Cheguei em casa arrastando os pés, o cheiro barato do whisky ainda grudado na pele.
Rafael me olhava como se tivesse resgatado um soldado em campo de guerra.
- Vai pro banho, irmão. Tu tá um caco.
Tirei a camisa no corredor, largando a dignidade junto.
O espelho do banheiro me entregou sem piedade:
cara de ressaca, olhar de bicho acuado.
A água gelada não curou nada.
Só me lembrou que eu ainda tava vivo o que, honestamente, não era uma boa notícia naquele momento.
Quando saí, Rafael tava sentado no sofá, de braço cruzado.
- Vai trabalhar mesmo assim?
- Preciso. Minha cabeça não pode parar.
Ele bufou, jogou a chave do carro na minha mão.
- Então melhora essa cara de enterro. Porque vai ser a primeira coisa que vão comentar.
E foi.
Cheguei na delegacia e o clima já tava cheio de olhares tortos.
Evitei contato visual com todo mundo.
Entrei na minha sala e só disse pra moça da recepção:
- Hoje eu só atendo o que for caso de vida ou morte.
O resto, não me chamem.
Tô virado no Satanás.
Me tranquei ali, tentando me afundar nos relatórios, nos laudos, nas provas em qualquer coisa que me fizesse esquecer o gosto da pele dela.
Mas nem o inferno do dia me ajudava.
A favela tava sangrando de novo.
Encontraram dois corpos desovados na parte alta.
Duas possíveis testemunhas.
Canário ainda tinha tentáculos demais lá dentro.
E eu tava perdendo o controle.
Bati na mesa com força.
A dor no punho quase foi um alívio.
E como se não bastasse, Arnaldo apareceu na minha porta com aquele olhar de quem sempre sabe demais.
- E aí, meu filho… que história é essa de que o nosso pitbull tá com o r**o entre as pernas hoje?
- Vai embora, Arnaldo.
- Tô te avisando: tão dizendo que você tá destruído.
Olho inchado, cara de viúvo.
Te conheço, Marcelo. Você só fica assim por duas coisas:
culpa ou mulher.
Suspirei.
Ele deu dois tapinhas no ombro e saiu, me deixando com a própria bagunça.
O relógio demorava a passar.
O telefone tocava, o rádio chiava, minha cabeça fervilhava.
Até que veio a batida na porta.
- Já falei que não quero ser incomodado! - gritei.
Só se for coisa grave!
Rafael entrou sem cerimônia.
- Tem visita.
Levantei os olhos, pronto pra gritar.
Bati a mão na mesa.
- Carälho, Rafael! Eu não tô em clima de visita, poŕra! Manda voltar outro dia!
- Acho que essa tu vai querer ver…
Ele abriu a porta devagar.
E ali…
por baixo do braço dele, surgiu a pequena mulher de 1,50.
Cabelos escuros.
Olhos ainda mais.
Bruna.
E naquele instante…
O mundo parou.
Minha boca secou.
E tudo o que eu tentei esquecer me atravessou feito bala de fuzil.
Ela entrou como se não tivesse acabado comigo.
Como se não tivesse deixado meu mundo de cabeça pra baixo.
Bruna.
A mulher que virou meus pensamentos do avesso.
A mulher que eu não podia querer…
mas queria.
Entrou com passos lentos, firmes.
Com o Arthur nos braços, mesmo sem ele.
Com toda a poŕra da presença que me fazia doer.
Agradeceu Rafael com educação, como se estivesse entrando num consultório qualquer.
E eu ali, parado, sem saber se mandava ela sair ou me ajoelhava.
- O que você tá fazendo aqui, Bruna? - disparei, seco, tentando manter o controle.
E foi aí que ela fez.
Tirou minha blusa da bolsa.
A maldita blusa que eu larguei na sala dela.
E jogou com precisão cirúrgica na minha cara.
- Esqueceu isso. - disse, com o veneno escorrendo doce pela boca.
O tecido bateu no meu rosto e caiu no chão como uma sentença.
Como um lembrete da noite que eu passei por cima de todas as minhas regras e me deixei levar.
Fiquei mudo por alguns segundos.
Peguei a blusa do chão e olhei pra ela.
- Veio até aqui só pra isso? - perguntei, ainda com o coração dando cambalhotas.
Ela cruzou os braços.
A mesma expressão que usou no baile.
Aquela de quem não abaixa a cabeça nem fodendo.
- Não. Vim cobrar sua coragem.
Você teve pra entrar no meu corpo, mas não teve pra olhar na minha cara e dizer o que queria de mim.
Merda.
Aquilo me atravessou.
Eu sentia meu maxilar travado, o sangue quente nas têmporas.
A vontade era de puxá-la de novo pra mim.
Mas o medo… o maldito medo… ainda falava mais alto.
O ar na sala ficou denso.
Só nós dois.
Eu, com minha blusa suada na mão.
Ela, com o coração dela escancarado no peito.
E, naquele momento, eu soube:
Ou eu falava… ou ela ia embora.
De vez.
Levantei.
Sem dizer nada, fui até a porta da sala, girei a chave e travei a fechadura.
Estalo seco.
Silêncio.
Voltei a encará-la.
- Você não devia estar aqui. - falei mais pra mim do que pra ela.
Mas era inútil.
Bruna já estava ali. E não era só o corpo. Era ela inteira.
Com a fúria, a dor, a coragem e uma verdade que eu não tava pronto pra encarar.
Me senti encurralado.
Como um marginal no canto da parede.
E o pior: por uma mulher que não tinha nem altura suficiente pra me alcançar o queixo.
Mas conseguia me desestabilizar como ninguém.
Ela não gritou.
Não jogou mais nada.
Ela só começou a falar.
E a p***a toda veio como avalanche.
- Você me procurou, Marcelo.
Me invadiu, me tocou, me despiu.
Você teve sede de mim e depois me jogou pra fora como se eu fosse o erro.
As palavras dela batiam na parede e voltavam direto no meu peito.
Cada frase era uma navalha.
A voz dela era firme… mas os olhos…
Os olhos sangravam.
- Eu não vim aqui pra te pedir nada.
Eu vim porque não aguentava mais fingir que não doeu.
Porque não posso mais carregar sozinha um sentimento que você fingiu que não existiu.
As lágrimas escorriam, frias, silenciosas.
E era isso que mais me quebrava: o jeito como ela chorava sem implorar.
Como quem sofre, mas não se rebaixa.
Eu queria gritar de volta.
Queria dizer que não podia. Que não devia.
Que ela não era pra mim. Que essa merda toda só ia dar r**m.
Mas fiquei ali.
Travado.
Com a alma tremendo e o corpo duro de orgulho.
Ela me olhava como se estivesse vendo através de mim.
E pela primeira vez em muito tempo…
eu não sabia como sair daquela situação.
Porque não queria sair.
Mas também não sabia como ficar.
Em meio às falas expressivas de Bruna, senti meu peito abrir...
- CHEGA! - O grito saiu da minha garganta como se eu estivesse me libertando de mim mesmo.
Bruna se assustou, recuou meio passo, mas não desviou o olhar.
Ela se manteve ali, firme, com o rosto molhado pelas lágrimas e mesmo assim…
a coisa mais linda e insuportavelmente real que já passou por essa sala.
Não pensei.
Levantei da cadeira como uma fera solta.
Saí de trás da mesa num impulso cego.
E quando dei por mim…
minha boca já tava na dela.
Um beijo quente.
Demorado.
A fome de dias sufocados explodindo num só toque.
Ela tentou resistir por um segundo. Um único segundo.
Mas quando minhas mãos agarraram sua cintura e a tiraram do chão,
ela cedeu.
Completamente.
As pernas dela se enroscaram em mim como se o corpo soubesse exatamente onde era o lugar certo.
E era ali.
Ali, encaixada em mim, sendo minha.
Como se sempre tivesse sido.
Levei ela até a parede, sem ar, sem pausa, sem controle.
O beijo continuava molhado, desesperado, insano.
Meus dedos tremiam de desejo e fúria quando agarraram a barra da blusinha fina.
Rasguei.
Sem pedir.
Sem pensar.
Só querendo ver.
Precisando ver.
E ali estavam eles…
os s***s fartos, lindos, que cabiam perfeitamente na minha mão.
Meu corpo inteiro gritou quando minha boca desceu, faminta, pra tomar o que eu já tinha provado em sonho.
Ela gemeu baixo, colada na parede, com os olhos fechados e as mãos cravadas nos meus ombros.
Cada som dela me deixava mais perto da loucura.
A sede não passava.
Não tinha fim.
Eu queria ela toda.
Na minha boca.
Na minha pele.
Na minha vida.
Mas era mais que t***o.
Era raiva.
Era entrega.
Era uma confusão de sentimentos que eu não sabia mais como fingir que não existiam.