7

1531 Words
Andava pelos corredores, quando ouvi alguns barulhos vindo das salas. Segui calmamente e senti-me aliviado ao ver Audrea admirando os livros. – Chegou cedo… – ela se vira e abre um sorriso acolhedor. – Bom dia Padre Albert. – Bom dia. – Desculpe se cheguei cedo demais, é que, prefiro chegar cedo, do que atrasada – diz sorrindo. – Não encare meu comentário como um questionamento – digo rindo – apenas me admirei. Ela sorri sem jeito. – Há algo que eu precise saber antes de começar? – Bem, Padre Robert pediu que eu a acompanhasse neste primeiro dia, para ver a forma que você trabalha. Espero que não se incomode com minha presença… – Claro que não. Será um imenso prazer… – seus olhos brilharam para mim, como a chama de duas velas acesas. As crianças começaram a chegar e a se acomodar em seus lugares. Fiquei na porta recebendo-as. Audrea se aproximou. – São quantas crianças? – indaga. – Umas quinze – ele parece surpresa – não se preocupe, estarei aqui para o que precisar – percebi sua expressão se suavizar. Quando todos ocuparam seus lugares, Audrea se apresentou e fez a oração inicial. Fiquei no canto próximo a porta, observando a forma que ela lidava com as crianças. Ela tinha um jeito sutil e meigo. As crianças não pareciam estranhar a nova presença no ambiente. Quando ela começou a ler uma história para as crianças, ela sentou-se no chão e pediu que fizessem o mesmo. Cada palavra que saía de sua boca era repleta de emoção e vida. Ela tratava as coisas de uma forma divertida. – E então, quando a menina saiu de sua casa, encontrou uma raposa – disse e olhou rapidamente para mim – ela seguiu o animal até sua toca e tentou entrar nela – sorri com seus gestos. Quando ela me olhou novamente, sorri de volta sem jeito. Ela continuou a história, mas, o fim? Não me perguntem, pois, não sei. Parei de prestar atenção antes mesmo da metade. Permanecia imóvel olhando para a fina linha que formavam contornos dançantes; que iam desde sorrisos, a gestos exagerados para chamar a atenção das crianças. Ouvia sua voz, mas, não entendia uma só palavra. Algumas poucas vezes que ela corria o olhar pelas crianças, seu olhar encontrava o meu, e por algum motivo, isso me deixava com o coração aos pulos. Ela adentrara em outra história. As crianças não queriam que ela parasse. Então, ela começou a inventar pequenas histórias, que se uniam em determinados pontos. – E sabem o que ela fez? – após percorrer mais uma vez o olhar pela sala, ela me fitou intensamente – o que o senhor acha que ela fez Padre Albert? Sou pego de surpresa, principalmente pelas crianças me encarando esperando uma resposta. – Aposto que ela conseguiu achar uma saída. Audrea sorriu. – Isso mesmo, ela achou uma saída, mas não foi muito fácil. Ela correu muito… Sorri diante de seu exagero facial, para demonstrar o cansaço da personagem. – Sabem como ela escapou? – interrompo – ela saltou de uma montanha muito alta. – Ela não morreu? – indaga um pequeno. – Não – Audrea diz – ela mergulhou num rio de águas claras. A água desse rio era tão azul, que a menina pensou que fosse um sonho, e sabem o que ela fez – ela me olhou atentamente – ela decidiu morar nesse rio. Ela virou um peixinho – disse fitando umas das crianças mais próximas a ela. As crianças riram e pediram mais, mas, estava na hora do lanche. Eles fizeram um círculo e sentados no chão, fizeram sua refeição. Audrea se aproximou. – O que achou? – pergunto. – Bem – ela os olha com emoção – gostei muito. Na verdade, estou gostando. Observei-a atentamente, e percebi seu rosto ruborescer. Ela baixou a cabeça e fitou a mãos. – Porque a menina decidiu ficar no rio? Ela me olha confusa. – Ela gostou da paz que o rio trouxe. Seus olhos eram castanho, o que fazia contraste com seu cabelo. Sua pele não era tão clara quanto as das outras mulheres. Ela não parecia gostar muito de batom, o que deixava sua beleza natural ainda mais presente. Ela tinha uma forma de olhar, como se falasse. Não era preciso dizer muito coisa para saber o que estava acontecendo naquele momento. – Padre Albert… Eu… – Sim? – sim, diga! Diga, por favor! Ela me olhou durante alguns segundos, mas, desviou o seu olhar. – Obrigada. Ela sorri gentilmente, mas, em meu coração sabia que havia algo mais. Mas, o que poderia fazer? Arrancar palavras de sua boca? Jamais. Se ela não queria me dizer o que seus olhos transmitiam, nada poderia fazer. – Disponha. Ao término da aula, as crianças se dispersaram no pátio, a espera de seus pais. Fiquei de longe observando o entrosamento de Audrea com eles. Aos poucos as crianças foram indo embora. Quando a última se despediu de Audrea, aproximei-me dela. – Vou arrumar a sala – diz – estou exausta – diz rindo. Seguimos para a sala e organizamos tudo. – Pronto – diz ao guardar o último livro no lugar. – Vai se acostumar com o cansaço – digo. Ela sorri e segue para sua mesa. Ela faz algumas anotações e pega sua bolsa. – Virá para a missa das cinco? – havia necessidade de perguntar? Não. Claro que não. E muito menos devia. – Virei sim. Sorrio aliviado por sua resposta. Ela se levantou e seguiu para a porta. Fiz o mesmo. Saímos e ela trancou a porta. – Obrigada por tudo. – Não precisa agradecer. Acompanhei-a até a porta lateral, que dava acesso a um beco. As portas centrais ficavam fechadas a partir do meio-dia. – Padre Albert, em um outro momento, gostaria de lhe confessar. Seria possível? – Claro. Se quiser, tenho tempo agora. – Agora não – diz – mas, prometo que virei o quanto antes. – Tudo bem. Ela permaneceu alguns segundos parada. – Tenha um bom dia Padre – diz e saí. Ela se afastou lentamente, e a cada passo que ela dava, sentia uma imensa v*****e de trazê-la de volta. E foi o que fiz. – Audrea! – corri até ela, antes que alcance a calçada para a rua. Segurei em seu braço, e seus olhos seguiram direto para minha mão. Seus olhos castanhos denotavam ansiedade e euforia. Ela não dizia uma só palavra, mas, sabia que ela se sentia da mesma maneira que eu. Como podia ser possível? m*l nos conhecíamos, não tínhamos um convívio para que eu pudesse conhecê-la melhor. Era o que chamavam de “amor a primeira vista”. – Sim? – ela quebra o silêncio. Reteso-me ao perceber que pensamentos impróprios consumiam minha mente. Solto-a e ela parecia surpresa. – Desculpe, é só que… – tentava achar as palavras, mas, para o meu azar elas não viam. – Sim Padre? Pode dizer! Tanto quanto eu, ela esperava algum tipo de iniciativa, mas, era errado, impossível e impróprio. Não podia deixar que tal coisa me acontecesse. – Nada, apenas quero agradecê-la por se prontificar a trabalhar com nossas crianças. Ela baixa a vista e sorri. Ela sai e desta vez não a impeço. Entro rápido, antes que cometesse mais algum erro. Sigo para os meus aposentos e ajoelho-me junto a cama. Rezei pedindo perdão a Deus, por ter deixado que tais pensamentos sucumbissem minha mente – mesmo que por curto tempo. Não tinha o direito de sentir tais coisas por mulher alguma, muito menos por Audrea, uma jovem que se prontificara a nos ajudar com o trabalho com as crianças. Mas, ao mesmo tempo em que rezava pedindo perdão, involuntariamente, pedia para que ela não tivesse medo de mim, que não me interpretasse de forma errônea e que não fugisse. Levantei a cabeça e fitei a parede. Seus olhos castanhos que pareciam me devorar, me veio a mente. Fechei os olhos por um instante, e senti algo de que tanto meus amigos falavam. Sempre busquei a santidade, procurei manter minha mente sã, mas, naquele momento estava sendo difícil. – Dai-me forças, eu não quero ser mais um a cometer tal erro. A maioria dos sacerdotes desistem, abandonam a vocação nos seis primeiros anos. E eu tinha apenas seis anos de ordenação. Mas, não podia deixar que tal fato pesasse sobre mim, e muito menos que fosse usado como desculpas para que me desse ao luxo de ter tais sentimentos por Audrea. Muitos, nos piores casos – meus próprios companheiros – cederam, e mantinham casos escondidos. Escondidos pelo menos da sociedade extremamente conservadora. Pedi novamente perdão, e pedi principalmente, que tirasse tais pensamentos de minha mente. Levantei e segui para a janela. Fitei a enorme vegetação que se estendia até os limites de Salvatore, e pensei: seria este o motivo de eu estar neste lugar? Mais uma provação em vida que eu teria de passar? Respirei fundo, e apesar de saber que era errado, desejei que logo chegasse a hora da missa, para que pudesse ver aqueles lindos olhos castanhos, que brilhavam para mim de forma suplicante, como se pedissem socorro, como se pediam refúgio.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD