CAPÍTULO 5

1274 Words
O nome do próximo da lista era Vado. Trinta e dois anos, braço-direito do Canário. Sumido desde a operação. Segundo os informantes, podia estar escondido numa laje abandonada no alto da comunidade ou ter caído fora do estado com documento falso. Pelos registros da inteligência, ele era mais discreto que o chefe, mas ainda mais perigoso. Silencioso. Calculista. Matava sorrindo. Passei o dia afundado entre papéis, escutas incompletas, relatórios truncados. A delegacia parecia um ninho de formigas, todo mundo correndo pra todo lado, mas nada realmente andava. Cansaço velho. No meio disso, o telefone vibrou. **Dona Lúcia.** Respirei fundo antes de atender. - Oi, mãe… A voz dela do outro lado era aquele tipo de abraço que eu evitava sentir: caloroso, presente, impossível de ignorar. - Meu filho, você tá sumido. Faz três semanas que eu só falo com tua secretária eletrônica. Tá tudo bem? - Tô na correria, mãe. Operação pesada. A quadrilha do Canário não foi toda pega. O r**o da cobra ainda tá vivo. - Eu sei que seu trabalho é importante. Mas sua vida também é. Você não é só delegado, Marcelo. É meu filho. Um homem. Você precisa viver. Ela sempre dizia isso. Como se soubesse que eu tinha esquecido como se vive. - Eu tô bem, mãe. Só… estressado. - Você anda sozinho demais. Fecha esse peito, Marcelo. Amor também é remédio. Fiquei em silêncio. Não por falta do que dizer. Mas porque talvez… ela tivesse razão. Cheguei em casa depois das 22h. Joguei a chave no balcão, tirei a camisa encharcada de suor, e fui direto pro chuveiro. A água caiu fria nas costas, e por alguns minutos fiquei parado, de olhos fechados, como se pudesse lavar tudo o que carregava. Mas certas coisas não saem com água. Foi aí que ela voltou à minha mente. A mulher do baile. A boca firme. Os olhos desafiadores. "Você acha que toda mulher precisa ser salva?.” Não era só o corpo dela. Era o jeito. O controle. A fúria elegante de quem nunca pediu permissão. Me encostei no azulejo frio, a água escorrendo pelo peito. O rosto dela se formou claro na minha mente, como se tivesse estado aqui o tempo todo. O modo como ela dançava… sem se exibir, mas dona do próprio espaço. A curva da cintura. A blusa justa, marcando a pele. Os lábios cheios, naturais. O olhar direto, que não se curvava. Minha mão desceu devagar, e sinto meu p*u duro feito rocha. Fechei os olhos. Imaginei ela entrando no chuveiro, os pés descalços contra o chão molhado. Sem pressa. Sem palavras. Encostando em mim com a ponta dos dedos, testando meus limites. Não como quem pede, como quem toma. Minha respiração ficou pesada. A mão dela no meu peito, depois descendo, exigindo. A boca quente no meu pescoço. A respiração dela misturada à minha, molhada, crua, real. Gozei rápido. Silencioso. Forte. Um alívio que não acalmava. Pelo contrário: deixava um rastro de inquietação. A água seguia caindo, mas eu já não sentia mais nada. O nome dela ainda era um mistério. Mas o corpo dela… O corpo dela já era uma tatuagem no meu desejo. Passaram-se alguns dias desde o baile. Desde o olhar dela. Desde aquele banho que terminou com mais raiva do que alívio. Eu tentei me ocupar. Entreguei três mandados, acionei dois informantes e gastei a voz gritando dentro da delegacia por causa de um relatório m*l feito. A sensação era sempre a mesma: quanto mais eu fazia, menos resolvia. Era fim de tarde quando o telefone tocou de novo. Na tela: *Ayla*. Minha irmã. Uma das poucas pessoas que ainda sabia atravessar minha muralha sem implodir tudo. - Fala, doutora. - atendi, sem muito humor. - Oi, rabugento. Tô te ligando rapidinho, prometo. É só uma coisa prática. Ela nunca ligava à toa. Quando dizia “rápido”, era sério. - Diz aí. - Você ainda tem aquele apartamento em Laranjeiras? Aquele que alugava pra um colega da polícia e ficou vazio ano passado? - Tenho, sim. Por quê? - Tem alguém precisando. Urgente. Uma mãe com uma criança pequena. O estado de saúde do menino é delicado, e a condição da casa onde vivem tá colocando ele em risco direto. Franzi o cenho, instintivamente. - Você atendeu esse caso? - Atendi. E me tocou. A mulher é forte, Marcelo. Sozinha, com um moleque de quatro anos, enfrentando tudo sem reclamar. Me fez lembrar um pouco da mãe. Doeu. A referência à nossa mãe ainda batia fundo. - Ela tem como pagar? - perguntei, mais por protocolo do que por desconfiança. - Ela disse que pode arcar com uma parte. O resto, eu me viro. Não quero favor, só uma chance. Fiquei em silêncio por alguns segundos. O nome da mulher não foi dito, mas alguma coisa me pinicou por dentro. - Qual o nome dela? - Bruna. - Manda ela ver o lugar. Se ela quiser, é dela. Sem fiança. - Tem certeza? - Tenho! Os últimos dias foram um borrão de boletins, escutas ilegais, café ralo e gente mentindo na minha cara. Delegacia é isso: caos disfarçado de rotina. Todo dia tem alguém querendo parecer mais inocente do que é, mais vítima do que merece. E eu? Faço o que sei. Investigo. Pressiono. Assino papelada com raiva e volto pra casa com a cabeça tão pesada que o travesseiro parece castigo. Ainda estamos atrás de Vado, mas ele escorrega melhor que sabão em banheiro de cadeia. E o pior: parte da equipe já tá com medo de bater de frente. Não por ele, mas por quem protege ele. Corrupção fede, e eu sinto o cheiro antes de todo mundo. Mas não era só isso que me incomodava. Então quando encontrei Jéssica no mercado, foi como um teste do universo. Jéssica. Corpo feito, sorriso fácil, perfume caro. Um daqueles casos que começam com vinho, terminam com sexo e morrem no silêncio do dia seguinte. - Delegado sumido… - ela disse, com aquele olhar malicioso. - Você que sumiu. Eu tô sempre no mesmo inferno. Rimos. Troca de número. Convite pra um vinho. Aceitei. Não porque queria. Mas porque precisava de alguma distração para relaxar o corpo e a mente. Só uma mulher. O encontro foi o de sempre. Ela falava muito, ria mais ainda, colocava a mão na minha coxa com naturalidade. A gente transou. Forte. Rápido. Um pouco bruto. Ela gemia meu nome como se me conhecesse, mas eu m*l lembrava do cheiro dela. Vez ou outra, enquanto metia nela com força de quatro, me pegava pensando na marrenta. Era ela quem deveria está ali, de quatro pra mim com aquela b***a devidamente empinada. Chacoalhei a cabeça algumas vezes a fim de espantar esses pensamentos, para que Jéssica não percebesse. Quando acabou, Jéssica ficou deitada do meu lado, tentando puxar assunto. Eu olhava pro teto, calculando quantas horas faltavam pra voltar pro plantão. E então, como se ela soubesse, perguntou: - Tá pensando em outra, né? Não respondi. Só virei de lado. Porque sim. Eu tava pensando na marrenta. No olhar dela no baile. Na raiva, na firmeza, na forma como ela me desarmava sem tocar em mim. Jéssica era tudo que devia bastar. Corpo, presença, química. Mas ela era vazia. E a marrenta era ruído. Talvez o que me assuste nela seja justamente isso: Que não é o corpo que me atrai. É o que eu não entendo. É o que ela não mostra. E eu, que sempre fui bom em controlar tudo, não sei o que fazer com uma mulher que não precisa de mim mas me ocupa como se fosse minha própria sombra.
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