Ouço sua voz e sinto meu coração disparar.
Viro e deparo-me com o intenso brilho de seu olhar.
– Tudo bem?
– Não.
Albert se aproxima calmamente e se põe ao meu lado.
Ele esperava que eu dissesse algo, mas, mantive-me calada.
– Quer falar sobre isso?
Olho-o rapidamente e torno e fitar o vasto campo a minha frente.
– Quando era criança, costumava percorrer este campo. Sentia-me livre, liberta. Mas, toda vez que avistava esta cerca, sabia que por mais que eu me sentisse livre, eu não estava, e nunca estaria.
– É assim que se sente em r*****o a isso?
– Não somente em r*****o a isso – digo encarando-o – mas em r*****o a tudo. Papai sempre me tratou dessa forma, ou as coisas são como ele quer, ou ele me açoita.
Albert permaneceu calado.
– Tenho certeza de que ele só quer melhor pra você.
– Se ele quisesse o melhor pra mim, aceitaria minhas escolhas, e aceitaria o fato de que não amo Benicio, e que por isso não posso aceitar seu pedido.
A luminosidade da lua, deixava-o ainda mais belo. Seus olhos brilhavam tanto quanto as estrelas.
– Ás vezes temos que aprender certas coisas com o tempo. E amar, é uma delas.
– Mas eu não quero aprender amar ele!
Albert me olha mais atentamente.
– Padre, eu… – seria possível que eu estivesse certa? Será que a forma que ele me olhava de volta, era pelo mesmo motivo que o meu? Um sentimento estranho e forte…
– Sim?
Relutante, tento prender algumas lágrimas.
Ele se aproxima e com um lenço as enxuga.
– Não chore, por favor. Benicio parece ser um bom rapaz, pode dar a você, tudo aquilo que precisa.
Ele estava tão perto. Seu cheiro era de macieira quando está florescendo.
– Ele n******e me dar a paz que o rio de águas claras pode me dar – ele se retesa e me fita – quando olhar nos olhos dele, não verei o céu mais azul e mais belo que já existiu. Não sentirei como se estivesse livre, voando rumo ao paraíso. Padre, eu… – pela sua expressão, ele já devia desconfiar do que estava falando – eu…
Num momento de súbita loucura, aproximei-me ainda mais dele, e para minha surpresa, ele permaneceu imóvel, mas reteso.
Olhei para seus lábios e os juntei com os meus.
Pus minhas mãos em seu rosto e o puxei mais para mim.
Por um momento, senti-o ceder, mas, logo ele me empurrou.
– O que pensa que está fazendo?! – tudo aquilo que eu pensara que ele pudesse sentir por mim, se esvaiu.
– É que eu pensei…
– Audrea, nunca mais faça isso.
Ele passa a mão na boca e dá as costas.
Permaneço parada, vendo-o se afastar.
Novamente as lágrimas voltaram, mas desta vez, de tristeza. E um pouco de raiva. Não dele, mas, de mim mesma.
Como pude fazer tal coisa, depois de passar boa parte de minha vida vivenciando e aprendendo que o objetivo de nossa vida, é buscar a santidade.
Respirei fundo e enxuguei as lágrimas.
Viro para entrar, e dou de cara com Gilbert recostado na porta de sua cabana olhando fixamente para mim.
Sinto meu coração disparar, e penso se ele estava ali há muito tempo.
– Boa noite senhorita – cumprimenta.
– Boa noite Gilbert.
Olho-o mais uma vez, e percebo seu olhar malicioso.
Apresso o passo e entro no casarão.
Subo as escadas correndo.
Tranco a porta do quarto. Não queria falar com ninguém.
Joguei-me na cama, e antes que conseguisse trocar de roupa, acabei adormecendo.
Na manhã seguinte, meus olhos estavam inchados.
Aprumei-me e desci para tomar café.
Mamãe estava a mesa, e ao me ver se levantou.
Ótimo! Até ela me julgaria por conta de minha decisão.
Tomei um gole de café e um minúsculo pedaço de pão caseiro.
Fui para o estábulo. Queria montar, clarear as ideias.
Encontro Gilbert escovando um alazão.
– Prepare um pra mim, por favor.
Ele me olha rapidamente e saí. Quando volta, trás o cavalo que montara outro dia.
Subo no animal, mas, antes de partir, Gilbert põe a mão em minha perna e pergunta:
– Está confortável?
– Sim. Obrigada.
Ele dá um leve t**a na traseira do animal e sorri.
Segui até os limites de Salvatore, e comecei a pensar, o que me prendia a este lugar. Eu poderia simplesmente galopar até o animal se cansar. Analiso o vasto campo a minha frente, mas, olho para trás, e vejo a alta torre da igreja, e lembro-me que desta vez, o motivo que me prendia ali, não era papai. Perdera o medo de lhe dizer não. Mas, o que me fazia querer ficar ali, era Albert, por mais que fosse errado, por mais que fosse impossível; só o fato de poder vê-lo, de poder ouvir sua voz, já era suficiente para mim.
Respiro fundo e sorrio.
Dou meia volta e sigo rápido.
Decido passar pela cidade.
Logo caíra a ficha de outro motivo que também fizera mamãe se levantar da mesa ao me ver. Usava trajes de montaria, e ela achava medonho mulher montada em um cavalo.
As ruas estavam cheias. Início de semana, todos iam para a rua repor os itens que lhes faltavam.
Passei em frente aos armazéns, quando dou de cara com aqueles olhos brilhantes.
Ele estava acompanhado do Padre Robert.
– Audrea – chama o senhor de idade avançada.
Puxo as rédeas, mas não desço.
– Olá Padre.
– Tudo bem? Como foi lá ontem?
Ontem? Ah, tantas coisas aconteceram…
– Muito bom – oscilava meu olhar entre os dois.
– Albert me disse que você tem muito jeito com criança.
Olho-o e sorrio.
– Gentileza dele.
– Vamos Padre Robert – diz.
– Vamos sim. Ah, Audrea, se puder, acha que teria um tempinho para nos ajudar no sopão de amanhã?
– Ah, claro.
– Ótimo! Muitíssimo obrigado.
Sorrio e me afasto.
Olho para trás, e vejo Albert me olhando intensamente.
Dou a comanda para que o cavalo avançasse um pouco mais rápido.
Cheguei em casa e deixei o animal no local onde o pegara.
– Alda?
– Sim, estou aqui Audrea.
– Onde estão eles?
– Almoço na casa de Marieta.
– Ótimo. Terei algumas horas de sossego.
– Audrea, o senhor Benicio mandou comunicar que virá para o chá da tarde, e pediu sua companhia.
Assento e subo.
Ele não ia desistir?! Não fui clara o suficiente?
Propositalmente, papai mandara avisar que passaria o restante do dia na casa de Marieta, claro que, não por suportar as ladainhas dela sobre ter feito um bom casamento, e nem a modéstia de seu esposo. Mas, apenas por querer que eu conversasse melhor com Benicio.
As cinco em ponto, ele chegou.
– Olá Audrea.
– Olá Benicio.
Indiquei-lhe o sofá e ele se acomodou.
– Bem, serei direto. Sabe o motivo de eu estar aqui…
– Pra falar a verdade, tenho minhas dúvidas, pois, achei que já tivesse deixado claro minha posição sobre seu pedido.
– É sobre isso que vim lhe falar. Vim para primeiramente lhe esclarecer, que não fora seu pai que foi a minha procura, mas, eu que vim em busca dele.
– O que? – indago sem acreditar.
– Quando vim até aqui há dois anos, seu pai me disse que você já estava prometida a um velho senhor, dono de um grande armazém. Mas, como eu a queria, fiz de tudo para conquistar sua confiança e mostrei que eu era a melhor opção para você.
– A melhor opção?
– Sim. Posso dar tudo o que você quiser e precisar. Audrea – ele se ajoelhou aos meus pés – case comigo, me dê filhos, me faça o homem mais feliz deste mundo, e eu prometo retribuir a altura.
Olhava-o, mas, não conseguia acreditar no que estava acontecendo.
– Benicio, eu não posso casar com você. Não sem amá-lo.
– Você aprenderá com o tempo.
– Benicio, eu…
– Façamos assim. Eu lhe darei um tempo pra pensar. Não me dê esta resposta agora. Pense, veja se tudo o que tem em mente é realmente o que você quer, se é o que realmente precisa. E, se no fim das contas, você perceber que o que você quer neste momento, não lhe satisfaz, eu lhe garanto; darei o máximo de mim para que você seja a mulher mais feliz deste mundo.
Benicio sabia usar bem as palavras para cativar as pessoas, mas, sabia que meus sentimentos não mudariam.
Mas, para não ter de ouvir mais justificativas de que seria melhor ficar com ele do que sozinha, decidi aceitar sua proposta.
– Está bem Benicio. Eu aceito sua proposta.
Benicio sorriu e beijou minha mão.
Não sabia ao certo a que rumo tal decisão me levaria, mas, estava disposta a arriscar e ver que frutos isso me traria.