lavínia: Toma um pouco. Precisa se hidratar. – O jeito cuidadoso dela faz meu peito se apertar.
Tomo um gole, sentindo a água fresca aliviar minha garganta seca. Seguro o copo entre as mãos e olho para ela com um misto de gratidão e culpa.
Manu: Obrigada... Por tudo. Você não precisava ter ficado aqui.
Lavínia: Claro que precisava! – Ela se senta na beirada da cama, jogando os cachos para trás. – Amiga, depois de tudo que aconteceu, acha mesmo que eu ia te deixar sozinha?
Eu dou um sorriso pequeno, mas ele some rápido.
Manu: Tava pensando aqui preciso arrumar um lugar pra ficar. Continuar lá no morro não dá. – Minha voz treme, mas a convicção é real.
Ela franze a testa, meio pensativa, mas não parece surpresa. Segura minha mão e me encara sorridente.
Lavínia: Depois de tudo que rolou, dá pra entender... Mas calma. Você não precisa decidir nada agora. Foca em se recuperar primeiro, tá? Uma coisa de cada vez.
Manu: Eu já decidi... Não quero ficar lá, não dá pra ver a cara dele e não lembrar de tudo que rolou. Vou dar um jeito, procurar um local, um emprego. Mas lá eu não vou ficar.
Ela me observa por um momento, e o olhar dela se suaviza.
Lavínia: Sabe, minha tia tem um apê que tá vazio e mobiliado. Não é lá grandes coisas, mas é bem arrumadinho. Pra uma pessoa só vai dar certinho. – Ela fala de um jeito engraçado, me arrancando um sorriso. – Ela até tentou colocar pra alugar, mas por enquanto ninguém apareceu. E, tipo, tá pedindo super baratinho, é mais pra não deixar fechado mesmo. Ela morava sozinha antes, mas agora tá lá em casa comigo, já que meu pai não para muito por lá. – Lavínia vai falando e gesticulando, me fazendo achar graça do seu jeito espontâneo. – Se você quiser, posso desenrolar com ela. Tenho certeza que ela te aluga. Só é fora do morro! – completa com um sorriso largo.
Manu: Isso é otimo! Eu nem sei como te agradecer pelo que tá fazendo por mim...– falo, sentindo um alívio enorme ao pensar em ter um lugar só meu. – Já tô até me imaginando no meu cantinho. Se der certo, vou ficar eternamente te devendo essa!
Lavínia: Para com isso, menina! Que devendo o quê! – fala rindo e dando um leve tapa no meu braço. – Você merece ter paz, e eu quero te ver bem.
Manu: Eu não quero mais correr o risco de encontrar com ele. Não depois de tudo que ele fez. Se puder falar com a sua tia, eu aceito.
– Digo com a voz embargada.
Lavínia: Então tá decidido. Eu ligo pra ela. Não se preocupa. Esse apê vai ser perfeito pra você.
Manu: Sério, obrigada... De coração. Eu nem sei como te agradecer por tudo isso que tá fazendo por mim.
Lavínia: Para com isso, Manu! Eu já disse que você não tem que agradecer nada. Amiga é pra essas coisas, tá ligado? – Ela segura minha mão de volta e dá um sorriso largo. – Eu só quero te ver bem, no teu cantinho, tranquila. E, ó, se precisar de qualquer coisa, qualquer mesmo, é só me chamar!
Manu: Pode deixar.– Sorrimos uma para a outra.
De repente, ouvimos três batidas na porta. Eu e Lavínia olhamos juntas na direção, curiosas. A porta se abre e, vejo Felipe parado, acenando com a cabeça e tentando abrir um sorriso ao me ver. É quase impossível não reparar no estado dele, com o curativo no nariz e o olhar meio sem jeito.
Lavínia: Caraca, Felipe, parece que passou um caminhão na tua cara! – Fala, tentando não rir, mas o sorriso dele deixa a situação toda ainda mais engraçada.
Felipe se aproxima devagar, e na hora dá pra ver o estado dele. O nariz tá todo enrolado num curativo. A pele ao redor tá meio roxa, ficando mais escura perto dos olhos, que também tão bem marcados, parecendo sombra m*l feita. O rosto tá meio inchado nas laterais. Mas mesmo assim ele tenta sorrir.
Felipe: Caminhão, não! Foi um trem bala! E olha que ele ainda deu ré pra confirmar o serviço. – Responde, rindo de si mesmo enquanto dá de ombros, numa tentativa de deixar a situação mais leve.
Lavínia: Ah, então tá explicado, né? Porque tua cara tá um caos, mas tua marra continua intacta! – Fala, rindo enquanto cruzando os braços. .– Só tu mesmo pra fazer piada nessa situação.
Manu: Pelo menos o bom humor tá inteiro, né? – Falo, rindo baixinho, enquanto balanço a cabeça.
Felipe: Tá falando de mim, mas olha só pra você – Ele muda o tom, agora sério, e dá um passo mais perto. – Cê tá bem mesmo? De verdade?
Manu: Eu tô bem. – Falo, tentando sorrir pra tranquilizar ele. – Já me deram um monte de remédio, e a dor já passou. Agora é só lidar com o resto, né? – Falo desviando o olhar pra não deixar ele ver que ainda tô meio abalada por dentro.
Felipe: Ele já veio atrás de você? Tentou falar alguma coisa?
Manu: Não
Felipe concorda com um aceno de cabeça e, em seguida, ele e Lavínia começam a conversar sobre outros assuntos. Eles falam de tudo, desde histórias sinistras até os rolês mais malucos que já deram na vida. Eu acabo rindo junto enquanto escuto. Lavínia tem um jeito de fazer até os assuntos mais simples parecerem hilários, e Felipe, mesmo com a cara toda arrebentada, entra na onda, soltando comentários que me arrancam algumas risadas.
O tempo passa rápido enquanto estamos ali, a conversa fluindo fácil. Por volta das 14h, a porta do quarto se abre e o médico entra, segurando uma prancheta. Ele dá um sorriso educado, mas direto, aquele típico sorriso de quem tem boas notícias.
Médico: Manuela, os exames estão todos normais. Você teve uma fratura no braço que foi tratada corretamente, e a medicação está controlando bem a dor. Quero que continue usando a tipoia e tome os remédios conforme orientado. É importante evitar esforços com o braço por enquanto, mas você está liberada para ir pra casa.
Agradeço com um sorriso, enquanto ele explica as últimas recomendações e me entrega os papéis da alta.
Manu: Obrigada, doutor. De verdade.
Médico: Cuide-se, e qualquer coisa, volte aqui imediatamente. – Ele diz antes de sair do quarto.
Lavínia: Finalmente, hein! Bora meter o pé daqui, Manu? – Ela diz animada, já se levantando da poltrona.
Felipe: Tô de carro, posso levar vocês tranquilamente.
Manu: Não precisa, de verdade. Agradeço por ter vindo e por se preocupar comigo, mas não quero te meter em mais problemas.
Felipe: Que problemas, Manu? Já tô no meio dessa parada toda. Não me custa nada te ajudar. – Ele responde, cruzando os braços e me encarando.
Manu: Eu sei que você quer ajudar, mas tenho medo por você. Já basta o que aconteceu ontem... – Digo, desviando o olhar – De verdade, Felipe, eu agradeço, mas prefiro resolver as coisas sem te envolver mais.
Felipe: Manu, eu entendo sua preocupação, mas não precisa se preocupar comigo. Eu sei me cuidar.
Lavínia, que até então estava quieta, solta uma frase.
Lavínia: É, Manu, acho que ele tá decidido. E, sinceramente, a carona tá valendo, porque eu tô cansadona. – Ela diz, piscando pra mim.
Suspiro, sentindo aquele misto de gratidão e receio.
Manu: Tá bom, Felipe... Mas é só dessa vez. Respondo.
Ele abre um sorriso satisfeito, balançando a cabeça como se dissesse “sabia que ia aceitar”.
Felipe: Relaxa. Vamo nessa.